Transformar cidades históricas em centros urbanos inteligentes e sustentáveis é o objetivo do POCITYF, um projeto europeu que, de forma silenciosa, está a transformar Évora numa cidade de energia positiva. O município alentejano, em conjunto com Alkmaar, nos Países Baixos, foi escolhido para implementar diversas soluções inovadoras que servirão de exemplo a outras seis cidades: Granada (Espanha), Bari (Itália), Celje (Eslovénia), Ujpest (Hungria), Ioannina (Grécia) e Hvidovre (Dinamarca).
Cada uma delas irá replicar as ideias e soluções encontradas para Évora e Alkmaar que, por sua vez, estão a trabalhar com quase meia centena de parceiros de 12 países. Entre os portugueses encontram-se, por exemplo, a autarquia e a Universidade de Évora, a Universidade Nova de Lisboa, a EDP (empresa coordenadora), o INESC TEC – Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência e a Ubiwhere, entre outros.
Todos juntos têm a missão de encontrar soluções energéticas eficientes e sustentáveis sem desvirtuar o património histórico de cidades onde, por exemplo, as fachadas dos edifícios não podem ser alteradas ou os telhados desvirtuados. “Quando pensamos num território com a sensibilidade de Évora, com uma necessidade de proteção enorme, é fundamental ver de que forma conseguimos integrar soluções tecnológicas que não colidam com o nosso rico património. E se esse caminho puder ser aproveitado por outras cidades, como está a acontecer, melhor ainda”, diz Daniel Valente, chefe da Divisão de Ambiente e Mobilidade da Câmara Municipal de Évora, em declarações à Smart Cities. “É por isso que estamos a trabalhar para a implementação de soluções inovadoras que permitem a criação de blocos de energia positiva na cidade, onde se produza mais energia do que se aquela que se consome”, acrescenta Nuno Bilo, engenheiro mecânico na autarquia e um dos lighthouse city managers [gestores das cidades-farol] do POCITYF (Positive Energy CITY Transformation Framework).
O outro é Mágui Lage, também gestora de projetos na EDP NEW, que sublinha a importância de iniciativas como esta para o cumprimento das metas de neutralidade carbónica até 2050. “Mais de metade das cidades europeias são históricas e, como tal, estão sujeitas ao mesmo tipo de legislação, nomeadamente a proibição da instalação de sistemas fotovoltaicos convencionais. Embora estejam ainda numa fase inicial de desenvolvimento, e apresentem atualmente custos iniciais elevados, as soluções-chave serão necessárias para descarbonizar os centros históricos”, sublinha.
Diferentes desafios, múltiplas soluções

Instalação de telhas fotovoltaicas no edifício dos Paços do Concelho de Évora
O trabalho do POCYTIF em Évora divide-se em quatro eixos principais, a começar pelos Edifícios e Distritos Energeticamente Positivos, que visam descarbonizar a energia consumida pelos edifícios municipais (e não só) do centro histórico. E aqui sobressaem logo duas soluções inovadoras: as telhas e os vidros fotovoltaicos. As primeiras estão a ser instaladas no edifício dos Paços do Concelho e são iguais às convencionais (até têm um aspeto envelhecido), oferecendo uma potência de 25 kW. A esta juntam-se mais 33 KW de uma claraboia fotovoltaica, além da energia gerada pelos novos vidros, também eles com apresentação semelhante aos que utilizam materiais comuns.
Neste campo, o projeto integra ainda sistemas de gestão de energia inteligentes, aplicados a edifícios municipais e residenciais, bem como energy routers que vão ajudar a diminuir o custo de eletricidade ao fim do mês. “Através de modelos preditivos pode-se fazer uma gestão da energia vinda da rede e da energia armazenada numa bateria, de modo que se aproveite a eletricidade da rede com custos mais baixos e se use a bateria quando o custo da eletricidade da rede é mais elevada”, explica Mágui Lage.
Outro eixo do projeto passa por baterias de segunda vida, ou seja pelo aproveitamento de baterias de carros que ainda são capazes de armazenar eletricidade fotovoltaica utilizada pelas habitações. Já ao nível da mobilidade (terceiro eixo) pretende-se instalar carregadores com algoritmos de flexibilidade, enquanto a inovação social (quarto eixo) é assegurada por plataformas móveis que procuram “trazer os cidadãos para o centro da transição energética”, como diz Mágui Lage, por exemplo através de aplicações que permitem a troca de energia entre membros de uma determinada comunidade. No final, “todas elas vão estar ligadas a uma plataforma de gamificação, que atribuirá recompensas aos utilizadores pelo seu envolvimento”, acrescenta Nuno Bilo.
Três blocos à procura de energia positiva
No piloto de Évora, foram criadas três zonas de ação distintas, os chamados blocos de energia positiva, cuja meta é produzirem mais energia do que aquela que se consome em média. A primeira é o centro histórico, onde, como já foi referido, procura-se introduzir soluções inovadoras para a produção fotovoltaica que sejam compatíveis com a proteção do património cultural. Para lá do centro histórico, haverá também uma Quinta Solar Comunitária, localizada no antigo aterro sanitário municipal. “No fundo, trata-se de uma central de produção fotovoltaica, cuja energia vai ser transferida para a cidade, e que estará associada a uma comunidade de energia que poderá beneficiar de uma faturação substancialmente inferior”, avança Daniel Valente.
O outro bloco é a povoação de Valverde que, apesar de ter apenas 450 habitantes e 200 edifícios (na maioria residenciais), tem sido um dinâmico ponto de inovação, como mostram os vários projetos de investigação na área de energia aqui desenvolvidos, nomeadamente no Pólo da Mitra. Na aldeia já foram instaladas baterias de segunda vida e no futuro deverão ser colocados alguns contentores de resíduos associados à solução PAYT (pay as you throw), que pressupõe calcular uma tarifa diferenciada em função da quantidade de resíduos separados para reciclagem.
Já a terceira zona, que ocupa o parque industrial e comercial da cidade, representa um desafio diferente ao nível do desempenho energético porque integra edifícios que consomem muita energia, como um cliente industrial, um parque de ciência e tecnologia e uma área comercial com diferentes tipos de lojas. Como tal, implica também muita produção, sublinha a EDP.
O projeto POCITYF, apoiado por fundos europeus, implica um investimento total de 22,5 milhões de euros, com a cidade de Évora a ser apoiada em 9,8 milhões. Teve início em 2019 e deveria terminar em finais de 2024, mas, devido à pandemia, foi negociada e aprovada uma extensão de um ano.
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