Cascais não é, por opção, cidade, mas não hesita em afirmar que quer ser uma smart city. Nos últimos anos, o município tem sido palco de inúmeras iniciativas que colocam a “tecnologia ao serviço dos cidadãos tanto quanto possível”. Miguel Pinto Luz, vice-presidente da câmara municipal, envolveu-se de perto na persecução desse objectivo, mas admite que “nenhuma mudança vem sem as suas dores”. No entanto, refere, o maior desafio de sempre para qualquer governante chegou em 2020 e chama-se “pandemia”.
Estamos em ano de autárquicas, que balanço faz da evolução do concelho naquilo que se refere à adopção do conceito smart city?
O trabalho que temos vindo a desenvolver nos últimos anos tem dado muitos frutos. Assumimos o compromisso de tornar o nosso município numa smart city em diferentes vertentes e é esse compromisso que temos vindo a cumprir. Mais do que pensar em eleições, pensamos na qualidade de vida dos nossos concidadãos. Não só implementámos um sistema único de autenticação para todos os serviços do município, o MyCascais, como criámos o sistema pioneiro de gestão integrada de mobilidade, o MobiCascais; uma aplicação de gamificação da cidade que procura valorizar as boas acções de cidadania, a CityPoints; ou a implementação do Centro de Controlo de Cascais, o C2, o centro de comando do município para várias áreas do território, como segurança, vigilância, mobilidade, ambiente.

Qual foi, na sua opinião, a iniciativa mais marcante para Cascais nesta matéria?
Todas as iniciativas que tomámos fazem parte de um todo – todo este que ambiciona tornar Cascais numa smart city. Não o poderíamos ser sem colocar a tecnologia ao serviço dos cidadãos tanto quanto nos é possível nas mais diversas áreas: ambiente, mobilidade, cidadania, segurança, saúde. Todas são fulcrais para termos uma transformação coerente e eficaz.
Falta de financiamento, fraca colaboração entre entidades, complexidades na contratação pública são algumas das barreiras que os projectos smart city enfrentam. Na vossa experiência, qual tem sido o maior desafio?
Temos encontrado muitos desafios nesta transformação do nosso município, porque tudo o que implica mudanças não vem sem as suas dores, sem as suas adaptações. Esta pandemia, então, veio colocar tudo em causa. O funcionamento, a legislação, a colaboração entre entidades – tudo foi colocado à prova! O desafio tem sido dar resposta a todas as necessidades, dentro do quadro legal, e, sobretudo, com a celeridade essencial.
Têm conseguido fazê-lo?
Cascais não descansa na resposta às necessidades das pessoas, tal como não descansa em dotar o concelho das melhores práticas que existam a nível mundial. O que é bem feito deve ser copiado. Se mais instituições já estão no terreno, a câmara municipal de Cascais apoia e encontra um modelo de ajuda e partilha de responsabilidades. Não duplica. Não faz igual para ter outro símbolo. Ainda recentemente conseguimos, em Cascais, juntar o sector privado com a Cascais Invest, o sector público, com a câmara municipal de Cascais, e a academia, com a Nova SBE, para criar uma plataforma cujo objectivo claro é mapear, coordenar e avaliar o processo de requalificação de competências dos trabalhadores em Cascais. É um exemplo de junção de esforços. De colocar entidades com perfis, naturezas e objectivos diferentes a trabalhar em prol do bem comum.
A digitalização já era uma tendência e intensificou-se com a pandemia. Não obstante as vantagens, as disparidades nos acessos às novas tecnologias existem. Como asseguram que nenhum munícipe é excluído das mais-valias dos serviços de base tecnológica que têm implementado?
Naturalmente que, para usufruir de tecnologia, os cidadãos têm de ter acesso à mesma. É algo que não é fácil combater, mas que tentamos [alcançar], através da disponibilização de meios, como os postos Cascais Wi-Fi espalhados pelo concelho. Qualquer cidadão pode aceder gratuitamente à internet e, a partir daí, usufruir dos nossos serviços, como a app MobiCascais, a autenticação MyCascais e por aí em diante.
Nos últimos anos, assistimos a uma maior colaboração dentro da Área Metropolitana de Lisboa, nomeadamente no tema da mobilidade. Como avalia essa colaboração intermunicipal no que se refere aos projectos smart city?
Essa colaboração intermunicipal que temos visto é algo simplesmente natural e que deve acontecer o mais rapidamente possível. A mobilidade é um tema no qual temos insistido muito nos últimos anos. Como é que as pessoas podem usufruir verdadeiramente de um concelho, de uma cidade, se não tiverem soluções eficazes e intermodais para se moverem no mesmo? Seria também de alguma pequenez da nossa parte excluirmos outros concelhos, outras cidades, desta estratégia. Mais do que necessário, é fundamental assegurar que temos uma rede que serve verdadeiramente os cidadãos e que supera qualquer vantagem que o carro possa oferecer, pois só assim podemos reduzir as emissões carbónicas que verificamos nos dias de hoje.
A gratuitidade dos transportes públicos no concelho é uma realidade desde o ano passado. Embora 2020 tenha sido um ano atípico, os resultados da medida são os esperados?
Sem dúvida que sim. Quando adoptámos esta medida, queríamos garantir que a mobilidade estava ao acesso de todos, que tornávamos o nosso município mais inclusivo, mas também mais verde, amigo do ambiente, sempre coerentes para com a nossa estratégia de descarbonização do concelho. Só em 2020 emitimos mais de 60 mil passes Viver Cascais, o que reflecte uma adesão clara a esta estratégia. Ainda assim, não podemos ignorar o ano atípico que foi 2020 e que nos obrigou a incentivar à utilização do automóvel individual enquanto forma de assegurar a diminuição da propagação deste vírus que não nos tem dado descanso. Se considerarmos esta questão, a adesão a este programa de mobilidade gratuita é ainda mais expressiva e, por isso, podemos dizer que tem sido um sucesso.
“O maior desafio e o foco essencial estão na luta contra esta pandemia. Não há outro desafio. Aliás, penso que quem exerça funções públicas não consegue passar um segundo sem pensar no impacto, sem procurar novas soluções, sem estar em permanente contacto com as autoridades de saúde, com as pessoas que estão na linha da frente [do combate] a este vírus.”
A vossa experiência anterior ajudou, de algum modo, a lidar com a pandemia?
Toda a experiência é útil em momentos de crise, ainda assim, deparámo-nos com uma situação sem precedentes. Todos os dias, temos dado o nosso melhor, assumindo as nossas decisões e colocando sempre os nossos munícipes em primeiro lugar. Cometemos alguns erros, mas creio convictamente que temos feito os possíveis e os impossíveis para lidar com uma crise ímpar que exige o melhor de nós todos os dias.
Durante este período, o município adoptou várias medidas, como a produção local de máscaras para distribuição gratuita à população. O que vos levou a optar por esse tipo de soluções?
Desde o primeiro segundo, tivemos presente um pensamento: a segurança dos nossos munícipes, de quem confia em nós, acima de tudo. E, por isso, fizemos tudo ao nosso alcance para a garantir. Algumas medidas ainda estão em vigor, outras naturalmente tiveram o seu período, mas tudo o que fizemos foi com o objectivo de garantir que não faltavam recursos aos cascalenses para ultrapassarem este período, fosse através de máscaras acessíveis para todos, da isenção de custos do estacionamento, da isenção de pagamento das taxas dos comerciantes ou qualquer uma das muitas medidas. Em Cascais, somos todos por todos, e este tem sido o lema que seguimos neste período.
O que aprenderam com a experiência?
Com todas estas medidas aprendemos que temos de fazer o que tem de ser feito, sem hesitações. Temos de servir os munícipes, por muito sacrifício pessoal que isso possa comportar. Não é altura de ter medo, mas, sim, de dizer “presente”.
De que forma a crise pandémica vai impactar a vossa estratégia de inteligência urbana? Prevêem-se alterações nas prioridades ou eixos de actuação?
Esta crise pandémica obrigou o país e o mundo a reinventarem-se. Fomos confrontados com uma situação sem precedentes e, por isso mesmo, temos de olhar para os planos que tínhamos traçados e avaliar qual o sentido que os mesmos fazem à luz de uma circunstância que nos fez confrontar todas as verdades absolutas que tínhamos. É uma reflexão que já estamos a fazer.
Qual considera ser o maior desafio que Cascais terá para este ano e quais as ambições do município na área da inteligência urbana?
O maior desafio e o foco essencial estão na luta contra esta pandemia. Não há outro desafio. Aliás, penso que quem exerça funções públicas não consegue passar um segundo sem pensar no impacto, sem procurar novas soluções, sem estar em permanente contacto com as autoridades de saúde, com as pessoas que estão na linha da frente [do combate] a este vírus. Temos feito, dentro das nossas possibilidades, a utilização de inteligência urbana para dar resposta a alguns desafios.
Claro que esta pandemia, com a obrigação de confinamento, veio colocar o teletrabalho como prioridade. Em Cascais, conseguimos de forma ágil colocar dois terços dos colaboradores a trabalhar a partir de casa. E obtivemos ganhos de eficiência e celeridade em processos. Existe muita burocracia na Administração Pública e as autarquias não são excepção, infelizmente.
No entanto, esta pandemia veio obrigar a um agilizar de processos, a um olhar ainda mais profundo para o território. Por exemplo, o tema da mobilidade é hoje diferente depois da pandemia. Mas, de facto, em qualquer canto do mundo, não há outro desafio que não seja vencê-la. Com a esperança de resultados da vacinação, mas com a implementação de regras e todos os cuidados de saúde, bem como testar toda a população, encontrar apoios para o comércio e restauração, assegurar que a economia local tem um horizonte de esperança. Vencer esta pandemia é o nosso foco total. E vamos vencer.