Por:  Elsa Agante, Team Leader Energy & Sustainability DECO PROTESTE | Bruno Campo Santos, Public Affairs DECO PROTESTE

Mais do que reutilizar e reciclar, é importante reduzir a quantidade de resíduos gerados. Neste processo, não basta exigir a produtores e consumidores a alteração de práticas e de comportamentos. É, também, preciso um sinal político coerente, sobretudo, ao nível das autarquias.

De acordo com dados da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), em 2019, cada português produziu 513 kg de resíduos, o que significa que ficámos ainda mais longe da meta para 2020 – 410 kg de resíduos por habitante. Portugal encontra-se em sentido inverso à média europeia, que tem registado uma redução de resíduos per capita.

Ao longo dos anos, temos sensibilizado os consumidores para alterar comportamentos e hábitos de compra: se um produto é acondicionado em embalagem excessiva, deve optar-se por outro. Cabe ao consumidor moldar este mercado do lado da procura.

Claro que é fundamental, também, a responsabilidade do lado da oferta – os fabricantes e distribuidores devem adequar as embalagens ao tipo e volume de produto, aplicar os requisitos de ecodesign, pois só assim se garante que foram concebidas com vista ao melhor uso possível dos recursos materiais. Uma embalagem bem projetada é facilmente recuperável, por via da reutilização ou da reciclagem.

Após a redução dos resíduos gerados, é fundamental a consciencialização dos consumidores para a necessidade de separar os resíduos por tipologias e colocá-los no contentor adequado de modo a garantir o aproveitamento dos seus materiais por via da reciclagem. Para além das tipologias mais conhecidas – embalagens, papel/cartão e vidro –, existem já pequenos projetos de recolha do lixo orgânico – biorresíduos –, como é o caso dos restos de comida. Estes biorresíduos devidamente separados têm com destino a compostagem doméstica ou comunitária, ou recolha seletiva com encaminhamento para instalações de reciclagem onde se realiza compostagem e digestão anaeróbia, com aproveitamento de materiais e energia e a redução da quantidade de resíduos que tem como destino final a deposição em aterro.

Mas não basta exigir a produtores e consumidores a alteração de práticas e de comportamentos. É, também, preciso um sinal político coerente, sobretudo, ao nível das autarquias.

AS RAZÕES DE UMA CAMPANHA

Na esmagadora maioria (cerca de 80%) dos municípios portugueses, persiste o cálculo da fatura cobrada aos consumidores pelos resíduos sólidos urbanos por indexação à fatura da água. Simplificando: para a maioria das autarquias, não interessa se evitamos a produção de resíduos, se os encaminhamos corretamente ou se temos práticas domésticas sustentáveis; não interessa se separamos corretamente o nosso lixo e se educamos os nossos filhos para um comportamento sustentável e responsável. O que interessa é encontrar uma forma simples e expedita para o cálculo do pagamento dos resíduos produzidos pelas famílias, ainda que ao arrepio da lógica e da justiça da forma de cobrança.

Simplificando ainda mais – imaginemos A e B. A separa escrupulosamente os seus resíduos, evita as embalagens desnecessárias quando compra, reutiliza, faz compostagem doméstica e consome água responsavelmente, mas tem uma pequena horta que tem de regar com frequência ou tem o hábito de tomar banho diariamente. Ao seu lado mora B, que produz duas ou três vezes mais resíduos e que só tem um caixote para todo o lixo que produz – latas, garrafas, restos de comida, jornais antigos, tudo acaba no mesmo saco (quando há saco e não é tudo atirado para o caixote ou contentor comuns) –, mas só toma três banhos por semana. Resultado? A vai pagar mais pelo seu lixo, porque o sistema é cego a quem contribui para o bem comum, e, ao indexar a sua fatura de resíduos ao seu consumo de água, premeia duplamente quem tenha menor gasto de água, mesmo que produza o dobro ou triplo dos resíduos.

Após a redução dos resíduos gerados, é fundamental a consciencialização dos consumidores para a necessidade de separar os resíduos por tipologias e colocá-los no contentor adequado de modo a garantir o aproveitamento dos seus materiais por via da reciclagem.

PREMIAR O EXEMPLO OU O MAU COMPORTAMENTO?

Quando, há cerca de três anos, avançámos com a primeira fase da campanha “lixo não é água”, dirigida aos municípios portugueses, exigindo que os cidadãos paguem pelo lixo que produzem em vez de o terem indexado à água que consomem, pressionámos os autarcas portugueses a iniciarem a alteração do paradigma.

Fizemos, depois, um pequeno périplo pelo país, reunindo com algumas autarquias, que, com total amabilidade, reconheceram a injustiça do atual modelo e o acerto de um modelo tipo PAYT (acrónimo de Pay as You Throw, que consagra o princípio do poluidor-pagador), mas também nos revelaram os enormes desafios que a mudança de sistema implicaria. Qual foi o resultado? Nenhum. Avançaram ou consolidaram-se alguns pilotos, mas nenhum município implementou decisivamente um sistema PAYT.

Contra a continuação da injustiça que o atual modelo normalizou, contra a eternização de um modelo de gestão que penaliza e desincentiva os cidadãos civicamente empenhados, que desmotiva e, até, pune as boas práticas, voltámos a lançar a mesma campanha agora, mas, desta vez, dirigida à Assembleia da República. Na base, estão três pressupostos: tornar o sistema obrigatório (cada autarquia decidirá o modelo); definir mecanismos financeiros que suportem as operações em cada concelho; e, por fim, obrigar cada autarquia a definir um cronograma da mudança para o seu concelho, assumindo 2030 como data final para a conclusão da implementação de um sistema PAYT em Portugal.

Defendemos o cálculo da tarifa de resíduos em função do volume ou peso de resíduos indiferenciados que se produz (lixo), compensando a parcela de resíduos que sejam encaminhados para recolha seletiva e reciclagem, incluindo os biorresíduos, ou seja, paga-se apenas o lixo que se produz e que não separamos com destino a reciclagem.

Acreditamos que, além de uma questão de justiça, esta alteração reforça a importância de um comportamento cívico responsável e premeia as práticas sustentáveis dos cidadãos e dos municípios.

As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.