São conhecidos como “reformadores” pelas constantes renovações que protagonizam. Participam em manifestações, elevam a voz para dizer o que sentem e afirmam-se através da ação e do movimento. O projeto Reformers já chegou a mais de 350 idosos reformados, que dizem basta ao idadismo através do que os faz feliz.
A festa que encerra o segundo ano de atividade do grupo Reformers é a reta final de um ano que foi o “verdadeiro pontapé de saída” para o crescimento da associação. Luzes apagadas, silêncio absoluto na sala: é Maria Alice Couto, de 94 anos, que dá início ao espetáculo. De peito altivo e firmeza na voz, começa a interpretar a canção que reescreveu de António Mourão. “Ó tempo volta para a frente, não lembres o passado. De fascismo estamos fartos, não estamos interessados. Ó tempo volta para a frente, para trás tu voltas mal, porque o sol quando nasce é para todos igual”.
É a recordar os tempos de ditadura, altura que não esquece, que Maria Alice se sente confortável a pisar o palco. A confiança que transmite ao cantar é fruto do trabalho que desenvolve com os mentores do grupo Reformers. Institucionalizada no Centro Paroquial de Baguim do Monte, é lá que recebe a visita dos técnicos que a acompanham. “Na altura do 25 de abril estava em Paris emigrada e uma vizinha foi a correr a minha casa dizer-me que tinha havido um golpe de Estado em Portugal. Fiquei toda contente porque o meu filho estava na tropa e ficou livre. Martírios e injustiças, não voltem outra vez”, concretiza. Além do canto, Maria Alice Couto aprende até alguns processos da agricultura biológica com a ajuda da associação Reformers.
Qualquer sonho é possível de concretizar no âmbito do movimento que quer criar uma nova geração de pessoas que decide que não há idade para aprender. Luísa Vilela foi a primeira reformer a ser apoiada pela associação, quando decidiu que aos 70 e poucos anos não era tarde para aprender a andar de bicicleta. “Quando lhes disse a minha frustração por não encontrar ninguém que me ensinasse a andar de bicicleta, elas resolveram o caso. A idade já não ajuda muito, mas ainda não desisti”, diz com entusiasmo. Além das aulas de bicicleta, participa nas formações de iniciação às redes sociais, uma das atividades com mais sucesso junto dos idosos.

É no palco que os mais velhos contestam os rótulos que a sociedade lhes dá
De facto, não existem limites quando se fala na concretização de sonhos. Poesia, literatura, culinária, ballet, sexualidade ou kickboxing. Todas são matérias que já foram ensinadas aos idosos envolvidos. Com intervenção há 12 anos com crianças e jovens vulneráveis, através do movimento Transformers, o grupo evoluiu e começou a trabalhar com seniores isolados, que não têm rede de suporte. “Percebemos que existia esta realidade. Somos um dos países mais envelhecidos do mundo, um país altamente idadista, em que não se pergunta às pessoas, a partir de uma idade, o que é que elas gostavam de fazer e nós nascemos com base nisto”, começa por explicar Joana Moreira, presidente e diretora-executiva da associação Reformers. Só no ano de 2024, o grupo chegou a mais de 370 idosos de 10 cidades portuguesas. Embora tenha arrancado no Porto, um dos grandes impulsionadores do projeto, o grupo atua em vários municípios da Área Metropolitana do Porto, em Lisboa e no Fundão. No próximo ano, o objetivo é reforçar a presença em Lisboa, no Algarve e chegar a territórios mais rurais. “Eles querem participar, querem ter voz, querem ir às manifestações e querem ir votar. O que tentamos fazer, além das aulas semanais de talentos, é garantir que são cidadãos plenos de direitos e que podem participar. Não é pela idade ou pelas limitações físicas ou cognitivas que não podem fazer seja o que for”, explica Joana Moreira.
Para além das câmaras municipais e das juntas de freguesia, que investem nestes programas para as suas localidades, é através de entidades parceiras, mas também de prémios e de candidaturas que vão fazendo, que a associação Reformers garante o financiamento das ações. Só assim, conseguem chegar a instituições que precisam da sua intervenção, mas que não têm forma de pagar. “Temos aulas de sexualidade na terceira idade, onde falamos do prazer que as pessoas podem sentir. Isto é arriscado e temos imensa gente a dizer que não devíamos ir por aí, o que nos faz ter ainda mais a certeza de que somos um país idadista e que temos que fazer isto”, afirma a presidente da associação.
Projeto recebe o prémio direitos humanos 2024
Em dezembro, a associação recebeu o prémio Direitos Humanos 2024, com o voto a favor de todos os partidos com assento na Assembleia da República. O prémio, um reconhecimento pelos últimos 14 anos de intervenção dos Transformers, agora Reformers, foi entregue a Joana Moreira no Parlamento. “Garantimos que a condição socioeconómica e a idade não limitam a participação. Acho que é um reconhecimento a todos os voluntários, todos os aprendizes, a todas as pessoas que passaram pela equipa e que muito me orgulha ao final destes anos todos”, afirma Joana Moreira.
Durante este ano, a equipa de trabalho quer duplicar os resultados apresentados no ano passado, com o objetivo de chegar a mais utentes e a mais regiões do país. Está ainda prevista a abertura de uma academia, na Rua da Alegria, no Porto, um projeto da associação Transformers que servirá também as atividades do projeto Reformers. O espaço será “uma casa para toda a gente” que vai ser composta por uma biblioteca, uma sala de dança e um estúdio de música que vai pôr os idosos a mexer.
Este artigo foi originalmente publicado na edição n.º 46 da Smart Cities – janeiro/fevereiro/março 2025