Trocou Sintra por Mértola há quase 30 anos porque sempre teve a convicção de que “num sítio com baixos recursos é possível criar abundância”. Engenheira florestal e vencedora do Prémio Quercus 2023, Marta Cortegano é pioneira em projetos de agroecologia e regeneração do solo em meios rurais.
É a partir de Mértola que Marta Cortegano tem estado a mudar o mundo — pelo menos o mundo da agroecologia. Foi por isso que recebeu recentemente o Prémio Quercus 2023, na vertente individual, “pelos projetos colaborativos de regeneração de solo, agroecologia e novas oportunidades para as populações rurais em territórios semiáridos”. Apesar de ter o nome dela, a distinção “é de um conjunto de mulheres e homens do interior rural, cujo trabalho e resiliência raramente são visíveis”, garante.
Engenheira florestal, mestre em gestão e conservação dos recursos naturais e pós-graduada em ciências da sustentabilidade, é no Baixo Alentejo que vive há 28 anos. Sempre sonhou instalar-se na terra natal dos pais, mas a mudança surgiu de forma inesperada.
Na altura, trabalhava numa consultora ambiental na região de Lisboa e recebeu o currículo de uma gestora de projetos de Mértola. Mostrou-o ao chefe, mas na empresa não havia espaço para mais pessoas. Ainda assim, Marta ligou de volta com uma ideia inusitada: “Vai vagar aí um lugar. E, se eu sair daqui, ficará uma vaga para si. Então, podíamos conversar”.
Acabaram por trocar de posto e, desde então, somaram-se sucessos. Desde 2017 é coordenadora de vários projetos na ESDIME (Agência para o Desenvolvimento Local no Alentejo Sudoeste), entre os quais o de pastagens regenerativas, que propõe uma abordagem de aprendizagem coletiva, visitando quintas com métodos mais avançados, na adaptação climática ao nível da agropecuária extensiva. Começou com três agricultores, mas quando terminou, em dezembro, já contava com 90. “Muitos perceberam que práticas como o maneio holístico, o desenho hidrológico ou a técnica K-line conseguiam, de facto, ser soluções.”
Em Sintra, onde cresceu, sempre adorou o contacto com as florestas. “O que não deixa de ser curioso porque depois escolhi ir para o local do país com menos árvores.” Nunca se arrependeu, talvez para provar que “num sítio com baixos recursos é possível criar abundância”.
Em 2018, nasceu a associação Terra Sintrópica — distinguida em 2021 com o terceiro lugar do prémio Terre de Femmes, da Yves Rocher —, na qual Mértola funciona como laboratório do futuro para a transição agroecológica face ao problema das alterações climáticas e desertificação. “Temos uma quinta demonstrativa, o Centro de Agroecologia e Regeneração, que faz produção para o PREC (Processo Regenerativo em Curso), uma pequena loja/restaurante que todos os dias tem produtos frescos de agricultura regenerativa.”
O currículo de Marta Cortegano tem ainda o TerrAlimenta, desenho de uma bacia alimentar para o Baixo Alentejo, um projeto de hortas-florestas nas escolas locais, um viveiro e recentemente um programa que acolheu jovens afegãos. Por esse motivo, não é de admirar que diariamente cheguem emails de pessoas que querem voluntariar-se ou fazer teses na Terra Sintrópica. E os pedidos não são só portugueses: chegam dos EUA, Itália ou Colômbia. “Tivéssemos nós capacidade para recebê-los a todos”, sonha.