Já todos sentimos que existem locais realmente peculiares, que nos impressionam negativamente e nos obrigam a um confronto sério sobre decisões que em nada de se enquadram nas regras de boas gestão de recursos materiais humanos, que nada contribuem para a ansiada qualidade de vida da comunidade. São locais que nos colocam em frente de uma realidade que, em circunstâncias diversas, bloqueou ou emperrou um engrenagem, por razões de falta de visão e más decisões políticas.
Após o descalabro financeiro surgem os problemas sociais. A falta de investimento público agudiza-se. São necessários ajustamentos no quadro de pessoal, que foi crescendo na correspondente medida da loucura efémera da manutenção do poder com recursos finitos e escassos. Falo de dinheiro! Pois, como é óbvio, uma cidade inteligente tem de gerir bem os seus recursos financeiros. Uma cidade inteligente não deve desbaratar esses mesmos recursos ao sabor dos ventos de feição soprados por períodos eleitorais, ou impulsionados por fases mais ou menos boas da economia e do crédito.
Uma cidade inteligente antecipa os problemas. Olha para o futuro com muito realismo e evita a alegria exagerada de quem só vê glória e sucesso. Claro que falo de um ponto de vista introspectivo. Não estou a sugerir que os arautos da desgraça e os velhos do Restelo tomem conta das nossas cidades e que cancelem o sonho de uma vida melhor e congelem eternamente as doses de felicidade que todos queremos consumir.
Exige-se equilíbrio. Pede-se sensatez. Mas também é necessária criatividade, arrojo e, sobretudo, competência. As cidades de segunda, terceira, quarta (…) linhas são as mais vulneráveis e, por isso mesmo, também merecem ser destacados exemplos de boas práticas.
No passado mês de Fevereiro, fui convidado para integrar uma comitiva do município de Espinho à província espanhola de Badajoz, no âmbito de um programa europeu. Na sessão, apresentei dois casos de estudo em Portugal: o primeiro, relacionado com o design de produto (um tema ao qual voltarei em breve), uma empresa nacional (Almadesign) que tem desenvolvido soluções criativas para atrair público para as políticas de “carbono zero” e proteção ambiental, mas também na óptica do design criativo, eficaz e sustentável de meios de transporte; o segundo caso, relacionado com o Parque Tecnológico de Évora, que tem a EDP como motor de propulsão, sendo um bom exemplo de aliança entre cidade, universidade e empresas, criando um ecossistema perfeito para o florescimento de novas startups, novas soluções tecnológicas e outras invenções que tornem o processo de gestão e administração de energia (e demais temas) eficazes e benéficos para o consumidor final.
Espinho é uma dessas cidades que, estando no litoral, tem potencialidades e bom ambiente económico, mas que viveu um período difícil com necessidade de saneamento das contas públicas para regressar ao ponto de equilíbrio.
O seu executivo e corpo técnico, através deste tipo de programas financiados, tem conseguido estabelecer parcerias internacionais e tentado evoluir, aprender e crescer. A presença do presidente do município nesta “excursão”, durante dois dias, demonstra bem a vontade e o empenho em acompanhar de perto as ações que, umas cedo, outras mais tarde, vão dar frutos.
A cidade tem um tecido económico interessante e pujante até (uma condição comum, de resto, a muitas das cidades do litoral). Espinho tem novos projetos para aproveitar o mar e os seus recursos, quer na área do turismo quer na mesma condição de indústria e fonte de subsistência para muitas famílias e empresas.
Espinho é apenas um exemplo de uma cidade inteligente, não tanto ao nível da tecnologia e soluções que usa, mas pela desfaçatez com que encarou a administração financeira da autarquia, regulou os fluxos negativos, desprendeu-se do que não fazia falta e manteve-se à tona, estando agora a recolher muitos dos frutos desse trabalho que, noutros casos, comprometeu o futuro político de quem executou planos semelhantes.
Os cidadãos não gostam de ver inteligência nas ações do gestor político que toma decisões difíceis (porque acabam por sofrer todos, direta ou indirectamente, com elas). Mas gostam de ver o resultado dessas ações de gestão inteligente algum tempo depois. Espinho, tal como um farol, está a mostrar aos poucos esses resultados.