Depois dos Emirados Árabes Unidos, a cimeira do clima volta a ser organizada por um país produtor de petróleo – o Azerbaijão – e terá como protagonista um antigo empresário do setor. Se a escolha do anfitrião já não foi fácil, os consensos poderão tornar-se ainda mais difíceis durante a COP29.
As regras da ONU determinavam que a próxima Conferência das Partes sobre Alterações Climáticas (COP29) se realizasse na Europa de Leste, mas nem o facto de haver um lote mais reduzido de opções conseguiu facilitar a escolha do local. Antes pelo contrário. Com a Rússia a bloquear qualquer hipótese apoiada pela União Europeia, o grupo de 23 países da Europa de Leste acabou por optar pelo Azerbaijão, que irá, assim, acolher o evento na cidade de Baku, entre 11 e 24 de novembro. Assunto resolvido, polémicas (re)abertas.
Tal como aconteceu com o emirado do Dubai, o anfitrião da COP28, vários setores criticaram a nomeação de mais um país fortemente dependente dos combustíveis fósseis. Isto porque o sector do petróleo e do gás representa cerca de 90% das receitas de exportação do Azerbaijão e financia cerca de 60% do orçamento do Estado, segundo dados da Agência Internacional de Energia. Para adensar as dúvidas, a presidência da próxima conferência também foi entregue a mais um homem com carreira no setor do petróleo, Mukhtar Babayev, atualmente ministro azeri da Ecologia e dos Recursos Naturais.

A esta polémica, juntou-se outra quando se soube que o grupo inicial de organizadores seria composto por 28 homens (quase todos ministros e funcionários do governo) e nenhuma mulher. Após as críticas, o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, acabou por reconsiderar e adicionou 12 mulheres e mais um homem ao comité principal.
Controvérsias à parte, o secretário-geral da convenção da ONU sobre alterações climáticas (UNFCCC), Simon Stiell, já afirmou que a COP29 será uma “cimeira crucial”, desde logo porque terá o grande desafio de encontrar medidas concretas de financiamento para a transição ambiental. Caso contrário, os acordos globais alcançados na anterior edição, com destaque para o abandono dos combustíveis fósseis até 2050 e o triplicar da capacidade das energias renováveis até 2030, poderão “transformar-se rapidamente em mais promessas vazias”. De acordo com o responsável, “está claro que, para realizar essa transição, precisamos de dinheiro, e muito dinheiro: 2,4 biliões de dólares [cerca de 2,2 biliões de euros], se não mais, excluindo a China”. “São necessárias torrentes e não gotas de financiamento”, acrescentou Stiell num encontro com estudantes azeris realizado em fevereiro.
Para Francisco Ferreira, da associação Zero, “conseguir esse valor até seria possível, mas falta vontade política e mais financiamento dos governos”. Além disso, defende que é fundamental envolver as empresas neste esforço global e dá o exemplo português da COP28: “Não se entende como é que Portugal ofereceu uma comparticipação de cinco milhões de euros para o fundo de perdas e danos, mas os lucros de uma empresa como Galp em 2023 foram superiores a mil milhões de euros”. “Isto mostra bem a escala daquilo que é a relação entre o financiamento climático e os lucros de um sistema estruturado no uso dos combustíveis fósseis”, concretiza.
O ambientalista lembra ainda que o encontro de Baku também terá de dar passos importantes para a COP30, a realizar em 2025 na cidade de Belém, no Brasil, altura em que os países deverão apresentar os novos compromissos para a redução de emissões em 2035.
Que papel para Portugal?
Depois de se ter destacado na COP28, por exemplo ao participar (pela primeira vez) com um stand próprio e ao figurar entre os países com classificação elevada no Climate Change Performance Índex, Portugal quer voltar a assumir protagonismo na cimeira de Baku. Francisco Ferreira acredita que isso possa ser possível, mas lembra que, para tal, é preciso que haja uma clarificação política no país. “Na COP28 Portugal desempenhou um papel político mais importante que em algumas outras cimeiras, porque assumiu a liderança, em conjunto com outros países, de alguns temas negociais chave. Mas isso depende muito da capacidade das instituições e dos governos, portanto temos de ver o que o futuro nos reserva, não só em termos de executivo, mas também na Agência Portuguesa do Ambiente, que está sem presidente”.
COP28: uma cimeira com sabor agridoce
A presidência da COP28 e vários países consideraram que foi alcançado um “acordo histórico” no Dubai, porque prevê pela primeira vez o início da transição para o fim dos combustíveis fósseis, mas muitos especialistas lembram que muito ficou por fazer. É o caso de Francisco Ferreira, da Zero, que fala em “muitas pontas soltas” e demasiadas opções em aberto: “No final, ficamos com um misto de sentimentos, porque reconhecemos algumas conquistas importantes, mas, ao mesmo tempo, percebemos que estamos longe daquilo que é necessário fazer, ou seja, esse marco importante só terá impacte se for potenciado pelos governos e cidadãos“, defende o ambientalista.
Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 42 da Smart Cities – Janeiro/Fevereiro/Março 2024, aqui com as devidas adaptações.