Cansado de ser visto como um concelho dormitório e mono-dependente do turismo, Lagoa, no Algarve, está a entrar numa nova fase, na qual afirma a sua identidade e ressuscita o orgulho “lagoense”. Francisco Martins, presidente da câmara municipal, lidera a cidade numa estratégia de futuro em diversas áreas, desde a água ou eficiência energética, à mobilidade e modernização administrativa. Qual a meta? “Um concelho partilhado e sentido por todos os lagoenses”.

 

Qual a inspiração para a visão smart city de Lagoa?

Quando iniciei funções, sempre disse que era necessário pensar Lagoa e projectá-la para o futuro, de forma sustentada e planificada. A maior motivação foi precisamente essa, ter um concelho que soubesse preservar o que de melhor tem mas que, ao mesmo tempo, se modernizasse e se transformasse num concelho do séc. XXI. O mundo está em constante mutação e as fórmulas de há uma ou duas décadas não são hoje as ideais para o desenvolvimento do nosso território. Defendo que deveremos ser mais activos e menos reactivos, ou seja, estar um passo à frente do tempo.

No âmbito desta vontade, o que vai, na prática, mudar na vida dos lagoenses?

Lagoa foi durante muito tempo apelidada de dormitório de um concelho vizinho. Lagoa não só não é esse dormitório, como tem uma identidade própria e um enorme orgulho no seu processo de crescimento. Temos constatado, ao longo destes três últimos anos, precisamente, o ressurgir desse orgulho de ser lagoense, sem cair em bairrismos exacerbados. O que fundamentalmente vai mudar é a maneira de sentir e viver Lagoa. Um concelho partilhado e sentido por todos os lagoenses. O saber aliar os nossos costumes e a beleza da nossa paisagem com as ferramentas associadas às novas tecnologias que diariamente surgem e que podem ser um catalisador do desenvolvimento sustentado.

Há uma estratégia em curso nesse sentido. Qual o ponto de situação?

Mais do que aderir a esta nova visão da cidade é, honestamente, senti-la como uma necessidade e uma mais-valia para o futuro. Nos primeiros dois anos, optamos pela elaboração de planos estratégicos sectoriais. Paralelamente, desenvolvemos projectos já enquadrados nesses planos. Agora, estamos na fase de estabelecer parcerias para a sua aplicação prática.

Que áreas têm apresentado mais desafios a Lagoa nesse caminho?

A primeira prioridade que traçamos foi precisamente na questão dos serviços públicos essenciais. Falo da questão da água, saneamento, resíduos e eficiência energética. Como vê, começamos pela base, primeiro, saber gerir os nossos recursos de forma eficiente. Neste capítulo, já avançámos com contadores inteligentes, sistema de gestão de frotas, sensores nos contentores subterrâneos, alargamento da rede de abastecimento de água e de saneamento, assim como a substituição de condutas, que algumas delas tinham cerca de 30 anos. Conseguimos com estes procedimentos diminuir significativamente o valor de perdas de água e o número de roturas. Avançámos com um plano de eficiência energética que se estende por cinco anos e que tem um investimento superior a cinco milhões de euros. Estes foram os primeiros passos nesta matéria. Paralelamente, abraçámos a questão da mobilidade e a modernização administrativa. Temos o Plano de Mobilidade do Concelho praticamente concluído. Iremos, de seguida, incluir a questão da reabilitação urbana e do uso do espaço público como prioridades de intervenção. Para isso, estamos a concluir a revisão do PDM, do Plano estratégico para a próxima década e a aprovação do PARU.

Recentemente, assinaram um protocolo com a NOS. De que forma este vai alavancar a implementação da estratégia?

Faltava-nos um parceiro estratégico que conseguisse sistematizar toda a acção do município. Digamos que, com este protocolo, conseguimos uma simbiose perfeita. Nós, com a necessidade do conhecimento, e a NOS, com a necessidade de ter um parceiro no terreno onde pudesse aplicar toda a sua panóplia de serviços e aplicações. Fizemos, ao longo deste tempo, muita pesquisa e muitas reuniões e efectivamente foi a NOS que conseguiu enquadrar mais eficazmente aquilo que era a nossa visão.

” Os cidadãos são a chave mestra deste projecto. Como se costuma dizer, o primeiro passo para uma cidade inteligente é termos os cidadãos inteligentes. Cada lagoense tem de saber que é parte integrante e fundamental na vida do nosso concelho”.

Como estão os lagoenses a participar nesta transformação?

Os cidadãos são a chave mestra deste projecto. Como se costuma dizer, o primeiro passo para uma cidade inteligente é termos os cidadãos inteligentes. Cada lagoense tem de saber que é parte integrante e fundamental na vida do nosso concelho. Iremos ter, no âmbito do protocolo com a NOS, um sistema de georreferenciação de situações que serão remetidas directamente por cada cidadão e que chega na hora ao nosso conhecimento, assim como o cidadão ficará a saber toda a tramitação do assunto que nos reporta. Posso acrescentar também que, desde que cheguei, implementámos o Orçamento Participativo, numa tentativa de envolvimento dos lagoenses na governação da sua/nossa terra. Já vamos no terceiro ano e já realizamos muitas intervenções que vieram precisamente do Orçamento Participativo. É fundamental que as pessoas se sintam parte integrante da decisão e não deveremos ser nós, neste caso, o Executivo, a impor simplesmente a sua vontade.

Reduzir a enorme dependência do turismo é um dos seus objectivos. Como isso será feito?

Digo aquilo que sempre digo: tenho de gerir financeiramente a câmara e economicamente o concelho. Esta é uma verdade que serve a todos os concelhos e, no caso de Lagoa, tem sido esta a visão que temos defendido. Não podemos ficar reféns da monocultura da criação de riqueza. Nesse sentido, temos promovido o concelho como nunca tinha acontecido. Estivemos presentes em variadíssimas feiras internacionais, mostrando um concelho, obviamente, com enorme potencialidade turística, mas não só. Reerguemos o sector do vinho, cuja origem se confunde com a história de Lagoa e que, em três anos, duplicou o número de produtores. Digamos que Lagoa é um concelho geograficamente muito bem situado, estamos no litoral e sensivelmente no meio do Algarve, tem um turismo de qualidade e não de massas, tem uma sustentabilidade e harmonia reconhecido por todos e, sobretudo, tem um rumo.

Vão aproveitar os fundos comunitários para materializar a estratégia?
Obviamente que o aproveitamento dos fundos é importantíssimo. Já fomos contemplados com apoios na questão dos serviços públicos essenciais, na modernização administrativa  e na mobilidade. Temos estado atentos, sobretudo às aberturas de programas que se enquadram na nossa estratégia, mas não estamos à espera da sua abertura para pensar, então, no que vamos fazer. Os fundos são fundamentais no desenvolvimento do nosso projecto, mas não são o catalisador do mesmo.