A partir desta quarta-feira e durante sete dias, uma equipa internacional vai estar isolada na gruta do Natal, na Ilha Terceira, para replicar o ambiente da Lua na primeira missão análoga lunar realizada em Portugal. Trata-se de uma iniciativa do projeto CAMões (Caving Analog Mission for Ocean, Earth and Space Exploration), que poderá tornar os Açores num campo de testes para astronautas de todo o mundo.
O grupo é formado por sete investigadores – dois geocientistas, um geofísico, uma astrobióloga, um explorador, uma especialista em fatores humanos e um psicólogo – que irão realizar várias experiências com o objetivo de obter informações úteis para a comunidade científica, não só sobre a gruta, mas também relacionadas com o comportamento humano em ambientes extremos. Assim, além de recolherem amostras de organismos vivos e estudarem a geologia do local, vão ainda tentar perceber até que ponto é possível viver no interior de um local com condições semelhantes às da Lua.
A poucas horas de entrar na gruta, a comandante da missão e investigadora do INESC TEC, Ana Pires, disse à Smart Cities que “um dos objetivos passa por fazer treino espacial, monitorizando a saúde e a fisiologia humana dos participantes, através de sensores, mas também dar a conhecer ainda melhor a gruta, agora com uma nova perspetiva do Espaço e com dados novos, por exemplo geológicos e ligados à astrobiologia”.
A geocientista e astronauta análoga faz, assim, questão de sublinhar que “este projeto é muito mais que um treino de astronautas”: “é fazer ciência, testar tecnologias, realizar experiências ligadas aos fatores humanos, isto num ambiente extremo, que ajudará a testar as nossas capacidades e a mapear a gruta de forma inédita”.

Inovadores são também os fatos utilizados pelos cientistas, que juntam tecnologia portuguesa e norte-americana, num misto de design e funcionalidade em duas vertentes: “temos têxteis inteligentes compostos por boxers, T-shirts e perneiras, que vão complementar o fato principal, uma mistura entre um fato de voo e um fato de espeleologia, desenvolvido pela engenheira da NASA Sabrina Thompson. Este possui, por exemplo, uma abertura traseira muito inteligente que permite às mulheres terem mais facilidade de irem à casa de banho”, ironiza Ana Pires. Já a portuguesa Filipa Fernandes, da empresa OozeNanotech, desenvolveu T-shirts com regulação de temperatura e perneiras que ajudam a combater a fadiga muscular.
Durante seis noites e sete dias, até 28 de novembro, os investigadores vão passar quase todo o tempo no interior da gruta (também dormem lá) e apenas sobem à receção para tarefas pontuais, como a alimentação ou a higiene. No exterior estará mais uma equipa de investigadores e outros elementos, ligados a áreas como a espeleologia, vulcanologia, microbiologia e medicina espacial, numa operação liderada pela Associação “Os Montanheiros”, que promove a iniciativa juntamente com o INESC TEC – Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência.
Levar o Espaço às escolas
Ao mesmo tempo que vão à Lua sem sair de uma gruta, os cientistas também prometem aproximar o Espaço dos mais novos, ao realizem vários webinares a partir do local da investigação. Estes são direcionados a alunos e professores, não só de Portugal Continental, dos Açores e da Madeira, mas igualmente de outros países, como Estados Unidos, Porto Rico, Indonésia e África do Sul. Os participantes terão oportunidade de acompanhar a missão em direto e fazer algumas perguntas à equipa.
“Queremos mostrar-lhes que o Espaço pode ser para todos, explicando o que é fazer ciência e como é este ambiente mais vulcânico e subterrâneo, falando ao mesmo tempo das nossas experiências e lembrando que estamos a fazer algo único, que nunca aconteceu em Portugal”, diz Ana Pires. Também Ana Noronha, Diretora Executiva da Ciência Viva (que colabora no projeto) destaca o facto “da missão CAMões ser riquíssima em termos de aprendizagem científica, de descoberta e de exploração”, possibilitando “um desafio interessante para propor as escolas, à volta da missão real”.
Inspirada por este projeto, também decorre até 20 de dezembro uma competição de design, destinada à criação do emblema da missão, para estudantes dos 3 aos 17 anos. O vencedor será conhecido em janeiro do próximo ano.
Fotografia de destaque: © Yvette Gonzalez @Associação os Montanheiros