Professor no Massachusetts Institute of Technology (MIT), Carlo Ratti tem a seu cargo a direcção do projecto de investigação Senseable City Laboratory, que encara as cidades como “sendo conscientes e, simultaneamente, capazes de sentir”. Numa entrevista sobre avanços tecnológicos, Ratti explica a transformação a que assistimos hoje e por que deve o cidadão estar no centro das preocupações”.
Acredito que é crucial focar-nos nas pessoas em vez de na tecnologia. Diria: “os cidadãos primeiro”. Por isso, em vez de nos centrarmos demasiado na instalação e no controlo de hardware, é importante incentivar as pessoas a levar a cabo acções numa dinâmica bottom-up [da base para o topo]. Se conseguirmos desenvolver as plataformas certas, as pessoas podem ser protagonistas na transformação urbana.
O que está a mudar na vida das pessoas nos espaços urbanos?
O fenómeno que alicerça as smart cities é muito simples: a Internet está a entrar nos espaços onde vivemos e está a tornar-se na Internet of Things, permitindo-nos criar um uma infinidade de ciclos de sensores de acção que antes não era possível. As aplicações são diversas: desde energia à gestão de resíduos, da mobilidade à distribuição de água, do planeamento urbano ao envolvimento do cidadão. Esta tendência tecnológica alargada está a afectar o nosso quotidiano e as nossas cidades. Gostamos de imaginar que estas se poderiam tornar “Senseable”, o que tem um duplo significado: são, simultaneamente, conscientes e capazes de sentir. Gostamos da expressão “Senseable City” em oposição a “smart city”, já que a primeira coloca a ênfase no lado humano das coisas, em oposição ao tecnológico.
Essa transformação é um desafio para os decisores políticos. Acredita que estes são sensíveis ao tema?
Sim, penso que a maior parte está. Em última análise, estas dinâmicas estão a transformar o envolvimento cívico e também a política, que é algo que eles compreendem muito bem.
Vemos, hoje, o espaço físico e a informação digital a convergirem. As cidades estão a sair-se bem nessa matéria?
Cada cidade tem uma abordagem diferente, mas há muitos exemplos e experiências interessantes em todo o mundo. Cidades diferentes focam-se em áreas diferentes: por exemplo, Singapura está a explorar novas abordagens à mobilidade, Copenhaga à sustentabilidade, Boston à participação cívica…
E quem trabalha as cidades? Como estão os arquitectos e os urbanistas a incorporar estas questões no seu trabalho?
Mais uma vez, podem fazê-lo centrando-se nos cidadãos e criando novas experiências humanas nas cidades. Mais, acredito que a arquitectura está a passar por uma grande transformação e está a tornar-se mais interdisciplinar. O arquitecto de hoje está a desempenhar um papel orquestrador – o que podemos chamar de “arquitecto do coro”. Imaginamo-lo como alguém que pode coordenar diversas vozes, harmonizá-las para um melhor conjunto. Exploramos este tema no nosso livro Open Source Architecture (Thames and Hudson, 2015), no qual defendemos uma mudança de paradigma das visões egocêntricas da arquitectura do séc. XX para um processo colaborativo, inclusivo, impulsionado pela rede e inspirado nas tendências do séc. XXI, como o crowdsourcing, o acesso aberto e a personalização em massa.
” O arquitecto de hoje está a desempenhar um papel orquestrador – o que podemos chamar de arquitecto do coro. Imaginamo-lo como alguém que pode coordenar diversas vozes, harmonizá-las para um melhor conjunto”.
Todas as tecnologias têm de começar por algum lado e, regra geral, começam pelo topo. Logo, no início, as novas tecnologias podem ter o efeito negativo de aumentar as lacunas sociais. Porém, a disseminação seguinte, em particular no mundo em desenvolvimento, pode causar o efeito “leapfrogging” [salto entre progressos tecnológicos] e reduzir as diferenças. Veja-se o que aconteceu com os telemóveis: quando apareceram, eram exclusivos das classes altas ocidentais. Passadas algumas décadas, espalharam-se por todo o mundo, em particular no continente africano, onde países sem infra-estruturas de telecomunicações estão a dar um salto tecnológico no futuro. Diferentes partes de África estão agora na liderança em muitas aplicações, desde o mobile banking, à capacitação de agricultores com informações sobre as colheitas em tempo real. Este é um dos muitos sinais de como a inovação desenvolvida nos mercados emergentes pode espalhar-se pelo mundo.
Na sua opinião, que desenvolvimento tecnológico vai ser mais determinante para as cidades e porquê?
Os exemplos são muitos. Vou centrar-me numa única dimensão: a mobilidade. Nas últimas décadas, os carros têm sofrido uma transformação gradual, desde o tipo de sistemas mecânicos que Henry Ford possa ter imaginado até verdadeiros computadores sobre rodas. Uma transformação tal está a trazer consigo uma nova vaga de avanços digitais – no topo dos quais está a condução autónoma.
Em que medida?
Os veículos autónomos vão ter um impacto enorme na vida urbana. De manhã, o “seu” carro poderá dar-lhe uma boleia para o trabalho e, depois, em vez de ficar parado num parque de estacionamento, pode fazer o mesmo a alguém da sua família – ou a qualquer outra pessoa do seu bairro, a um dos seus amigos nas redes sociais, ou a alguém na cidade.
Há muitas expectativas para a automação e inteligência artificial. Que efeitos pode ter nas cidades e como podemos assegurar que estas não perdem o seu lado humano?
A nossa ideia de cidade inteligente centra-se nos cidadãos. Relativamente à inteligência artificial, penso que estamos seguros desde que pensemos nela enquanto sistemas que se integram com os humanos e nos centremos no reforço do humano em vez de na sua substituição.