A expressão “Eucaliptogal” surgiu num post de uma amiga no Instagram, em pleno auge dos incêndios que devastaram o país em setembro. Essa imagem fez tocar dentro de mim a música “Firestarter” dos Prodigy, em revolta, frustração e impotência que, como cidadão e ambientalista, sinto ao ver o fogo consumir, uma vez mais, as florestas portuguesas. É uma sensação de deja vu, com os mesmos debates, com os mesmos rostos na comunicação social a repetir as mesmas críticas, a fazer o mesmo diagnóstico, enquanto os políticos lamentam, sem apresentar soluções concretas para mudar esta realidade devastadora.
A indignação é ainda maior porque sabemos que as soluções existem. O diagnóstico está feito, há competência técnica disponível, e o caminho para a mudança é evidente. Contudo, insiste-se num modelo de floresta que é insustentável para a geografia e o clima de Portugal, como se o único rumo possível fosse continuar a transformar o país num “Eucaliptogal”. Esta insistência desafia a lógica e a sensatez, mas sobretudo coloca em perigo toda uma população que vive nas zonas rurais e periurbanas de Portugal.
É importante salientar que a questão não passa por eliminar o eucalipto. Essa ideia é utópica, considerando o peso económico que a indústria da celulose tem em Portugal. Pedir o fim do eucalipto seria como pedir o fim do dióxido de carbono: simplesmente não vai acontecer. O que está em causa é a desorganização do território e da floresta, permitindo o eucalipto ser a maior monocultura do país, muitas vezes até às portas de aldeias e habitações, sem faixas de segurança adequadas. Todos sabemos da inflamabilidade desta espécie e de como projeta fogo a grandes distâncias, potenciando cenários de destruição e de caos sobretudo a norte e centro do país. Depois do incêndio, o eucalipto, pela sua resiliência, regenera rapidamente, ocupando o espaço de outras espécies que foram consumidas pelo fogo, instalando-se também matos que aumentam ainda mais a susceptibilidade a novos incêndios. E assim, ano após ano, continuamos a assistir ao colapso das florestas em Portugal.
Neste ponto, a tecnologia entra como uma aliada indispensável para quebrar este ciclo vicioso. Através de satélites, conseguimos monitorizar de forma precisa e contínua o estado das florestas. Esta monitorização não se limita à detecção de áreas queimadas — permite também acompanhar as perdas e ganhos na área florestal, estimar a biomassa produzida e até identificar espécies de árvores. Usando câmaras multiespectrais e hiperespectrais, é possível obter informações detalhadas sobre a vegetação, algo que até há poucos anos seria impensável. Esta capacidade de identificação remota oferece-nos uma ferramenta poderosa para compreender e gerir as florestas de forma mais eficiente.
Mas a tecnologia vai além da simples monitorização. Podemos, através de câmaras, triangulação e sistemas de comunicação avançados, detetar colunas de fumo precocemente e enviar dados georreferenciados diretamente para as autoridades responsáveis pela proteção civil, acelerando a resposta às emergências. E mais: a tecnologia de drones, popularizada nos noticiários devido ao seu uso em conflitos militares, oferece soluções eficazes para intervenções de pré e pós-incêndio. Esses drones podem sobrevoar áreas afetadas seguindo mapas baseados em imagens de satélite, facilitando o restauro de ecossistemas de uma forma rápida, precisa e relativamente barata.
Contudo, o uso da tecnologia por si só não resolverá o problema. Precisamos de uma mudança de paradigma na gestão florestal, começando por intervenções focadas nas áreas habitadas. Com sistemas de informação geográfica (SIG), é possível mapear e criar zonas de segurança ao redor de aglomerados populacionais. Podemos definir saídas de emergência, faixas de segurança adequadas entre povoações e áreas de produção florestal com predominância de espécies mais inflamáveis mais distantes das populações. Espécies autóctones mais resistentes ao fogo, como carvalhos, sobreiro e azinheiras, adaptadas ao nosso clima, podem desempenhar um papel crucial na criação de uma paisagem mais resiliente e prestadora de mais serviços de ecossistema para as comunidades.
A capacidade para elaborar este tipo de mapeamento e planeamento já existe e é feito diariamente nas nossas universidades e instituições de investigação. Com a tecnologia ao nosso dispor, podemos avançar para a implementação das soluções fazendo-o de forma mais eficiente e económica comparativamente às metodologias tradicionais. Estima-se que a reflorestação e recuperação de áreas florestais através de drones, integrando dados SIG e outras tecnologias, pode ser até 50% mais barata. A tecnologia, quando bem disseminada, reduz custos, aumenta a eficiência e, acima de tudo, salva vidas e ecossistemas.
No entanto, devemos sempre lembrar que a verdadeira recuperação dos ecossistemas depende da natureza. A tecnologia é apenas um facilitador, um meio para amplificar a capacidade regenerativa da Terra. Cabe-nos a nós, seres humanos, criar as condições certas para que os processos naturais de regeneração aconteçam, equilibrando o uso de hardware e biotecnologia com uma compreensão profunda das dinâmicas ecológicas.
Olhando para a história recente de Portugal, é fácil apontar culpados: a expansão desenfreada do eucalipto, a falta de políticas de ordenamento do território e as alterações climáticas. Desde os anos 50, o eucalipto prosperou no país, impulsionado pela indústria de celulose, fazendo de Portugal o país com a maior área de eucalipto da Europa, cerca de 900 mil hectares. Estamos entre os cinco países com maiores áreas florestais de eucalipto no mundo, ao lado de gigantes como China, Brasil, Austrália e Índia. A questão é: faz sentido competir com países tão maiores, com condições climáticas e geográficas tão distintas das nossas?
Não podemos continuar a ver Portugal como um “Eucaliptogal”. Precisamos aceitar as características do nosso território e, a partir delas, desenhar um novo modelo de floresta. A partir de um problema podemos criar novas soluções, desde o turismo florestal até à produção de madeiras nobres e atividades agroflorestais.
Ao olharmos para as áreas ardidas, não as devemos ver como uma derrota, mas como uma oportunidade de redesenhar a floresta portuguesa. Podemos criar um território mais resiliente, mais seguro e adaptado para as populações, onde a gestão florestal não se limita a prevenir incêndios, mas a criar florestas sustentáveis e multifuncionais.
O caminho está traçado. Falta agora criar um contexto que propicie a regeneração da floresta e sobretudo uma floresta que não coloque em risco o papel determinante da população residente no interior do país e que cuida de cerca de 70% da paisagem que nós urbanos tanto apreciamos. Esse contexto é criado em parte pela decisão política, mas os políticos necessitam de sentir a pressão popular e esse papel cabe a cada um de nós. Do espaço podemos fazer muito, mas primeiro há que decidir: continuaremos a ser o “Eucaliptogal” ou seremos um país que valoriza e protege as suas florestas e as populações?
As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.