Como colocar a inovação ao serviço das pessoas e alinhá-la com a transição climática? Para Massamba Thioye, Diretor do Centro de Inovação Global (Global Innovation Hub), das Nações Unidas, é fundamental repensar prioridades porque, até agora, “a inovação tem sido utilizada, em grande medida, para vender poder”.

Em conversa com a Smart Cities, o responsável deste organismo da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês) defende uma “mudança transformadora” que possa responder às reais necessidades dos cidadãos, sem comprometer os objetivos climáticos e de sustentabilidade.

Mas qual o melhor caminho para conseguir esse compromisso? Na opinião do senegalês, é aqui que os municípios podem assumir protagonismo. “As cidades são fundamentais para promover uma abordagem da inovação centrada no ser humano. Porque, ao contrário da indústria, não têm um interesse setorial, mas sim em quem as habita”, explica Massamba Thioye.

Neste processo, é essencial que as cidades, além de inteligentes, “sejam também sábias, sensatas e inclusivas”, recorrendo à tecnologia para melhorar a vida das comunidades. Um exemplo? “Com os SIG [Sistemas de Informação Geográfica] é possível planear a utilização do solo e escolher o melhor local para construir uma cidade de 15 minutos onde a maior parte dos produtos e serviços são acessíveis a pé ou de bicicleta, reduzindo a necessidade dos automóveis”.

Durante a entrevista, realizada por ocasião do Digital with Purpose Global Summit, que terminou ontem (11/07) em Cascais, o diretor do Centro de Inovação Global da ONU, defendeu também que os países mais ricos devem apoiar a transição digital dos territórios em desenvolvimento. “Não podemos deixar cair o Sul global. Não precisamos de o fazer da mesma forma, mas é preciso seguir um caminho baseado no desenvolvimento do Norte global”. Como tal, “é um erro enfrentar o desafio do clima e da sustentabilidade sem envolver todas as geografias através de uma colaboração radical” (radical collaboration), abordagem colaborativa que junta diferentes origens e capacidades no sentido de criar soluções inovadoras e disruptivas.

Neste esforço, Portugal também tem um papel a desempenhar, diz Massamba Thioye, podendo estar mesmo “entre os países europeus que lideram este trabalho de sustentabilidade”. O diretor das Nações Unidas para a inovação elogia os resultados já alcançados por várias cidades nacionais, como Lisboa, que “tem investido em sustentabilidade, juntando-lhe qualidade de vida, duas coisas que caminham juntas”.

Inovação, conhecimento e criatividade

O encerramento do Digital with Purpose (DWP) Global Summit ficou cargo do Secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Espírito Santo, cujas primeiras palavras acompanharam os apelos lançados por Massamba Thioye nos três dias de evento, que teve a Smart Cities como parceiro media. “O digital e a tecnologia só fazem sentido se forem centradas nas pessoas e na Humanidade”, começou por dizer o governante, acrescentando depois que “é preciso garantir que estão ao nosso serviço e que contribuem para preparar o futuro”.

Hugo Espírito Santo lembrou também que o universo digital é cada vez mais indissociável da demanda global pela sustentabilidade, até porque “há três coisas que unem estes dois conceitos: inovação, conhecimento e criatividade”.

Já Luís Neves, CEO da Global Enabling Sustainability Initiative (GeSI), entidade que organizou o DWP Global Summit, escolheu outras quatro palavras em jeito de síntese: otimismo, digital, propósito e ação. “Não podemos ficar sentados sem fazer nada. Os desafios pedem-nos para dar passos corajosos e este é o nosso desafio: passar à ação e fazer avançar as coisas”, apelou o responsável. “É preciso sentir que temos um futuro pela frente, concluiu.

IA aplicada a salmões vale prémio

O último dia da cimeira ficou também marcado pela entrega do Prémio Digital with Purpose, atribuído ao primeiro sistema de triagem de salmões baseado em inteligência artificial (IA) do mundo. Criado pela Huawei, foi implementado em dois rios da Noruega com a missão de isolar o salmão-rosa, uma espécie invasora que ameaça a existência do salmão-do-atlântico selvagem e de outras espécies de peixes nativas.

Projeto vencedor do Prémio Digital with Purpose foi desenvolvido pela Huawei

Luís Neves justifica a escolha “não só pela inovação, mas também pelos resultados que alcançaram num curto espaço de tempo”, revelando-se “um exemplo de como as soluções tecnológicas têm o poder de contribuir para a sustentabilidade do planeta e preservação dos ecossistemas”. Além de receber o prémio principal, este projeto foi também reconhecido com o Biodiversity Award, relativo à temática biodiversidade.

Já na categoria Smart Cities foi distinguida a aplicação “MyCharge”, da Taiwan Mobile, uma rede de carregamento integrada destinada aos proprietários de veículos elétricos. Entre as vantagens reconhecidas pelo júri destacou-se o processo de pagamento, simplificado pelo cruzamento entre a faturação das telecomunicações e as taxas de carregamento.

O Digital With Purpose entregou ainda o prémio da categoria Educação à plataforma UBBU, da empresa Unicorn Treasure, que ajuda as crianças a desenvolverem competências digitais e darem os primeiros passos na programação, nomeadamente através da gamificação e de atividades interativas.