Um estudo realizado por duas investigadoras portuguesas sobre incêndios em matas litorais da região Centro concluiu que os cidadãos atribuem a responsabilidade ao abandono e à negligência destas áreas naturais, enquanto os agentes lamentam a escassez de meios e de envolvimento nas decisões.

O trabalho, desenvolvido no âmbito do projeto ShareFOREST, surgiu no seguimento dos incêndios de outubro de 2017 e analisou os níveis de participação e envolvimento dos agentes e cidadãos na gestão e ordenamento das matas mais afetadas pelo fogo. Foram elas as matas nacionais de Leiria, do Urso, do Pedrógão, das dunas de Quiaios e de Vagos, bem como os perímetros florestais das dunas de Cantanhede e dos pinhais de Mira.

Para isso, Elisabete Figueiredo, da Universidade de Aveiro, e Eduarda Fernandes, do Politécnico de Leiria, começaram por falar com os agentes envolvidos nesta temática, como os municípios, juntas de freguesia, ONGs de defesa do ambiente e empresas do setor público e privado, mas também a própria entidade gestora destes territórios: o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Analisados os inquéritos, constataram “uma descoincidência entre o grande interesse revelado e a pouquíssima influência e envolvimento que os agentes conseguem ter nas decisões, bem como a falta de colaboração entre si e a ausência de recursos, sejam eles meios financeiros ou humanos”, como revelou Elisabete Figueiredo em entrevista à Smart Cities. De acordo com a investigadora, os agentes identificaram também a ausência de uma política eficaz de prevenção de incêndios e a excessiva centralização da gestão destas matas.

De seguida, as investigadoras realizaram vários questionários junto das populações envolventes e, na temática dos incêndios, sobressaíram as acusações relacionadas “com a ausência de manutenção, o abandono e a negligência que as matas estavam votadas, especialmente a falta de limpeza”. E quais os principais responsáveis? “Muito inquiridos atribuíram este abandono ao governo local e às câmaras municipais, mas, curiosamente, ou não, poucos atribuíram a culpa a incendiários ou aos cidadãos em geral”, acrescentou a professora da Universidade de Aveiro.

Embora a maioria tenha revelado uma perceção muito positiva sobre as matas, associando-as à proteção da natureza e à conservação da biodiversidade, também houve uma parte significativa que as identificou de uma forma mais negativa, enquanto lugares de risco e locais onde acontecem incêndios. Já sobre a importância do envolvimento das populações, muito revelaram interesse em participar, ainda que admitam fazê-lo pouco, sobretudo por entenderem que a sua opinião não será tida em conta.

Noutra fase do projeto ShareFOREST as duas investigadoras analisaram a cobertura noticiosa que oito jornais nacionais, regionais e locais fizeram a esses incêndios de 2017, num total de 1056 notícias e reportagens publicadas. “Neste caso, verificámos que as visões das populações são muito negligenciadas e que as pessoas são encaradas, sobretudo, como vítimas passivas, ao contrário dos agentes governamentais, que são quem aparece mais nas notícias e até surgem como salvadores”, diz Elisabete Figueiredo. Por outro lado, verificou-se “um grande desânimo das pessoas em relação aos governantes, centrais e locais, e à sua incapacidade em elaborar uma política eficaz, quer de gestão florestal, quer de combate a incêndios”.

As diversas conclusões foram incluídas em exercícios participativos (workshops e conversas) realizados no âmbito do projeto, tanto com os agentes, como com as populações, e em ambos os casos acabaram por corroborar os resultados dos inquéritos iniciais. Por fim, foi elaborado um Manual de Metodologias Participativas, uma espécie de guia para a participação dos agentes na gestão da floresta, que inclui os objetivos, métodos e resultados deste projeto desenvolvido durante mais de três anos.

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