O paradigma energético está a mudar. Dos edifícios à mobilidade, do autoconsumo à partilha de energia, a transição energética está a encontrar formas para ter lugar na cidade. Com destino à descarbonização, os Bairros de Energia Positiva são um entreposto, no qual a inovação, as comunidades de energia renovável e modelos de urbanismo de proximidade se podem encontrar.

Já pensou como seria se toda a energia de que necessita pudesse ser gerada no seu prédio? Se, do sol, as coberturas gerassem electricidade para alimentar os equipamentos e o ar ou o calor da terra fossem transformados para climatizar a casa e aquecer as águas?

Imagine que tudo isto acontece à escala do bairro: que os edifícios interagem e trocam electricidade entre si, compensando quando um precisa mais do que o outro, apoiados por baterias para armazenamento; que uma central local transforma resíduos em biogás e, através de uma rede, aquece e arrefece as casas; que uma estação pública de carregamento para veículos eléctricos assegura a mobilidade de quem continua a precisar do carro. E que, na base de tudo isto, está um sistema de gestão inteligente capaz de prever e optimizar a produção e a procura e no qual todos – incluindo o leitor – podem participar. No final do ano, a quantidade de energia gerada é mais do que a que se consome e, por isso, pode ser partilhada com o exterior. Agora, imagine vários bairros como este por toda a cidade. Parece interessante, não? São os Bairros de Energia Positiva (PED, na sigla em inglês) e são uma das propostas da Comissão Europeia para fazer acontecer a transição energética nas áreas urbanas. Com um balanço energético positivo, estes bairros distinguem-se por terem um modelo energético eficiente e flexível, com base em fontes renováveis e, por isso, mais próximos da neutralidade carbónica.

Bruxelas tem, até, uma meta para o tema, na qual se define que, até 2025, sejam planeados, implementados e replicados 100 destes bairros. A apenas quatro anos do prazo, a ambição é grande, mas o interesse crescente pelas comunidades de energia renovável (CER) e por modelos de desenvolvimento urbano de proximidade, como a cidade dos 15 minutos, pode acelerar esta caminhada. E, se, à primeira vista, a abordagem remete essencialmente para a componente energética, uma análise mais atenta mostra que há muito a acontecer nestes bairros de energia positiva.

Compreender o que é um PED

Quando Bruxelas definiu o objectivo de criar 100 PED até 2025, através do SET (Strategic Energy Technology) Plan Action 3.2, Portugal foi um dos 20 Estados-Membros que aderiu ao desafio. A iniciativa, coordenada a nível europeu pelo JPI Urban Europe, é representada, em Portugal, por Laura Aelenei, responsável da área de investigação Energia no Ambiente Construído do Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), através da participação na EERA JPSC (European Energy Research Alliance Joint Programme on Smart Cities) e do projecto PED-EU-NET (Positive Energy Districts European Network), onde assume o papel de co-presidente. Tal como acontece com o termo smart cities, também para os PED não há um consenso para a sua definição, que “vai depender sempre da perspectiva em que nos enquadramos”, começa por explicar a especialista. De qualquer forma, pode dizer-se que “é uma abordagem integradora, no contexto urbano, de aspectos tecnológicos na área da energia e não tecnológicos (sociais, económicos, regulatórios), dentro de uma fronteira que pode ser limitada geográfica ou virtualmente, e na qual se consegue produzir mais energia renovável, idealmente, do que se aquela que se consome”.

O JPI Urban Europe não hesita em apontar os PED como uma “parte integrante de abordagens alargadas com vista à urbanização sustentável, que inclui aspectos societais, sociais, económicos e culturais e o envolvimento dos cidadãos”. O conceito implica interacção e integração entre um conjunto de edifícios e os seus ocupantes e os sistemas de energia urbanos e regionais, de mobilidade e de TIC. A proposta passa por passar da escala do edifício de energia positiva (que, à semelhança, produz mais energia do que a que usa) para a do bairro. “Um PED junta o ambiente construído, a produção e consumo sustentáveis e a mobilidade, com vista à redução do uso de energia e das emissões de gases com efeito de estufa e a criar valor acrescentado e incentivos para os consumidores. Para além disso, a sua implementação deve resultar num padrão de qualidade de vida elevado e acessível para os seus habitantes”, refere a entidade.

O conceito de PED assenta num modelo de sistema energético que não está isolado e se insere num contexto municipal, regional e até nacional. Numa cidade, podem existir vários PED, sendo que as fronteiras de cada um podem ser geográficas, referindo-se a uma área espacial e conjunto de edifícios, ou virtuais, quando incluem elementos desagregados que se situam fora dos limites do bairro (por exemplo, uma central solar nas proximidades). Em qualquer dos casos, existe sempre uma componente virtual através da ligação a uma smart grid. A produção de energia local, através da integração de renováveis, é imprescindível para a abordagem, mas há outros elementos que não podem faltar, começando pela diminuição das necessidades de consumo. A eficiência energética é crucial, em particular no que se refere aos edifícios, actualmente responsáveis por cerca de 40% do uso de energia na Europa.

Outro elemento a ter em conta é a flexibilidade energética, que é o que vai atribuir resiliência ao sistema e permitir um equilíbrio entre a produção e o consumo. “Neste aspecto, as soluções passam, de alguma forma, por tecnologias disruptivas, de digitalização, para a interacção entre edifícios e entre a micro rede dos edifícios e a rede urbana”, explica a investigadora. Para esta flexibilidade, contribuem ainda soluções de armazenamento, como as baterias, que podem alimentar a rede em momentos de elevada procura e pouca produção. Por fim, à medida que a mobilidade eléctrica cresce nas cidades, a infraestrutura de carregamento e o potencial de armazenamento dos veículos eléctricos devem também ser tidos em conta ao planear um PED, sem, no entanto, descuidar a promoção da mobilidade suave e do uso de transportes públicos.

SMART GRID
Um PED pode ser delimitado geográfica ou virtualmente, mas, em qualquer dos casos, existe sempre uma rede inteligente que conecta os vários elementos.

INOVAÇÃO

Os PED assentam num modelo energético, no entanto, incluem também factores não tecnológicos. A criação de laboratórios urbanos onde a inovação possa ser testada nas variadas áreas faz parte da receita.

Da teoria à prática: a inovação acontece

Para chegar aos 100 PED nos próximos anos, é preciso passar da teoria à prática e, para esse efeito, Laura Aelenei destaca três aspectos fundamentais: investigação aplicada das várias questões tecnológicas, do planeamento e inovação; criação de living labs, que será onde tudo vai ser colocado em prática; e a capacitação local, o que inclui todos os intervenientes – desde os municípios às empresas e agências de energia e, claro, os moradores, que “são quem vai usufruir desta inovação”.
Construir um PED de raiz seria a situação ideal, mas a realidade das cidades europeias é outra e nem sempre há espaço e financiamento para o fazer. A solução passará por tentar converter áreas urbanas existentes em PED, o que representa um dos principais desafios à abordagem. “É muito mais difícil, em particular nos centros históricos, onde há uma série de constrangimentos, como as limitações arquitectónicas para a integração de renováveis, mas é possível”, admite.

Planeamento, financiamento, enquadramento regulatório são algumas das condições necessárias, mas é também preciso “haver uma análise da situação existente e das possibilidades que o conceito traz e, depois, o seu planeamento, aos níveis quer tecnológico, quer não tecnológico”.

Apesar de os PED implicarem um modelo de governança no qual participam os vários actores, na fase de arranque, os municípios são protagonistas. “Deveriam ser os municípios os motores, quer dos laboratórios urbanos, quer da planificação e implementação de tudo isto, pois eles são os detentores do conhecimento e informação detalhada sobre a morfologia do ambiente urbano e dos vários bairros das cidades”, indica.

Um novo paradigma energético

Em 2050, mais de 264 milhões de cidadãos europeus poderão produzir a sua própria electricidade, cobrindo perto de 45% das necessidades da Europa. A estimativa é da consultora ambiental CE Delft e data de 2016, um ano após a assinatura do Acordo de Paris. Na altura, já se perspectivava uma mudança drástica no sistema energético, marcada pela descentralização da produção e a integração de renováveis e na qual os cidadãos teriam um papel central: mais do que consumidores, seriam também produtores – prosumers. Cinco anos depois, a revolução energética continua por eclodir, mas a vontade europeia de atingir a neutralidade carbónica em 2050 parece estar finalmente a quebrar o modelo antigo e a transição energética deverá acelerar nos próximos anos.

“A tendência da descentralização deve-se em grande parte à digitalização e à queda espetacular do custo das renováveis”, explica Michael Pinto, CEO da empresa Cleanwatts. “Ambas contribuíram para trazer para o sistema energético um novo conjunto de actores: há cada vez mais famílias, comunidades e empresas a investir nos seus próprios recursos energéticos. Novas soluções de energia distribuída conectada ao consumidor final estão a descentralizar o sistema de energia”. Por sua vez, as TIC assumem “um papel chave na transição”, já que melhoram “a eficiência do planeamento e da operação dos sistemas energéticos (edifícios, fábricas, redes de distribuição, etc.), assim como o aparecimento de novos modelos de negócio de energia, dando ao consumidor uma nova centralidade”, acrescenta o gestor.

O paradigma da produção e uso de energia está a mudar. “O modelo tradicional de produção de energia centralizada está a mudar rapidamente para um novo paradigma, caracterizado por um grande número de activos de energia renovável descentralizada, incluindo painéis solares fotovoltaicos, unidades de armazenamento de energia, estações de carregamento de veículos eléctricos, etc.”, adianta Michael Pinto. O cenário é favorável à abordagem PED, que pode ganhar impulso com os novos modelos de negócio que surgem e permitem “democratizar” o acesso aos benefícios da energia limpa: “a UE introduziu um novo enquadramento jurídico que permite a venda de energia limpa directamente aos consumidores através das Comunidades de Energia Renovável (CER) e das Comunidades de Cidadãos para a Energia (CCE). Ambas podem incluir qualquer número de participantes e beneficiários, incluindo empresas comerciais, edifícios públicos e residências privadas e, dependendo da natureza da comunidade e dos subsídios disponíveis, os participantes podem estar geograficamente próximos uns dos outros ou dispersos”, esclarece.

Para o caso português, em termos regulatórios, o Decreto-lei 162/2019 lançou a figura das CER, mas as dificuldades associadas aos modelos de gestão têm atrasado a sua chegada ao terreno. No entanto, esta é uma realidade está a mudar e, segundo Nelson Lage, presidente da ADENE – Agência para a Energia, “nos próximos anos, vamos assistir a um crescimento das CER”. A expectativa é ilustrada pela intenção de vários municípios e pelo arranque de algumas iniciativas.

No Porto, o projecto “Asprela+Sustentável” vai criar um laboratório vivo em Paranhos, no qual existirá a primeira CER da região. A iniciativa é liderada pela Coopérnico – Cooperativa de Desenvolvimento Sustentável, com coordenação técnica da Agência de Energia AdEPorto e envolvendo parceiros de diversas áreas. Está prevista a instalação de dois sistemas solares fotovoltaicos nas habitações de 180 famílias e numa escola básica, cuja produção servirá para abastecer, em regime de autoconsumo, estes edifícios. Por sua vez, o excedente de produção será armazenado ou encaminhado para o carregamento de veículos eléctricos de utilização pública. De modo a envolver os cidadãos no projecto, está previsto um sistema de gamificação que visa a gestão e monitorização do desempenho da central solar fotovoltaica. O projecto não se resume à criação da CER e prevê a implementação de medidas, que vão desde a mitigação da pobreza energética à gestão dos recursos hídricos, economia circular e alimentação. “Este é um projecto criativo, inovador e abrangente que demonstra bem a ambição do Porto em participar activamente na transição energética e na descarbonização da cidade e da região, contribuindo para objectivos globais de sustentabilidade, procurando e disseminando as boas práticas, num momento em que os municípios não poderão mais adiar a sua participação activa na transição energética”, sublinha, em comunicado, o vice-presidente da câmara do Porto, Filipe Araújo.

Em Carcavelos, o projecto Cascais Smart Pole by Nova SBE prevê, entre outras acções, a criação de uma CER no triângulo formado pelo Bairro de São Gonçalo, o campus da Nova SBE e a Praia do Moinho. Nos últimos anos, a zona tem sido palco de experimentações de várias soluções urbanas e prepara-se, agora, com o apoio do EEA Grants, para envergar o título de living lab.

Porém, a ambição cascalense é mais abrangente: o município foi o primeiro do país a ter um Roteiro para a Neutralidade Carbónica em 2050 e, até lá, prevê instalar 185 MW de energia solar fotovoltaica – 500 kW já em 2022. Este ano, chegou já uma boa notícia, com a aprovação da candidatura cascalense à European City Facility. “Esta candidatura consegue-nos uma verba de 60 mil euros para estudar um modelo de implementação de uma comunidade de energia em Cascais”, avança a vereadora Joana Balsemão, “queremos ser a primeira comunidade de energia com participação municipal em Portugal e, para isso se concretizar, é preciso definir um modelo financeiro, jurídico e técnico”. Este é um trabalho que, garante a governante, está em andamento, com a criação de cadernos de encargos técnicos, e que é importante para o papel que a autarquia pretende ter neste processo: ser um facilitador. “Se não dermos este passo para simplificar e tornar mais prática a realidade das comunidades de energia, elas simplesmente não vão acontecer”, sublinha.

Depois desta “etapa prévia menos atractiva”, o município vai começar por disponibilizar coberturas de edifícios públicos, com base nos modelos que estão a ser definidos, para investimento privado. Num “modelo de gestão completamente diferente”, a intenção será alargada ao sector residencial, o qual, para já, a autarquia quer apoiar a adoptar medidas de eficiência energética. “[Nesse campo] Não podemos substituir-nos ao privado, mas conseguimos criar condições para que comprem mais barato, por exemplo, e criar essa oferta no mercado”, exemplifica. Entre as medidas possíveis, está uma taxa de carbono, cuja análise preliminar está concluída e que aguarda apenas a publicação do novo sistema de certificação energética. “Esta avaliação permite avaliar o diferencial de emissões entre uma casa de classe A+ e estimar as emissões ‘excedentes’ por um período de 20 anos. Esse ‘excedente’ será contabilizado com o custo de referência da tonelada de carbono, devidamente cobrada na forma de taxa”, explica fonte da autarquia.

EXPERIÊNCIA REPLICAM-SE PELA EUROPA E EM PORTUGAL

Em resposta ao desafio europeu, vários projectos PED estão a ser testados em cidades europeias, a maioria com o apoio da call Smart Cities and Communities do programa Horizonte 2020. Dois deles acontecem em Portugal: Évora é uma das duas cidades farol do POCITYF e Matosinhos é cidade seguidora do ATELIER.

Numa experiência que começou com o InovGrid e o InovCity, Évora quer agora ser uma cidade de energia positiva. Destacando-se por se tratar de um sítio histórico e com património cultural, o projecto assenta em quatro linhas de actuação: edifícios e distritos energeticamente positivos; gestão de energia e sistemas de armazenamento; inovação social para o cidadão; mobilidade eléctrica e MaaS (Mobility as a Service).

“Nos últimos meses, foram identificados os requisitos necessários para implementar as soluções do POCITYF nos edifícios e contextos urbanos das cidades farol, e foram identificados os Indicadores de Performance que vão permitir comprovar o sucesso do projecto”, avança fonte da EDP, líder do consórcio. No que se refere aos aspectos tecnológicos, a empresa revela que está a ser testado “um inovador sistema móvel de baterias de segunda vida, criado pela start-up betteries”, e que estão a ser reconfiguradas soluções BIPV (integração de fotovoltaico nos edifícios) “conformes à arquitectura e património históricos da cidade”. Estas soluções serão instaladas em oito edifícios municipais “emblemáticos”, gerando cerca de 800MWh/ano, o que “resultará num excedente de energia que será partilhado com outros edifícios municipais do centro histórico, tornando-se numa CER instalada no centro de Évora”. Fora das muralhas, foram já identificados terrenos para a instalação de uma central de 5 MW, que funcionará também como comunidade de energia para os cidadãos do centro histórico, com base na criação de “carteiras virtuais de energia” com um modelo ainda em “estudo”.

Apesar da pandemia, cujo impacto tem sido “considerável” nas actividades de contacto presencial e de proximidade com os cidadãos, algumas destas acções arrancaram no formato digital – “o consórcio pretende trazer os cidadãos para o projecto, não só como adoptantes da tecnologia que será desenvolvida, mas também como co-criadores da mesma, para que nos ajudem a tornar os seus bairros mais sustentáveis e inclusivos, de acordo com as suas necessidades reais”, esclarece.

Em finais de Abril, a autarquia apresentou o projecto na localidade de Valverde, onde está pensada a instalação de baterias de segunda vida em locais de consumo que disponham já de fotovoltaico e de sistemas inovadores de controlo que resíduos urbanos domésticos que permitirão monitorizar a respectiva produção, com vista a induzir soluções de redução. Adicionalmente, informações sobre o plano de consumo energético vão ser disponibilizadas aos munícipes através de aplicações informáticas.

Em 2019, Matosinhos juntou-se ao projecto ATELIER enquanto cidade seguidora com a missão de replicar boas práticas testadas em Amesterdão e Bilbao. A representante nacional tem já prevista “uma demonstração” de uma área urbana de energia positiva num conjunto habitacional a definir, mas o contributo do projecto vai mais além, esperando-se que ajude o município a delinear a estratégia da cidade para 2050.

“Até Outubro de 2024, o ATELIER pretende incidir a sua acção na redução de emissões de CO2 e na adopção de sistemas energéticos sustentáveis, seguros e acessíveis à população. Apoiando a concretização destes objectivos, pretende-se, com a ajuda deste projecto, proporcionar uma melhoria na qualidade de vida dos cidadãos e da cidade, quer ao nível do ambiente urbano e habitacional, quer também através da criação de sistemas inteligentes que contribuam para a mobilidade, segurança e acessibilidade”, conta Tiago Maia, administrador da MatosinhosHabit, que integra o projecto europeu.

Para além da demonstração no conjunto habitacional, estão também incluídos no ATELIER aspectos do projecto do Corredor Verde do Leça e uma acção complementar que prevê a instalação de equipamentos de produção de energias renováveis (hídrica e solar) ao longo do percurso. Estas instalações vão ser controladas pelo município e servirão para abastecer o sistema público de iluminação de todo o percurso pedonal e ciclável com 18 quilómetros de distância.

 

CER VS. PED
São dois conceitos diferentes, mas que não são incompatíveis. Aliás, as CER podem ser um ponto de partida para a implementação da abordagem dos bairros de energia positiva.

Mais próximos dos PED

Os projectos estão a aparecer, mas será que falar de CER é o mesmo que falar de PED? “Há uma grande diferença entre os dois temas, sendo que as CER, como as entendemos em Portugal, assentam sobretudo na produção e autoconsumo, e não implicam outras questões integradoras, como acontece com os PED”, responde Laura Aelenei.

No entanto, para a investigadora, esta não é uma oportunidade perdida e uma CER pode “muito bem” ser integrada num bairro de energia positiva. “Seria interessante olhar para as CER e perceber se é possível, naquela localização e caso haja interesse dos actores, aproveitar e planear um PED, seria uma excelente oportunidade”, considera. Ao contrário das CER, cuja visibilidade é crescente, a abordagem PED “não é muito conhecida”, o que não ajuda à sua disseminação. Ainda assim, nos últimos tempos, a investigadora do LNEG revela que tem havido contactos nesta perspectiva com alguns municípios, como Cascais e Almada, e garante que o interesse existe.

As ambições de Cascais para a neutralidade carbónica assentam na democratização do acesso à energia, mas também na proximidade, revela Joana Balsemão. “Queremos explorar este outro paradigma na transição energética, que confere autonomia aos actores locais, e isto é bom para a economia dos territórios, aumenta a nossa resiliência e vai tocar um conceito que estamos a estudar e que queremos materializar, a cidade dos 15 minutos, e que assenta muito na tónica da autossuficiência, que pode ser também energética, comunidade a comunidade”, afirma.

A proposta da abordagem PED é que a transição energética aconteça bairro a bairro, numa lógica de inovação constante. Conseguir um balanço energético positivo nem sempre é fácil, mas o facto de a definição não estar fechada acaba por torná-lo mais interessante, diz Laura Aelenei, isto porque o mais importante é que as administrações locais adoptem boas práticas nesse sentido. “Nas experiências que existem, nem todos os bairros são de energia positiva, mas fizeram um caminho para ter esse desempenho”, conta. “O mais importante é fazer, mesmo fazendo pouco. É melhor do que ter planos muito grandes e não conseguir fazer nada. Todo o pouco faz parte do caminho para a transição energética”, conclui.

Fotografias: Aliaksei Kruhlenia-Shutterstock (destaque); Shutterstock.

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 31 da Smart Cities – Abril/Maio/Junho 2021, aqui com as devidas adaptações.