Artigo desenvolvido por:
Elisa Vilares e Rita Zina, Divisão de Desenvolvimento Territorial e Política de Cidades da Direção-Geral do Território
O referencial estratégico para o desenvolvimento urbano integrado, sustentável e resiliente das cidades europeias.
O Ministério do Ambiente e da Ação Climática, através da Direção-Geral do Território, assume, desde 1 de janeiro de 2021, no âmbito da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, a responsabilidade pela condução dos trabalhos de cooperação intergovernamental em matéria de assuntos urbanos, tendo como prioridade a implementação da Nova Carta de Leipzig.
A Nova Carta de Leipzig, adotada na reunião informal dos ministros responsáveis pelo desenvolvimento urbano e coesão territorial dos Estados-Membros da União Europeia, realizada no dia 30 de novembro de 2020, constitui o referencial estratégico para o desenvolvimento integrado, sustentável e resiliente das cidades europeias e para a valorização do seu poder transformador para alcançar os objetivos de desenvolvimento verde, justo e produtivo do território europeu. A sua redação resultou de um processo colaborativo e de debate conduzido ao longo de mais de dois anos no âmbito da preparação da presidência alemã do Conselho da União Europeia. Com o envolvimento e participação de representantes dos Estados-Membros, cidades e regiões e diversas instituições europeias, a Presidência Alemã promoveu uma reflexão crítica para atualização da Carta de Leipzig original, adotada em 2007, face aos grandes desafios contemporâneos decorrentes das alterações demográficas, económicas e ambientais e aos objetivos e metas globais e europeus, tais como a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, o Acordo de Paris e o Pacto Ecológico Europeu.
O documento adotado reúne o consenso e compromisso político dos Estados-Membros, instituições europeias e demais partes relevantes sobre o quadro estratégico e político para o desenho e operacionalização de políticas públicas que permitam responder aos desafios globais e europeus à escala urbana. Estabelece o objetivo comum de colocar o poder transformador das cidades ao serviço do bem comum, assegurando a provisão de serviços de interesse geral fiáveis, que minimizem todas as formas de desigualdade – social, económica, ambiental e espacial – e que promovam a qualidade de vida em todas as cidades europeias, independentemente da sua dimensão, incluindo nos territórios que integram as suas áreas funcionais.
A Nova Carta de Leipzig contraria, assim, a ideia de uma política urbana dirigida à estrita dimensão intraurbana ou limitada às grandes cidades e áreas metropolitanas. Entende-a como uma política multiescalar e multinível, suportada por um modelo de desenvolvimento urbano policêntrico, composto por áreas metropolitanas e por médias e pequenas cidades que estabelecem uma rede urbana capaz de dotar os cidadãos de condições para uma boa qualidade de vida e de contribuir para a coesão territorial.
Os princípios e objetivos do documento original, de 2007, nomeadamente as abordagens integradas para o desenvolvimento urbano sustentável e os processos participativos e de governação urbana multinível, de base local, inicialmente com enfoque nas zonas urbanas desfavorecidas, são reconhecidos e reafirmados neste novo documento. A Nova Carta de Leipzig reitera a validade e importância destas abordagens de desenvolvimento urbano e alarga o seu âmbito de aplicação a toda a amplitude da cidade contemporânea.
Viver a cidade a três escalas
O cidadão interage e apreende a cidade em diferentes escalas no seu dia-a-dia. A Nova Carta de Leipzig identifica três escalas territoriais que requerem a harmonização e coordenação de políticas públicas, de modo a assegurar a sua coerência e eficiência: o bairro, lugar onde se estabelece o sentido de comunidade e unidade de vizinhança urbana; o território político e administrativo a que correspondem as autoridades locais; e a área funcional, que integra o território de estreitas relações económicas e sociais com o qual a cidade se relaciona.
Para além da necessidade de integração das políticas públicas nas diferentes escalas territoriais, a Nova Carta de Leipzig reconhece que, para alcançar os objetivos de sustentabilidade e resiliência, o desenvolvimento urbano deve integrar as dimensões social, ecológica e económica. Neste sentido, identifica três dimensões estratégicas para as cidades europeias que devem ser conjugadas de forma equilibrada e orientar as políticas urbanas.
A cidade justa, que deve assegurar a justiça espacial e a igualdade de oportunidades para todos os cidadãos, independentemente do género, estatuto socioeconómico, idade ou origem, assumindo o lema de não deixar ninguém para trás. Deve assegurar a equidade no acesso aos serviços de interesse geral, incluindo educação, serviços sociais, de saúde e de cultura, mas também de habitação e energia. Deve ainda promover a inclusão de migrantes e de comunidades urbanas desfavorecidas e o acesso dos cidadãos à aquisição de novas competências, com particular enfoque nos domínios das novas tecnologias digitais.
A cidade verde, que deve contribuir para a mitigação e adaptação climática, para a qualidade ambiental e para a gestão sustentável e eficiente dos recursos naturais, incluindo do solo. Deve assegurar o acesso a espaços verdes e de lazer, a utilização de energias limpas e de fontes renováveis, a eficiência energética e a neutralidade carbónica do edificado e dos sistemas de transportes e de mobilidade e a alteração dos modos de consumo e produção no sentido de acelerar a transição para uma economia circular. Deve ainda adotar soluções de base natural que assegurem a proteção da biodiversidade e a regeneração de ecossistemas e de espécies ameaçadas, bem como a resiliência a eventos climáticos extremos.
A cidade produtiva, que deve garantir uma diversidade económica e funcional capaz de assegurar o acesso ao emprego e uma sólida base financeira, sustentável e resiliente. Deve ser um centro de atratividade, inovação e competitividade, dotado de recursos humanos qualificados, de infraestruturas técnicas e logísticas e de espaços acessíveis, em custo e mobilidade. Neste sentido, assume a transição digital como uma oportunidade de transformação urbana. Integrada em redes digitais, a cidade produtiva pode acolher novas atividades de manufatura, indústria limpa e agricultura, mas, fora desta, podem acentuar-se as desigualdades sociais e territoriais.
Princípios para a boa governança urbana
Para responder aos desafios de integração de políticas urbanas dirigidas às diferentes escalas territoriais e ao alargado leque de objetivos nos domínios social, ecológico e económico presentes nas três dimensões estratégicas da cidade europeia, a Nova Carta de Leipzig identifica cinco princípios-chave da boa governança urbana que devem ser partilhados por todos os atores governamentais e não governamentais, de todos os níveis e sectores de governação, cujo envolvimento, coordenação e cooperação são essenciais para o sucesso do desenvolvimento integrado, sustentável e resiliente das cidades europeias.
A orientação das políticas urbanas para o bem comum, no sentido da provisão de boas infraestruturas e serviços de interesse geral capazes de assegurar a resiliência das cidades europeias e preservar o seu modo de vida e valores culturais. As abordagens integradas, no que respeita às dimensões territorial, sectorial e temporal das políticas públicas. A participação e cocriação, envolvendo os cidadãos e todos os atores relevantes, incluindo dos sectores social e económico. A governança multinível, coordenando as atuações dos níveis de governação local, metropolitano, regional, nacional, europeu e global, em respeito pelos princípios da subsidiariedade e proporcionalidade. As abordagens de base territorial, que devem constituir o referencial para a integração horizontal e vertical das políticas públicas.
A Nova Carta de Leipzig sublinha ainda a importância do reforço da capacidade de atuação das autoridades locais. Estas representam o nível de governação mais próximo do cidadão e são responsáveis pela provisão de um conjunto de serviços públicos essenciais e pela harmonização de interesses conflituantes. Neste sentido, importa reforçar o seu quadro legal e capacidade financeira, melhorar a qualificação dos seus recursos humanos, e o seu controlo sobre o desenho e gestão de infraestruturas, equipamentos públicos e serviços de interesse geral, bem como promover um maior envolvimento e participação deste nível de governação na tomada de decisões nos níveis nacional e europeu.
Nas suas notas finais, a Nova Carta de Leipzig apela às instituições europeias, aos governos nacionais, bem como às autoridades locais e regionais e a todos os atores urbanos, que assumam o compromisso de pôr em prática o quadro estratégico acordado e de prosseguir os esforços de cooperação intergovernamental e multinível, nomeadamente através de novos métodos de trabalho como o introduzido pelas parcerias criadas no âmbito da Agenda Urbana para a União Europeia.
Neste sentido, em conjunto com a Nova Carta de Leipzig, foi adotado um documento para a sua implementação, que enquadra as prioridades e tarefas da Presidência Portuguesa em matéria de assuntos urbanos. No âmbito do programa do Trio composto pela Alemanha, Portugal e Eslovénia, e tendo presente o horizonte temporal da próxima reunião ministerial, a realizar durante a presidência eslovena, em novembro de 2021, coube à Presidência Portuguesa, durante o primeiro semestre de 2021, promover a condução do debate intergovernamental sobre os próximos desenvolvimentos da Agenda Urbana para a União Europeia, com base no quadro estratégico definido pela Nova Carta de Leipzig.
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A publicação deste artigo faz parte de uma parceria entre a Smart Cities e a Direcção-Geral do Território