O Transporte Público é ingrediente fundamental de qualquer estratégia para uma mobilidade urbana mais sustentável. A receita é amplamente reconhecida pelos governos locais e regionais europeus, que, nos últimos anos, têm encetado esforços para fazer deste serviço uma alternativa à altura do seu maior concorrente, o automóvel particular. A pandemia e a crise económica subsequente tornam o desafio ainda mais complexo, mas o papel do Transporte Público na mitigação da crise climática e na construção de uma sociedade mais equitativa pode ser determinante.
Agora que saímos, lentamente, da crise de saúde, tudo indica que nos espera uma crise económica e que a crise ambiental exige acção substantiva e imediata. Todos os níveis de governo europeu têm o dever moral, para os seus cidadãos actuais e futuros, de fazer tudo o que estiver ao seu alcance, durante esta década, para lidar com a urgência climática.
As câmaras municipais e as autoridades de transporte têm um papel fundamental a desempenhar. Primeiro, porque estão na primeira linha destas crises, e têm de lidar directamente com os seus impactos. Segundo, porque dispõem de dois recursos chave para criar soluções e fomentar a mudança de comportamentos de mobilidade: o espaço público urbano e o Transporte Público.
Terceiro, porque têm uma competência chave, que é a de regular a mobilidade urbana, incluindo tanto a forma como o espaço é distribuído pelos diferentes usos e modos de transporte, como a possibilidade que é dada (ou não) a novos serviços de mobilidade de operar no mercado local (e como). No seu conjunto, estas competências permitem ao poder local e regional moldar a evolução do seu sistema de transportes, e, dessa forma, acelerar a transição para uma oferta mais limpa e eficiente, e estimular a emergência de uma procura ambiental e socialmente sustentável.
O Transporte Público é, para esse efeito, a melhor fundação sobre a qual podemos construir uma nova mobilidade urbana. Não porque seja a melhor solução para todas as necessidades, até porque, como todas as ferramentas, tem limites. Vejamos: é ideal para servir corredores de alta densidade, mas tem dificuldade em responder a quem vive ou trabalha fora desses corredores, ou precisa de se deslocar entre eles; é ideal para servir picos de procura, mas tem dificuldade em responder a quem precisa de se deslocar fora desses picos para entrar mais cedo ou sair mais tarde do trabalho, por exemplo, empregados de supermercados, funcionários de limpeza, seguranças, enfermeiros, etc., que reconhecemos, durante a crise, como “trabalhadores essenciais”.
“O principal desafio para a criação desta alternativa, à escala de que precisamos, não é o financiamento público, mas a governação urbana. Ou, por outras palavras, a capacidade das câmaras municipais e das autoridades de transporte de atrair, enquadrar e tirar partido desta iniciativa privada.”
O Transporte Público tem a obrigação de servir todos, mas as áreas de menor densidade e as horas de menor procura colocam os operadores perante o dilema ingrato de ou servir bem, mas com grandes perdas financeiras, ou baixar os níveis de serviço para reduzir essa perdas – opção que, directa e indiretamente, reduz a conveniência e atractividade do Transporte Público, e pode, inclusive, gerar problemas de segurança, nomeadamente para as mulheres.
As necessidades que não são “de massas” requerem soluções feitas “à medida”, e a melhor forma de as conseguir providenciar é estimular a emergência de uma oferta complementar, diversificada, a partir da qual cada utilizador pode “compor” a sua solução integrada.
Nos últimos anos, a criatividade e a energia da iniciativa privada, bem como a sua capacidade de atrair capital, têm vindo a gerar vários novos serviços de mobilidade. Estes serviços podem ser muito úteis para a criação de uma oferta que, no seu conjunto, seja maior do que a soma das suas partes, e consiga oferecer uma alternativa vantajosa ao carro privado: mais económica, muito mais sustentável e igualmente versátil.
O principal desafio para a criação desta alternativa, à escala de que precisamos, não é o financiamento público, mas a governação urbana. Ou, por outras palavras, a capacidade das câmaras municipais e das autoridades de transporte de atrair, enquadrar e tirar partido desta iniciativa privada. Primeiro, orientando o seu contributo para onde, como vimos, ele é mais necessário. Segundo, integrando os novos serviços com a rede de Transporte Público, de forma a que ambos cresçam. E, terceiro, corrigindo um desequilíbrio na rede viária que, ao longo das últimas décadas, tem sustentado o monopólio do carro privado e que agora está a bloquear o crescimento da mobilidade sustentável. Sendo dados estes passos, o Transporte Público poderá ser o motor da mobilidade sustentável.
O que me parece mais importante sublinhar é que o principal desafio não é o de ter muito dinheiro, mas o de conseguir governar bem. Este tem sido, justamente, um dos principais focos do trabalho na POLIS, a nossa rede de cidades e regiões europeias dedicada à inovação no transporte. A discussão de desafios comuns e a partilha de boas práticas têm permitido avançarmos em conjunto. O novo quadro de projectos comunitários permitir-nos-á avançar ainda mais, criando e testando novas soluções. E há lugar a bordo para mais membros portugueses!
As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.