Estamos em 2020. Sentados em frente à televisão para assistir ao documentário Uma vida no nosso planeta. Em vez das habituais filmagens cinematográficas da vida selvagem, neste filme único, encontramos a perspetiva mais sombria sobre o estado do planeta, a crise climática e o declínio ecológico. Transportamo-nos até Pripyat, na Ucrânia, a cidade-fantasma conhecida como Chernobyl. Mas o que pretende David Attenborough ao começar este filme aqui?
A mensagem do filme é simples: mostrar como a terra se pode tornar desabitada por culpa humana e como se cura a si própria quando a pressão antropogénica se dilui. O planeta vai ficar bem, mas nós, se não agirmos já, não. Apesar dos danos causados no mundo natural pelos humanos, ainda há esperança para o futuro. David Attenborough concentra-se também em encontrar soluções, atribuindo um valor incrível ao papel do conhecimento, da informação, da sensibilização e da comunicação.
Quando, em 2015, nasceu, no seio das Nações Unidas, a Agenda 2030, 193 países reafirmaram o seu compromisso com a sustentabilidade para garantir um crescimento económico sustentável, a inclusão social e a proteção ambiental. Os objetivos da Agenda 2030 interconectam-se de maneira equilibrada e indivisível em áreas muito diversas. Alcançar as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) até 2030 requer um nível de ambição e uma participação alargada envolvendo, à escala mundial, governos, sociedade civil, empresas, organizações e academia.
O ODS 13 da Ação Climática fala diretamente nas alterações no clima e como são encaradas como um obstáculo ao desenvolvimento, mas reforça a necessidade de fazer face ao aumento das emissões e de preparar as comunidades para os impactos das alterações climáticas. Fazer o cruzamento com o ODS 11 Cidades e Comunidades Sustentáveis é, por isso, relativamente fácil no sentido em que 55% da população mundial vive em centros urbanos e, segundo a OCDE, até 2050, será 70%; 80% dos materiais e energia consumidos globalmente são consumidos nas cidades e 70% das emissões de CO2 têm origem também nas cidades.
O cumprimento do ODS 11 está, em grande parte, dependente do cumprimento do ODS 13 e o contrário é também verdadeiro, visto que estamos a falar de ações tão urgentes como reduzir o impacto ambiental negativo per capita nas cidades ou implementar políticas e planos integrados para a inclusão, a eficiência dos recursos, a mitigação e a adaptação às mudanças climáticas ou a resiliência a desastres.
O ODS 11 e o ODS 13 requerem que, numa cidade verdadeiramente inteligente, sejam necessárias múltiplas camadas de inteligência – governação inteligente, transparente, que delega poder para a cidade; uma economia inteligente que promove a criação de emprego e formaliza o informal; gestão ambiental inteligente através da criação de infraestruturas inteligentes e uma economia circular; planeamento inteligente que crie espaços tranquilos e construção sustentável eficiente em termos energéticos e que incorpore fontes renováveis, e espaços verdes no desenvolvimento urbano; entre muitos outros requisitos “inteligentes”.
Se tudo isto é verdade e necessário, não é menos verdade que a peça fundamental para que os dois ODS sejam cumpridos depende das pessoas, do nosso envolvimento e participação. As cidades são construídas e desenvolvidas com e para os cidadãos e é preciso torná-las inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis.
O envolvimento dos cidadãos é uma parte importante de qualquer processo de tomada de decisão e a atual pandemia de Covid-19 destacou uma necessidade importante neste sentido. Nos últimos dois anos, as cidades passaram por rápidas transformações e tiveram de tomar decisões de forma rápida e eficiente, muitas vezes com base no feedback em tempo real e nas mudanças de comportamento dos cidadãos.
Com o envolvimento dos cidadãos, que é essencial, surge também um enorme desafio para os governos locais. É preciso trabalhar em plataformas nas quais os cidadãos se possam expressar e participar, porque uma maior representação de cidadãos leva a um governo mais eficaz, e uma melhor governação melhora o nível de confiança que os cidadãos têm na sua autarquia. É sabido que a confiança é uma característica chave em qualquer cidade inteligente centrada nas pessoas e a única forma de a melhorar é através da participação.
Mas há mais no envolvimento dos cidadãos do que dar e receber feedback para ideias e projetos. Muitos governos locais estão a implementar ideias novas e estimulantes para tentar impulsionar esse envolvimento e ultrapassar os obstáculos que impedem a sua participação. Fazem-no através da integração da comunicação e da sensibilização, componentes cruciais no processo de envolvimento dos cidadãos.
A arte de comunicar aplicada à ação climática
O que significa isto de comunicar especificamente a ação climática? Na verdade, nada de muito diferente do que comunicar qualquer outra coisa, desde que seja assegurada transparência e verdade. A diferença pode estar nas ferramentas que utilizamos em função das necessidades. Comunicar ação climática ou alterações climáticas não é mais do que educar, informar, alertar, persuadir, mobilizar e tentar arranjar soluções para resolver este problema crítico.
Se quisermos aprofundar, a comunicação sobre alterações climáticas é moldada pelas nossas experiências, modelos mentais e culturais, locais onde vivemos e visões e valores daquilo e daqueles que nos rodeiam. É através de processos dinâmicos que as sociedades desenvolvem a consciência das alterações climáticas, e a boa ou má compreensão do tema pode vir a gerar vários caminhos: eco-ansiedade, apatia, inércia e preocupação, por um lado, ou consciencialização, inspiração, motivação e ação, por outro.
Comunicar alterações climáticas de forma eficaz é um desafio que se pode e deve dar em três passos importantes: conhecimento; sensibilização; ação. É necessário sensibilizar as pessoas para o tema, o que só se consegue através do conhecimento. Quando os cidadãos estiverem informados, através de uma linguagem acessível e compreensível, de forma isenta, objetiva e cientificamente correta, então, estaremos no caminho para uma mudança de comportamentos que aumentará a sustentabilidade ambiental.
De acordo com o IPCC – Painel Intergovernamental das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, no seu Guia para Autores, uma das mais eficazes formas de comunicar e envolver as pessoas é falar sobre o mundo real ou contar histórias humanas, dando exemplos com os quais as pessoas se identifiquem, em vez de estatísticas e gráficos.
A comunicação da ação climática e das medidas de combate às suas alterações por parte das autarquias requer uma abordagem que envolva os cidadãos, mantendo-os informados e mostrando o progresso em termos de compromissos de sustentabilidade. Uma boa política de comunicação constrói relações de maior confiança entre as cidades e a sociedade civil, criando condições para que soluções e modelos inovadores validados e testados possam ser replicados noutras cidades.
Mas o caminho da informação e do conhecimento não são suficientes porque, na realidade, as informações, por si só, não mudam o comportamento. Somos seres complexos e com muitas diferenças, e as mudanças de comportamento são um verdadeiro desafio. Não há uma solução mágica e o segredo passa por assumir que erramos e que, ainda assim, devemos seguir o caminho, sabendo que cada escolha que fazemos tem impacto.
A comunicação tem, por isso, um papel essencial a desempenhar na provocação de uma resposta às alterações climáticas. Deve, primeiro, informar e sensibilizar, fazer com que as pessoas se sintam envolvidas e, por fim, motivá-las a tomar medidas.
Smart Communication for smart cities
Os decisores nas cidades são responsáveis perante os eleitores e são eles que avançam a maior parte das ações concretas sobre alterações climáticas. Muitas cidades estão a inovar na comunicação para facilitar a sensibilização do público e a ação climática.
Estes instrumentos vão desde os meios de comunicação tradicionais a processos participativos inovadores. Igualmente importante é encontrar as pessoas que inspirem a mudança e liderem esta jornada. Não basta dizer só como fazer, mas também mostrar como se faz. E, muitas vezes, não é necessário inventar a roda. Olhemos para o caso de Greta Thunberg, a ativista sueca, que, em 2018, apenas com 16 anos, esteve vários dias de greve em frente ao parlamento do seu país, tornando-se numa das personalidades mais conhecidas do mundo na defesa do ambiente. É uma jovem que abraçou uma causa e se tornou numa poderosa ferramenta da comunicação.
Outro exemplo de sucesso na comunicação de alterações climáticas veio do antigo vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, que colocou o tema das alterações climáticas nas bocas do mundo, através das apresentações gráficas e imagens que acompanhavam o seu discurso emotivo. O seu filme Uma verdade inconveniente foi premiado com cinco Óscares e Al Gore recebeu, juntamente com o IPCC, o prémio Nobel da Paz de 2007 pelos esforço na disseminação de maior conhecimento sobre alterações climáticas.
Foi também Al Gore quem colocou em cima da mesa as questões relacionadas com o greenwashing no clima e a importância de serem passadas mensagens corretas e verdadeiras, referindo mesmo que o greenwashing pode ser uma ameaça à ação climática. A questão que se coloca é a de que ser sustentável não pode ser usado como ferramenta de marketing. Os consumidores e cidadãos são cada vez mais exigentes, mais conscientes e criteriosos. Utilizar ações de marketing no sentido de mostrar que se mantêm boas práticas ambientais, quando na verdade se faz muito menos do que se diz, ou simplesmente não se faz, é um erro que só afasta os cidadãos e descredibiliza as autarquias.
A comunicação climática conta com pessoas inspiradoras como Leonardo diCaprio, David Attenborough, Jane Goodall, Jacques-Yves Cousteau, Yann Arthus-Bertrand, Sylvia Earle, entre outros, que nos abriram horizontes. Atores, músicos, fotógrafos, escritores e muitas figuras públicas utilizam a sustentabilidade aliada à comunicação como fonte de inspiração, motor da mudança, e participam na construção de uma nova visão e de um novo caminho.
Mas os influencers ou as figuras públicas não são os únicos meios de chegar às pessoas. São muitas as ferramentas e abordagens que as cidades têm à disposição:
- a economia criativa como conceito colaborativo, cooperante e partilhável que favorece a inovação e leva ao desenvolvimento;
- colocar o design centrado no planeta ao serviço da comunicação, da inovação e da sustentabilidade, criando novos produtos, novas ferramentas, novos hábitos, nova gestão, novos comportamentos e tornando-o também comunicador;
- o artivismo, porque a arte tem uma capacidade única de criar mudanças sustentáveis e cria espaços de diálogo construindo comunidades ligadas por determinado valor ou determinado objetivo-chave (artivistas são todos os que encontram na arte (literatura, pintura, escultura, teatro, ilustração, cinema, música…) o poder das mensagens, inspirando mudanças);
- a biomimética – casando a arte com a ciência, procurando soluções na natureza para os problemas humanos;
- o urbanismo tático, dando um novo sentido aos espaços urbanos, criando iniciativas de pequena escala, de baixo orçamento, rápidas e flexíveis para lhes dar novos e mais sustentáveis usos.
Nas cidades, há fontes inesgotáveis de recursos (ofícios, memórias, conhecimento) que devem ser reinventados e valorizados para que sejam o motor da revitalização; a publicidade como ferramenta renovada que pode ser usada como um instrumento para modificar o impacto das atividades humanas no planeta. Não é uma novidade, mas a publicidade gera riqueza quando promove, por exemplo, a redução da pegada ambiental e social e é responsável pelas mudanças de estilo de vida na sociedade e no consumidor, do mais materialista ao mais sustentável. A publicidade utilizada com um sentido social e ambiental pode ser brilhante em persuadir as pessoas a mudar o seu comportamento.
As questões ambientais, sociais e económicas não são fáceis de comunicar e, muitas vezes, são incompreendidas porque as pessoas têm uma perceção errada sobre elas. Muitas pessoas acham que a sustentabilidade não se aplica a ela ou não faz parte dos seus deveres, nem é uma questão de cidadania. A comunicação deve utilizar todas as suas ferramentas para criar entusiasmo e ajudar a que se façam as mudanças necessárias dentro ou fora de casa, dentro e fora das cidades. A comunicação é crucial no caminho do desenvolvimento sustentável.
Alguns casos práticos
Cascais Smart Pole
O Cascais Smart Pole by Nova SBE é um exemplo que promove o conhecimento e a participação através de uma parceria público-privada para as pessoas. Localizado no município de Cascais, pretende alinhar a comunidade com os ODS e liderar a geração da mudança no caminho da inovação aliada à neutralidade carbónica, acompanhando as metas do município para a descarbonização, bem como as nacionais definidas para 2050. Este Living Lab, financiado pelos EEA Grants, será um espaço de experimentação em que a comunicação assume um papel fundamental no envolvimento dos cidadãos e no incentivo à sua participação.
Climes to go
O Climes to Go é o exemplo de uma iniciativa inovadora (promovida pela Get2C e pela Earth Watchers) desenvolvida com a câmara municipal de Cascais e com o objetivo de sensibilizar os cidadãos para a necessidade urgente da ação climática através de uma mensagem poderosa: as nossas escolhas diárias têm o poder de influenciar o planeta. O Climes to Go traduziu-se numa competição entre três equipas de quatro pessoas que partiram de Cascais em direção a Glasgow para a COP26. Viajaram levando no bolso a moeda “Clima”, fazendo as suas escolhas da forma mais sustentável possível e com o maior impacto positivo nas comunidades.
Aquametragem
A Aquametragem é uma curta-metragem, realizada pela portuguesa Marina Lobo, resultado de uma ideia da Lisboa E-Nova e financiada pelo Fundo Ambiental. Tem o objetivo de sensibilizar o público a utilizar os recursos hídricos de uma forma mais responsável e eficiente. Entre outros prémios, foi vencedora da categoria “Proteger o Nosso Planeta” no Festival de Cinema das Nações Unidas sobre os ODS.
Este artigo foi originalmente publicado na edição de Janeiro/Fevereiro/Março de 2022 da Smart Cities.