Uma smart city pressupõe, essencialmente, a existência e utilização de dados – sobretudo dados dinâmicos – e a sua consideração conjunta na tomada de decisões em tempo real. Muitos desses dados estão na posse de entidades públicas, que, com os seus recursos, as recolhem, processam e tratam. Por esse motivo, apenas podemos assumir integralmente o propósito de mudança do conceito de cidade quando esses dados estiverem plena e amplamente disponíveis para que possam ser desenvolvidas aplicações que permitam uma gestão integrada da cidade.
Neste contexto, assume particular relevância a Diretiva n.º 2019/1024 do Parlamento Europeu e do Conselho, que teve em vista a promoção de utilização de dados abertos e o estímulo à inovação em produtos e serviços.
Importa ter em conta que a principal motivação dessa diretiva foi eliminar os entraves restantes e emergentes a uma ampla reutilização das informações detidas pelo setor público e das informações obtidas com a ajuda de fundos públicos em toda a União Europeia, a fim de adaptar o quadro legislativo aos progressos das tecnologias digitais e de estimular mais a inovação digital, especialmente no que respeita à inteligência artificial.
Apesar de a referida diretiva dever ter sido transposta para o direito nacional até 17/07/2021, foi agora publicada a Lei n.º 68/2021, de 26 de agosto, que visa transpor a mesma e que introduz alguns aspetos que devem ser destacados, designadamente: (i) as entidades do setor público devem assegurar que os documentos e dados que produzam ou disponibilizem sejam localizáveis, acessíveis, interoperáveis e reutilizáveis; (ii) as referidas entidades devem designar um responsável pelo cumprimento na organização dessa obrigação; (iii) o portal dados.gov.pt deve constituir-se como o catálogo de dados abertos em Portugal; (iv) alterações à lei de acesso aos documentos administrativos.
Um dos pontos a destacar desta nova normativa é o facto de que a reutilização dos documentos ou dados pode ser feita para fins comerciais ou não comerciais. Apesar disso, a Lei n.º 68/2021, de 26 de agosto, estabelece que a autorização pode ser subordinada à observância de distintas condições de reutilização, a definir pelas entidades.
Por sua vez, a reutilização dos dados é, nas palavras da Lei n.º 68/2021, de 26 de agosto, tendencialmente gratuita (sendo permitida a recuperação dos custos marginais incorridos na disponibilização dos documentos e nas medidas de proteção de informações de carácter confidencial).
Finalmente, a Diretiva e a Lei n.º 68/2021, de 26 de agosto, dedicam especial relevância à disponibilização de dados dinâmicos (nomeadamente, dados ambientais, informações sobre o tráfego, dados de satélite, dados meteorológicos e dados gerados por sensores). Estes dados – e a sua disponibilização em tempo real – são absolutamente essenciais para a conceção e desenvolvimento de qualquer smart city, porque são eles que permitem a correta tomada de decisões em tempo real, bem como a gestão integrada de todos os sistemas.
Como sucede noutros casos, o enquadramento legal não é suficiente para mudar a realidade. Será necessário que as entidades públicas, as entidades que têm os referidos dados, tenham a capacidade e a vontade de disponibilizar os mesmos, compreendendo que essa partilha poderá ser benéfica para todos.
As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.