Por: Andreia Lago | Filipa Cardoso
Começou com o InovGrid, seguindo-se o InovCity. Em 2019, Évora prepara-se para participar num novo projecto que tem como objectivo tornar a cidade mais auto-sustentável e amiga do ambiente, numa lógica de “energia positiva”.
É Património Mundial da Humanidade, mas foi também pioneira nas novas formas de gerir a electricidade, o que a colocou entre as primeiras cidades inteligentes do país. No sector da energia, Évora entrou na vanguarda em 2007 e, desde então, tem aumentado e desenvolvido novas formas de conceber a produção e distribuição de electricidade, contornando as limitações que podem advir da antiguidade e estatuto dos seus edifícios. Depois do InovGrid e do InovCity, Évora vai agora acolher o projecto POCITYF (Positive Energy CITY Transformation Framework), que viu a sua candidatura ao Horizonte 2020 ser aprovada pela Comissão Europeia.
Tendo como cidades farol Évora e Alkmaar (na Holanda), este projecto inclui ainda seis cidades seguidoras: Granada (Espanha), Bari (Itália), Celje (Eslovénia), Ujpest (um bairro de Budapeste, na Hungria), Ioannina (Grécia) e Hvidovre (Dinamarca). Com a duração de cinco anos, o projecto tem um orçamento total de 22,5 milhões de euros, na sua maioria para as duas cidades onde serão desenvolvidas, implementadas e monitorizadas as soluções. Para Évora, está previsto um envelope de 9,8 milhões de euros, sendo que 1,5 milhões cabem à EDP, a empresa coordenadora.
A candidatura recentemente aprovada foi desenvolvida por um grupo alargado de trabalho, do qual fazem parte 46 parceiros de 12 diferentes países da União Europeia. Em Évora, os intervenientes passam pela câmara municipal de Évora, a Sonae, a Universidade de Évora, o PACT – Parque do Alentejo de Ciências e Tecnologia, a DECSIS, o INESC TEC – Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência, a Ubiwhere, a Onyx Solar e a Schneider Electric, entre muitos outros interlocutores.
O objectivo é tornar o meio ambiente destas cidades mais sustentável, acessível e saudável, alcançando o conceito da energia positiva, como explicou à Smart Cities João Maciel, administrador da EDP e director do NEW R&D Centre for New Energy Technologies da mesma empresa. “Este foi um pouco o mote da call [aviso], à volta deste conceito de ‘positif energy blocks’, ou ‘positif energy district’ [bairros de energia positiva], que já ultrapassa um bocadinho a óptica do edifício, passando para a óptica do quarteirão ou do bairro energeticamente positivo. Isto é, entre medidas mais activas ou mais passivas de produção ou de armazenamento, de gestão de energia, de gestão da flexibilidade, ter um balanço positivo ao nível desses quarteirões, agregando um conjunto de edifícios de diferentes tipologias, residenciais, de serviços, serviços públicos. Portanto, globalmente, ser positivo nesse âmbito”, explica. Segundo o especialista, o que poderá ter diferenciado mais este projecto é o facto de ser “dedicado a sítios históricos, com património cultural”.
Évora e Alkmaar foram, assim, as escolhas desafiantes para cidades farol, mas o potencial de replicação na Europa é bastante grande devido à existência de muitas cidades com muralhas e centros históricos, em que os desafios para a integração de renováveis ou implementação de medidas de eficiência energética são maiores. Para João Maciel, o ponto fulcral “é dar as ferramentas às cidades para que estas possam também ser competitivas na atracção de pessoas, a médio e a longo prazo. Até 2030/2050, estas cidades deviam estar a jogar com as mesmas ferramentas que as cidades que não têm essas limitações. E o enfoque do projecto é muito esse: o que é que cidades como Évora e Alkmaar podem fazer para serem tão competitivas como outras que não têm essas limitações ligadas à componente cultural e arquitectónica”.
As quatro componentes do POCITYF
Em termos práticos, no que se traduz este projecto? O seu desenvolvimento passa por quatro linhas de actuação: edifícios e distritos energeticamente positivos; gestão de energia e sistemas de armazenamento; inovação social para o cidadão; mobilidade eléctrica e MaaS (Mobility as a Service).
No que se refere aos edifícios e distritos energeticamente positivos, o foco está no uso de energia renovável, implementação de medidas de eficiência energética e renovação de edifícios. João Maciel explica que, neste caso, a integração do fotovoltaico está contemplada, com sistemas de clarabóias solares (substituição de clarabóias por sistemas fotovoltaicos), telhas e pérgolas solares, entre outros. Para além disso, espera-se ainda a instalação, por um dos parceiros tecnológicos do projecto, do Smart lamp post (e que foi recentemente implementado em Guimarães). Trata-se de um poste de iluminação pública, mas que é também ponto de carregamento de veículos eléctricos, Wi-Fi e algumas outras potencialidades ao nível das comunicações das redes inteligentes. A economia circular também está contemplada neste ponto, através, por exemplo, da criação de campanhas de angariação para projectos “verdes”, como uma quinta solar comunitária, que vai permitir que cidadãos que habitem o centro histórico detenham uma carteira virtual de energia composta por produção renovável dos empreendimentos “verdes” fora da cidade.
No âmbito da gestão de energia e sistemas de armazenamento, a aposta vai ser em baterias de segunda vida e sistemas de gestão avançada de energia. João Maciel explica que estas baterias reutilizáveis são, sobretudo, oriundas da área da mobilidade eléctrica para aplicações estacionárias e podem ser utilizadas em aplicações móveis ou estacionárias. Mas a gestão avançada de energia passa também por outras modalidades, como uma plataforma Peer-to-Peer, de transacção entre clientes, ponto a ponto: “imagine que fazemos um circuito com uma trotineta eléctrica, isso é algo que tem um impacto positivo, porque estamos a substituir um veículo qualquer a combustão. Nesta plataforma, geramos um crédito que pode ser utilizado de diversas formas, como em projectos para mitigar pobreza energética ou ter uma pequena acção numa horta solar, isto é, uma horta fotovoltaica comunitária que também se vai desenvolver no âmbito do projecto. Portanto, estas pequenas acções dos clientes vão dar-lhes sinais de que, se tiverem comportamentos positivos, podem ser recompensados por isso. O cliente vai poder decidir o que quer fazer com esse crédito [gerado], seja para si, seja para a comunidade”.
Para o desenvolvimento da inovação social para o cidadão vai existir um Centro Interpretativo, novas aplicações para telefone, assim como técnicas de gamificação que potenciam o aumento do envolvimento dos habitantes da cidade, promovendo uma competição saudável entre utilizadores. Dar um preço aos resíduos que se produzem, de modo a educar os consumos, criar lógicas de gamificação entre os edifícios municipais, para estimular bons comportamentos energéticos, sempre associados a aplicações nos telemóveis para monitorização dos consumos são algumas das medidas que, depois, serão agrupadas numa plataforma global de gestão energética da cidade, e que é transversal a tudo.
Por fim, a componente da Mobilidade Eléctrica e MaaS, que inclui serviços de mobilidade partilhada e carregamento inteligente V2G (Vehicle-to-Grid). Neste ponto, as medidas mais avançadas, ao nível da mobilidade eléctrica partilhada, vão ser feitas na cidade de Alkmaar, que já tem um sistema mais desenvolvido. Mas João Maciel ressalva que Évora, ainda assim, não fica de fora. Além de aprender com as boas práticas da outra cidade, serão instalados alguns carregadores associados a uma plataforma de gestão inteligente de carregamentos. Está também prevista a instalação de três carregadores V2G, carregadores bidireccionais que podem carregar os veículos eléctricos ou permitir que sejam os próprios veículos a injectar energia na rede. Esta é uma experiência que está a ser trabalhada na EDP, mas o responsável explica que “não é algo comercial, nem existe enquadramento regulatório para o fazer. No entanto, acreditamos que, como uma parte importante de permitir mais renováveis no sistema é a ideia de controlar a variabilidade que elas introduzem, tudo o que tenha a ver com gestão de flexibilidade, seja o armazenamento de energias, gestão de cargas, ou esta gestão inteligente da energia, vão ser parte da solução”.
O centro histórico, mas não só…
O centro histórico de Évora é o maior desafio deste projecto, mas não é o único local de actuação. São três os locais principais de implementação do POCITYF: para além do centro histórico, há ainda o pólo da Mitra (perto da Universidade de Évora, na localidade de Valverde) e a zona industrial. João Maciel revela que o pólo de Valverde tem a particularidade de ser numa zona onde há vários projectos de investigação já em curso, na área da energia, alguns também financiados pelo Horizonte 2020. “Aliás, uma das premissas do POCITYF é utilizar infra-estruturas que já existiam de outros projectos europeus, portanto, em Valverde vamos estar muito à volta de plataformas Peer-to-Peer, mais ao nível da algoritmia, do software, sobre esses sistemas já instalados”, refere.
Os três locais onde o projecto vai actuar são três ‘energy blocks’ (Alkmaar tem um), mas, uma vez que, “no centro histórico não é possível ter muita produção fotovoltaica, por mais eficientes que sejamos, não somos positivos”, refere João Maciel. Como tal, “a nuance que utilizamos aqui é que há bastante recurso fotovoltaico em Évora, há bastantes centrais, e utilizamos, então, essas centrais para contribuir para um balanço positivo”.
INOVCity como precursor do POCITYF
Uma das grandes motivações para a EDP voltar a “pegar” em Évora com um projecto inovador prende-se com o facto de esta cidade ser considerada pela empresa como a “sua InovCity”. Recorde-se que Évora foi a primeira cidade da Península Ibérica a testar uma nova forma de conceber a distribuição e produção de electricidade.
Em Évora, tanto as habitações como os estabelecimentos comerciais e edifícios públicos sabem, em tempo real, quanta energia usam. Esta cidade inteligente é caracterizada pelo uso de redes eléctricas inteligentes e, adianta João Maciel, o “Inovgrid continua a existir e, hoje em dia, a EDP Distribuição já instalou mais de dois milhões de contadores inteligentes pelo país inteiro, Évora já não é a única smart city. Ainda assim, continua a ser um pouco um berço de inovação, uma vez que começámos a fazer estes projectos no pólo da Mitra porque já existia uma infra-estrutura de redes inteligentes. Diria que as redes inteligentes estão a seguir o seu caminho, no país inteiro. Com a evolução da tecnologia, [isto] está a acontecer de um modo orgânico, mas Évora continua a ser uma semente de inovação nesta área. Portanto, para podermos fazer a gestão do storage [armazenamento], todo o sistema associado as redes inteligentes, o facto de termos a infra-estrutura era um ponto de partida. E é um bocadinho uma bola de neve, projecto puxa projecto, e acabamos por ganhar alguma escala nesses sítios, e Évora ganhou também alguma marca internacional”.
As expectativas para o POCITYF são altas e ainda há muito trabalho pela frente. A EDP, como coordenadora, espera contribuir para ter cidades mais sustentáveis e mais positivas, de um modo genérico, em que as pessoas vivam melhor. João Maciel ressalva que “a componente de energia é importante, mas também há outras, “e a EDP olha para isto numa” óptica muito integrada, com a componente política, social, regulatória, económica e ambiental. É óbvio que gostávamos de demonstrar tudo o que incluímos na proposta, desde o bom funcionamento e performance das baterias de segunda vida, à dinâmica das plataformas Peer- to-Peer, mas, na verdade, queríamos ter pessoas que vivessem melhor nas cidades, apesar de sabermos que esta é uma visão muito holística”.