A inovação está a levar os cuidados de saúde para fora dos hospitais. Que papel deve desempenhar o cidadão nesta mudança?
É cada vez mais comum verificarmos que a prevenção e cuidados de saúde estão a sair de um contexto delimitado por hospitais, clínicas e centros de saúde e a entrar em nossas casas como parte das nossas atividades diárias, possibilitando um acompanhamento contínuo. Os smartwatches e pulseiras que permitem medir os nossos passos começam a ser comuns.
Modelos mais recentes permitem também medir batimentos cardíacos e estimar níveis de stress. Mas a evolução da tecnologia aproxima-nos rapidamente de outras possibilidades. Por exemplo, integrar outros sensores em objetos comuns que usamos no dia a dia, de modo a obter sinais de ECG (eletrocardiograma) através das palmas das mãos. Não é só ao nível dos sensores que se fazem sentir estes avanços. Também ao nível dos atuadores conseguimos perceber progressos. Por exemplo, cuidadores que recorram a dispositivos exoesqueléticos podem, mais facilmente, assistir os seus pacientes. Deste modo, é possível melhorar a saúde do cuidador, prevenindo lesões, e aumentar a eficiência do sistema de saúde (no caso de cuidadores profissionais).
Apesar de a tecnologia mencionada nos exemplos acima já existir, os correspondentes produtos ou serviços ainda não estão no mercado. Os desafios que se colocam aos que tentam inovar no domínio da saúde, e noutros domínios, continuam a ser uma barreira que nem todos ultrapassam. No domínio da saúde, a inovação é seguramente uma área de interesse para o sector privado, mas também para as instituições públicas, como a administração central ou as universidades. Este interesse tem-se concretizado em múltiplas ações e políticas que visam promover as melhores condições para suportar a inovação.

Todavia, garantir condições de suporte à inovação não é sinónimo de garantir que as necessidades reais dos cidadãos estão a ser satisfeitas. Só envolvendo o cidadão no processo de inovação se poderá garantir a robustez social e a inclusividade dos seus resultados. Este é um movimento que se tem verificado a nível europeu nesta década, como se pode ver, por exemplo, no manifesto “The Dublin Innovation Declaration” de 2013, no qual a Comissão Europeia promove o conceito de Open Innovation 2.0, incluindo os cidadãos ao mesmo nível dos governos, da academia e da indústria.
Do “desenhar para” ao “desenhar com”
Com o entendimento de que a identificação das necessidades dos cidadãos é um fator fundamental no processo de inovação, os Living Labs emergiram como uma ferramenta que permite aumentar as competências e a vantagem competitiva das partes interessadas. Os Living Labs surgiram com o objetivo de sincronizar processos de inovação dos seus membros, permitindo baixar os custos da inovação e reduzir os riscos de mercado associados, ao partilhar custos experimentais e infraestruturais pelos diferentes intervenientes.
A combinação dos quatro pilares suportados na academia, indústria, governo e sociedade civil permite dar vida a metodologias de cocriação que possibilitam inovar para além do que conseguiria cada um destes grupos trabalhando isoladamente. Ao incluir os cidadãos como um grupo de participantes de pleno direito no processo de inovação, é possível avançar de um paradigma de “Desenhado para” para um paradigma de “Desenhado com”. No primeiro, os cidadãos limitam-se a fornecer, passivamente, retorno sobre os produtos e serviços que estejam a ser desenhados. No segundo paradigma, os cidadãos participam num processo de cocriação, semelhante a metodologias de Desenho Participativo, em que utilizadores e produtores trabalham em conjunto de forma iterativa.
Finalmente, um Living Lab que aplique corretamente os seus princípios, deverá permitir atingir um paradigma de “Desenhado por” em que os próprios utilizadores são responsáveis pela inovação. Os resultados já obtidos em diferentes Living Labs permitiram concluir que o envolvimento ativo dos cidadãos no processo de inovação permite melhorar o desempenho de indústrias em diferentes domínios de atuação, ao acelerar o processo de desenvolvimento e reduzir os seus custos.
No entanto, os Living Labs só poderão ser uma solução se implementarem medidas eficazes para mitigar os problemas que ocorrem nestas estruturas. Um dos problemas identificados no passado é a falta de definição clara dos papéis e responsabilidades das diferentes partes interessadas, que muitas vezes levam a situações de conflito. Assim, um Living Lab deve, desde a sua constituição, identificar inequivocamente esses papéis e responsabilidades, bem como garantir que todos os assuntos relacionados com direitos de propriedade intelectual, partilha de resultados e gestão do financiamento assegurado e a assegurar, estão regulados.
Nesta definição de papéis, a grande vantagem de um Living Lab é, amiúde, o que se revela como o seu problema mais frequente: os cidadãos são normalmente vistos como entidades produtoras de dados e consumidoras de produtos, mas não como entidades ativas no processo de inovação. Um Living Lab tem de contrariar esta tendência de modo a garantir o seu sucesso.
Os Living Labs foram identificados pelas estruturas de governação europeias como um fator essencial na diminuição da distância que tradicionalmente separa os esforços de investigação — financiados pela Comissão Europeia — de produtos bem sucedidos comercialmente. A Comissão investe neste conceito desde 2006, sendo representativo deste investimento a criação da European Network of Living Labs. Esta rede europeia já englobou mais de 440 Living Labs em diferentes setores de atuação, incluindo a saúde e bem-estar, educação, energia, mobilidade, inclusão ou smart cities.
HEALx-LAB
Como resultado de uma das ações promovidas pela Comissão Europeia — o projeto H2020 ALHTOUR, Assisted Living technologies for the Health Tourism sector — a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa tem agora a oportunidade e o desafio de administrar um Living Lab na área do turismo de saúde e bem-estar. O HEALx-LAB irá reunir um conjunto de entidades interessadas em promover a inovação e o desenvolvimento de tecnologias assistivas neste domínio. No âmbito da Universidade de Lisboa — parceiro coordenador do projeto ALHTOUR —, contam-se como membros do HEALx-LAB, para além da Faculdade de Ciências, a Faculdade de Medicina, a Faculdade de Motricidade Humana, o Instituto de Ciências Sociais, e o Instituto Superior Técnico. Estes parceiros asseguram uma diversidade de competências em áreas complementares fundamentais para o sucesso desta iniciativa, como são a tecnologia e a saúde, mas também contribuem com as suas ligações à sociedade civil e, por exemplo, à administração local dos concelhos de Lisboa e circundantes.
Fora do âmbito da Universidade de Lisboa, o HEALx-LAB conta ainda com mais três parceiros que asseguram diferentes perspetivas do setor privado nesta iniciativa. A José de Mello Residências e Serviços contribui com a experiência de prestação de cuidados de saúde a um grupo etário da população que se antevê vir a beneficiar largamente do tipo de tecnologia que pode ser desenvolvida no HEALx-LAB. O grupo Vila Galé contribui com a sua experiência na área do turismo, sendo importante destacar o investimento pioneiro em Portugal deste grupo no turismo de bem-estar, concretizado numa nova unidade recentemente inaugurada em Sintra. Estes dois parceiros, para além do seu conhecimento nas respetivas áreas de operação, podem ainda contribuir com a disponibilização de espaço para desenvolvimento e validação de tecnologia em proximidade com aqueles que serão os utilizadores finais dessa tecnologia, representando uma mais-valia do HEALx-LAB. Finalmente, o terceiro parceiro privado é a PLUX, uma empresa inovadora na área dos bio-sinais, que desenvolve produtos para fisioterapia, mas também para investigadores de diferentes áreas que pretendam explorar a utilização de sensores avançados para monitorização de bio-sinais.
Os parceiros reunidos no HEALx-LAB permitem oferecer um conjunto de valências representativas de um Living Lab. Em particular, destaca-se a possibilidade de estimular e acompanhar o crescimento de uma ideia desde a sua génese, que pode resultar de um trabalho académico ou de uma necessidade identificada pela sociedade civil, até à altura em que esta esteja pronta para ser lançada comercialmente por um dos parceiros ou que possa dar origem a uma nova start-up, incubada numa das diferentes incubadoras da Universidade de Lisboa.