Os territórios estão em constante movimento e essa é a razão principal para António Covas eleger a economia criativa como o instrumento de reconfiguração dos materiais tangíveis e intangíveis. O professor universitário elenca os princípios gerais da economia criativa.

Os territórios têm, todos, uma historicidade singular. Essa historicidade é feita de múltiplas territorialidades, umas reais, outras imaginárias. Hoje, falar de territorialidades é falar de mobilidade e todos nós já vivemos esta multiterritorialidade na forma de mobilidade física e virtual. Nas palavras de Ulrich Beck vivemos uma espécie de topoligamia, estamos casados com vários lugares, vivemos em multiterritorialidade. 

As áreas de baixa densidade (ABD) podem ser espaços virtuosos de múltiplas territorialidades. O que acontece é que nos falta inteligência coletiva e autorreferenciação territorial suficientes para produzir espaços pertinentes de significado que nos forneçam alternativas relevantes. Não conseguimos ainda pensar multiterritorialmente. Os territórios estão em constante movimento e essa é a razão principal para eleger a economia criativa como o instrumento de reconfiguração dos materiais tangíveis e intangíveis disponíveis. Vejamos os princípios gerais da economia criativa:  

  1. O todo é maior do que a soma das partes: uma cultura dos territórios para lá das atividades sectoriais que neles se inscrevem e o valor acrescentado pelos sinais distintivos do território; 
  2. O modo de ver um problema é uma parte importante do problema: os ângulos de observação, a interdisciplinaridade das equipas, as suas perspetivas multidisciplinares e transdisciplinares; a importância de manter a pluralidade e diversidade das representações da realidade e a latitude das perspetivas analíticas;  
  3. A diversidade na base aumenta a diversificação no topo: a variedade dos inputs alarga a diferenciação de produtos, a multifuncionalidade dos recursos favorece os sistemas policulturais; 
  4. A circularidade de recursos e produtos reduz a entropia dos sistemas culturais: o ciclo fechado de recursos e a gestão dos 4R (reduzir, reciclar, reparar e reutilizar); a economia circular é a outra forma de definir sustentabilidade; 
  5. A conectividade dos sistemas reduz as restrições de stock e de escala: o fluxo substitui o stock, a capilaridade, a aglomeração e a cooperação fazem uma boa rede; uma boa comunicação reduz a entropia e aumenta a sinergia; 
  6. A sustentabilidade dos sistemas e processos produtivos é um imperativo ético de responsabilidade: a justiça ambiental e a justiça social fazem parte do mesmo imperativo ético do cuidado; 
  7. A multiescalaridade é uma propriedade dos sistemas complexos e exige uma criteriosa governança multiníveis: este facto reclama novas formas de governo, administração e gestão e a criação de novos agentes principais e atores-rede;
  8. Do sistema de produtos aos produtos do sistema produtivo local (SPL): garantir uma produção conjunta de bens privados e bens comuns; a criação de uma ecologia multifuncional e novas funcionalidades úteis ao sistema produtivo local; 
  9. A incubação de um processo criativo in situ e a importância da circularidade dos processos produtivos na atividade criativa; das amenidades convencionais à gestão de territórios e funcionalidades eco recreativas; 
  10. Da institucionalidade convencional à boa governança local: a criação de novos processos criativos de sociabilidade, transação e organização social de base territorial; da confiança ao capital social para corrigir as lacunas e as falhas do comportamento. 

Infelizmente, nos anos mais recentes, e apesar dos fundos europeus, o processo de desterritorialização provocou lesões graves no tecido social dos nossos territórios, que perderam capacidades e competências para gerar multiterritorialidades. Os recursos e a diversidade continuam lá, mas não existe inteligência coletiva e pluralidade suficientes para gerar a instigação que é necessária à mobilização dos cidadãos e à transformação dos recursos em ativos do território. 

As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 42 da Smart Cities – janeiro/fevereiro/março 2024, aqui com as devidas adaptações.