O seminário arrancou, desde logo, com um posicionamento que a disciplina assume através do SHIFT – Seminário Internacional de Arquitetura e Sustentabilidade. Antes de uma reflexão mais profunda acerca do caráter transformador, sustentável e ativista da arquitetura, foi exposta a questão nuclear do seminário – romper com a abordagem tradicional e dar espaço à mudança. 

“Dadas as urgências sociais, económicas e ambientais”, Nuno Sampaio, diretor-executivo da Casa da Arquitectura, começou por falar da necessidade de uma nova forma de se construir, com capacidade de adaptação, de mudança da realidade existente e de uma nova prática profissional, “que seja de vanguarda e de ativismo, do ponto de vista do discurso”.

Para que fossem expostas novas abordagens, de diferentes áreas e narrativas orientadas para abraçar a mudança e promover a inovação, a curadoria do evento decidiu explorar o tema “O Futuro da Arquitetura Adaptativa” através de três áreas temáticas: Metabolismo Urbano, Inteligência Material e Ativismo Arquitetónico. Formou-se assim o quadro perfeito para que fossem exploradas novas visões sobre a arquitetura. 

Funcional, mas transformadora

O coletivo italiano Park Associati, que assumiu a curadoria da edição deste ano do SHIFT, conduziu a reflexão sobre o lado adaptativo da arquitetura, ao mesmo tempo que exprimiu a motivação ativista do grupo interdisciplinar de arquitetos, designers, investigadores e inovadores, que olha para Milão como “um laboratório vivo” de experimentação. 

O trabalho desenvolvido pelo estúdio reflete a visão de que “a arquitetura não deve apenas atender às necessidades funcionais e estéticas de hoje, mas antecipar e acomodar as necessidades de amanhã”. Para a Park Associati, isso significa “projetar edifícios que sejam energeticamente eficientes, utilizem materiais sustentáveis e possam adaptar-se ao longo do tempo para reduzir o impacto ambiental, ao mesmo tempo que melhoram a qualidade de vida dos ocupantes.”

Projeto Aparto Milano, em Milão

Um dos exemplos, recentemente concluído pelo Park Associati, que se enquadra no denominado “metabolismo urbano” das cidades, é o projeto Aparto Milano, que converteu um antigo consórcio agrário numa residência para estudantes. O edifício, reabilitado em diálogo com a cidade, foi adaptado para atender às necessidades atuais, enquanto preserva o valor histórico e ambiental da estrutura.

Por outro lado, para responder à urgente necessidade de abordar o tema da sustentabilidade na arquitetura, o coletivo italiano criou uma ferramenta interna que funciona como um manifesto, um documento interno de orientação para a ação. “O ATLAS é um documento teórico que define ferramentas concretas e que orientam a forma como o Park Associati faz arquitetura”. 

Com origem numa análise dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável do Programa das Nações Unidas, o ATLAS “é uma ferramenta operacional que pretende orientar os projetos “para uma consciência ambiental mais prática e responsável”, explica o coletivo à Smart Cities.   

A ferramenta foi apresentada pelo coletivo, no âmbito do seminário SHIFT, que criou ainda um departamento de investigação interno com o objetivo de desenvolver soluções inovadoras e mais sustentáveis no âmbito dos projetos que desenvolvem.  

Redução da pegada na construção de edifícios 

O coletivo Oficina Pedrez, que esteve presente no painel sobre Inteligência Material, acredita e investe na relação da arquitetura com a agricultura e a silvicultura. Através de um programa de reabilitação, um pequeno hotel que nasceu na Rua do Paraíso, no Porto, o ateliê concretizou o primeiro edifício em Portugal com betão de cânhamo. “Através de projetos como este, estamos a reabilitar o edifício, mas também estamos a reabilitar a paisagem. Para Portugal isto é fundamental porque o país está a ficar sem terra orgânica, fértil, que está a desaparecer porque as florestas foram entregues à indústria do papel”, explica o arquiteto Francisco Adão da Fonseca, em entrevista à Smart Cities. 

A componente sustentável é uma prioridade nos projetos da Oficina Pedrez. Neste caso, foi utilizado carvão na construção da habitação

A utilização de betão de cânhamo, uma massa sem cimento, feita à base de cal, argila e planta de cânhamo, representa uma pegada de carbono negativa, quatro vezes mais negativa do que a madeira. “O betão de cânhamo transforma a construção civil de uma forma bastante radical e talvez por isso tenha havido muita resistência na divulgação desse tipo de construção porque dá uma dentada valente noutras indústrias que estão bem instaladas”, refere o arquiteto. 

A obra, feita a partir de 14 hectares de plantação de cânhamo, é um dos projetos em exposição na Casa da Arquitetura, que selecionou os 50 edifícios portugueses mais relevantes dos últimos 50 anos. 

Ativismo Arquitetónico 

O Coletivo Warehouse, sediado em Lisboa, gosta de centrar a abordagem no carácter imaterial dos projetos que lidera. Com uma visão assumidamente mais participativa, tiveram que conquistar o mercado português que parecia não ter espaço para este tipo de abordagem. “Temos uma abordagem um bocadinho mais crítica sobre aquilo que é o espaço público, aquilo que são os lugares de decisão sobre o espaço público, mas também bastante aberta, de envolvimento de muita gente. Trabalhamos estas duas dimensões, a dimensão imaterial, com as pessoas – para que seja uma intervenção enquadrada com as suas necessidades e os seus hábitos –  e depois a parte material de projeto propriamente dito”, começa por explicar Rúben Teodoro. 

Atualmente, o coletivo de arquitetos têm em mãos sete projetos no bairro Monte de Caparica, em Almada, onde estão a trabalhar de forma estreita com as diferentes entidades envolvidas, mas também com as comunidades que habitam aquele espaço. 

Imagem de um dos projetos do Coletivo Warehouse

Depois de uma primeira fase, que durou cerca de um ano, de auscultação de entidades públicas e grupos informais, estão agora na fase de desenho dos projetos. “Este projeto vai um bocadinho na linha daquilo que é a génese do nosso trabalho e as metodologias que estão por trás do nosso trabalho. O que propomos para um determinado espaço não é só o que está construído e implementado, mas passa também por criar um ecossistema urbano e sociocultural que alimente essa intervenção”, explica o arquiteto.

O projeto, que envolve a reabilitação do espaço público do bairro, é financiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência.  

O seminário internacional SHIFT, que integrou a programação do 7º aniversário da Casa da Arquitectura, em Matosinhos, decorreu no dia 22, com rondas de conversas, e no dia 23, com um workshop que ofereceu uma perspetiva mais prática da utilização de materiais.

Foto de destaque: Ivo Tavares Studio