Com a pandemia, o e-commerce disparou em Portugal, estimando-se que chegue aos 57% em 2020. Este aumento representa mais encomendas e uma maior circulação de viaturas de entregas nas cidades, que se somam às já inúmeras distribuições essenciais para abastecer os centros urbanos. Encontrar um modelo mais sustentável para o sector da logística é uma das ambições do DPDGroup, que tem já planos em marcha para, até 2030, descarbonizar 100% das entregas feitas pela empresa. A acção começa em 225 cidades europeias, incluindo Lisboa e Porto, num investimento de 200 milhões de euros. Em entrevista Olivier Establet, CEO da DPD Portugal, conta como esta transformação está a acontecer na capital portuguesa, escolhida pelo grupo para ser também palco de dois projectos de inovação: a monitorização em tempo real da qualidade do ar feita através de sensores na frota e a instalação de duas City Trees, que, sem qualquer pretensão de substituir as árvores naturais, dão uma ajuda na purificação do ar.
Porque deve uma empresa de logística preocupar-se com a cidade?
Porque somos parte do problema. Os estudos científicos realizados apontam que o transporte de mercadorias é responsável por 30% das emissões de CO2 nas cidades e 50% de partículas finas, que são nocivas para a saúde, por isso, temos de agir. A nossa acção começou em 2012, quando o grupo decidiu compensar 100% das emissões de CO2 das quais somos responsáveis. Fomos o primeiro da nossa indústria a fazê-lo a nível mundial e de forma gratuita para os nossos clientes. Temos uma ferramenta certificada para medir o nosso balanço carbónico envio por envio, encomenda por encomenda. E investimos e financiamos projectos em todo o planeta seleccionados e votados internamente. Em 2013, assumimos o compromisso de reduzir em 30% as emissões de CO2 até 2025. Neste momento, conseguimos já uma redução de 20%, portanto, estamos no bom caminho.

Há perspectivas de aumentar essa ambição?
Sim, temos a ambição de, até 2030, descarbonizar por completo as nossas entregas. Depois de arrancar e de o ecossistema funcionar à nossa volta, a história acelera-se; o mais difícil é começar. Em termos de acção, o nosso presidente anunciou recentemente a decisão de acelerar a ambição de reduzir as nossas emissões de CO2 e escolhemos 225 cidades na Europa, incluindo Lisboa e Porto, como targets prioritários para descarbonizar as nossas entregas até 2025 – tocando, assim, 80 milhões de pessoas que vivem nessas cidades. Estamos a revolucionar o nosso modo verde de entregas, de forma a deixar de utilizar viaturas convencionais e passar a usar eléctricas, movidas a gás natural, cargo-bikes, walkers, etc., que requerem também uma logística fina que hoje não é possível. O modelo actual da nossa indústria assenta em plataformas logísticas fora das cidades e obriga a uma entrada e saída massiva de centenas de viaturas, todos os dias. Em vez de ter uma logística pesada fora das grandes cidades, vamos passar a ter micrologística dentro das cidades, o que significa ter pontos a partir dos quais essa panóplia de soluções vai poder funcionar. É uma revolução do modelo logístico para acompanhar a ambição da descarbonização.
Já estão a agir nesse sentido?
Sim. É uma decisão que envolve um investimento na ordem dos 200 milhões de euros. É bonito falar disto, mas, por detrás, está a decisão de investimento – ao investir 200 milhões nisto, deixamos de investir noutros projectos, portanto é uma decisão forte do grupo de saber escolher as prioridades. Há já exemplos vivos disto: Paris, desde o ano passado, já é uma cidade verde para o DPDGroup, com a totalidade de entregas feita de forma descarbonizada. Paris foi o exemplo e já existem mais. Até 2025 haverá, a cada ano, mais. Naturalmente, isto não será feito só em 2025, 2025 é [o horizonte de] um plano plurianual para realizar este investimento importante em 225 cidades.
Para quando está previsto acontecer nas cidades portuguesas?
Em Lisboa, é um processo que irá já iniciar no próximo ano e que será concluído em 2022. Em cerca de oito meses, o processo deverá estar concluído. A partir de 2023, vamos alargar o objectivo de descarbonização ao Porto.
Referiu que o ecossistema ainda não facilita esta transição. Que barreiras existem?
Temos de aceitar que o desafio é de uma escala que obriga todos os stakeholders desse ecossistema a ter esta consciência e a colaborar. Nós, como actor principal, sabemos que não se pode apenas acreditar que é algo positivo em termos de imagem para divulgar ao mercado, é também um investimento e tem de ser assumido como tal. Agora, não pode ser um investimento exagerado, porque os outros stakeholders não fazem a sua parte. Começando pelos veículos, que não podem ser convencionais. O que se nota é que os esforços negociais para esse tipo de viaturas [eléctricos] não são iguais aos que são praticados para as viaturas convencionais. Não há a mesma aposta por parte das marcas automóveis, para não falar também da própria oferta de viaturas que não é a mais alargada. Só há muito pouco tempo temos opções de viaturas com dimensões que permitem realizar a nossa actividade. Outro ponto é o papel das locadoras, que não têm o mesmo nível de agressividade comercial para estas viaturas no seu modelo financeiro. É preciso assumir que as viaturas eléctricas, ou outro, têm um valor comercial competitivo passado três ou quatro anos no mercado. Para impulsionar esta revolução, as ajudas e apoios são também importantes, ao nível das autoridades camarárias ou nacionais. Não tenho dúvida de que os bons exemplos vão ser muito mediatizados e que o fenómeno ganha, depois, dimensão, mas é preciso que esses bons exemplos apareçam. Nós queremos ser um bom exemplo e queremos que nos ajudem nisso.
Em que medida mudanças no desenho da cidade poderiam facilitar esta mudança?
Há muito para fazer e temos de pensar nas pessoas que vivem nas cidades. As câmaras municipais fazem-no e estão a tentar tornar a vida na cidade mais agradável e nós temos de compreender, mesmo se isso trouxer novos desafios e obstáculos. Não podemos resistir. Temos de procurar juntos soluções. Antes da Covid-19, o comércio electrónico representava 5% do retalho – comparado com 15% no UK ou mais de 10% a nível europeu, o que coloca Portugal abaixo da média europeia. Com a pandemia, deu-se um salto enorme. Mas mesmo com apenas 5% de e-commerce – o que significa entregas a casa de cada português –, eram já necessárias centenas de viaturas! Imagine-se com o crescimento provocado pela Covid-19!… É insustentável. Se à porta de cada cidadão houver uma viatura para entregas, vamos entupir as cidades. Esse é um modelo que tem de ser reinventado.
“O modelo actual da nossa indústria assenta em plataformas logísticas fora das cidades e obriga a uma entrada e saída massiva de centenas de viaturas, todos os dias. Em vez de ter uma logística pesada fora das grandes cidades, vamos passar a ter micrologística dentro das cidades, o que significa ter pontos a partir dos quais essa panóplia de soluções vai poder funcionar.”
Qual a opção?
A nossa estratégia é promover uma solução muito mais sustentável, que consiste em entregas em redes de proximidade. Se conseguirmos que uma percentagem das entregas ao domicílio não seja feita na casa das pessoas, mas na rede de proximidade, isso é um comportamento responsável e não é nenhum sacrifício, pois cada um escolhe a loja e horário que dá mais jeito. É uma solução win-win e sustentável para o futuro. Este ano, celebramos dez anos da rede pickup em Portugal, com 700 pontos de proximidade logística em todo o país. Antes da Covid-19, 40 % dos consumidores aceitavam recolher a sua encomenda na sua loja preferida, em vez de em casa.
A pandemia trouxe muitas alterações, inclusivamente o receio de contágio no contacto. As novas tecnologias ajudaram a agilizar a vossa actividade neste cenário excepcional?
Fomos dos primeiros a implementar uma alteração do procedimento da prova de entrega. Mudámos para um conceito contactless, para evitar o contágio da pandemia. Significa que as entregas que fazemos todos os dias em Portugal deixaram de incluir o contacto entre o motorista e o destinatário. A tecnologia ajudou e faço aqui uma referência ao serviço Predict, para quem resiste à solução da entrega no ponto de proximidade e quer continuar a receber em casa. Permite janela horária de recepção e introduzimos um pin code, que ajuda a certificar que a prova de entrega foi mesmo real. Isto é utilizar o potencial das novas tecnologias.
As novas tecnologias estiveram também no centro do projecto piloto para a medição da qualidade do ar que desenvolveram em Lisboa. No que consiste essa iniciativa?
Sim e é um sentimento de orgulho de, há um ano e meio, a nossa filial e a cidade de Lisboa terem sido as escolhidas para a estreia a nível mundial deste sistema de monitorização da qualidade do ar. Neste momento, há mais de 20 cidades na Europa onde já se repetiu esse projecto – que, entretanto, deixou de ser piloto. Esse sistema permite-nos ter uma monitorização em tempo real da qualidade do ar em toda a cidade feita pelas dezenas de viaturas que temos a circular na cidade e também nos pontos pickups. Temos mais de uma centena de sensores com muito rigor e que fornecem uma quantidade de informação impressionante. Aliás, foi esse sistema, que partilhamos gratuitamente com o município, e que ajudou a câmara municipal de Lisboa (CML) a definir as famosas ZER (Zonas de Emissões Reduzidas), porque foi possível perceber, pela qualidade do ar, quais seriam as zonas a proteger. Não quisemos que este projecto fosse limitado à CML e, quando entregamos uma encomenda a alguém que vive na cidade de Lisboa, entregamos uma notificação via SMS com um link para que qualquer pessoa pode saber qual a qualidade do ar na sua rua. Isto é também contribuir para a consciência colectiva da importância dos sistemas ambientais.
E por que motivo escolheram Lisboa?
Uma das razões foi a postura dos nossos interlocutores, da CML, nomeadamente do vereador Miguel Gaspar. Vimos nele uma pessoa extremamente interessada em todas as soluções que podem representar valor e que esteve sempre muito atento e disponível para fazer testes de conceitos ainda não utilizados. É verdade que Lisboa também foi eleita Capital Verde Europeia e isso são elementos que dão credibilidade e visibilidade ao que fazemos. Existem também excelentes relações com a cidade de Lisboa, talvez mais adiantadas do que noutras cidades. Tudo isto colocou a cidade numa excelente posição. Lisboa teve melhores argumentos e a DPD Portugal soube também valorizar esse potencial.
Esse tipo de abertura dos governos locais é importante para estes projectos?
Sem dúvida, infelizmente ainda não posso fazer os elogios que faço à cidade de Lisboa a todos. Construir o diálogo produtivo é algo difícil. Face à necessidade de repensar a logística nas cidades, muitas vezes a nossa indústria não é chamada para o processo, e, um dia, descobrimos um novo regulamento de mobilidade que cria novos problemas, em vez de, a montante, se ter pensado a solução com os actores principais e encontrado a solução que cumpra os objectivos – isso não é negociável – mas de uma forma a viabilizar o nosso trabalho, que é também importante, pois alimenta o comércio, leva as encomendas àqueles que fizeram compras on-line e que foi considerada uma actividade essencial durante o estado de emergência. Não há dúvida da utilidade do nosso sector, não pode ser esquecido e ignorado e nem todas as cidades compreendem isso e nos solicitam opinião.
No caso de Lisboa, têm sido, então, consultados?
Exactamente. Houve sempre esse cuidado; nós assinámos o Pacto da Mobilidade também, fazemos chegar as nossas opiniões sobre os projectos e tudo isso é saudável. Por vezes, há outros interesses que se sobrepõem. A decisão é da CML e nós compreendemos e respeitamos, mas, pelo menos, os nossos argumentos foram valorizados. É um processo exemplar.
“Não há dúvida da utilidade do nosso sector, não pode ser esquecido e ignorado e nem todas as cidades compreendem isso e nos solicitam opinião.”
E como surgiu a ideia das City Trees?
É uma segunda iniciativa da qual temos muito orgulho. É um caso piloto único, não há outra cidade do grupo a funcionar com estas City Trees, e vem na continuidade da preocupação ambiental do grupo de ajudar as cidades. Tem de haver uma colaboração não apenas no óbvio. É uma oferta do DPDGroup à cidade de Lisboa para contribuir com uma iniciativa moderna, mas também eficaz na melhoria da qualidade do ar. A tecnologia foi desenvolvida por uma empresa alemã, sedeada em Berlim, com a qual fizemos um acordo exclusivo para instalar City Trees em várias cidades da Europa, começando por Lisboa. As duas estão na Ribeira das Naus e têm a capacidade de, através de painéis de musgo, captar o CO2 e purificar o ar das emissões emitidas pelo equivalente a 7000 pessoas por hora, cada uma.
É uma iniciativa simbólica ou há intenção de fazer algum negócio com estes equipamentos?
Não é negócio. É uma forma mais do que simbólica, pois tem a ver com a continuidade da nossa postura nas cidades. Para além disso, é uma maneira de promover quem é criativo. A empresa envolvida no sistema de monitorização do ar chama-se Pollutrack e isto foi uma oportunidade para esta empresa desenvolver a sua actividade neste piloto na cidade de Lisboa. A joint venture alemã, oferecendo estas City Trees, faz o mesmo. Porque é que as cidades não vão eventualmente comprar?! Assim, damos a conhecer…
É uma forma de dinamizar o ecossistema?
Sim, uma contribuição de visibilidade que sempre é algum investimento, mas é positivo pois com isso criamos condições para este conceito se desenvolver em mais cidades e até em Lisboa, com mais árvores.
A acção levantou algumas críticas, insinuando que pudesse haver a vontade de afirmar as City Trees como substitutas das árvores naturais. O que diz a isso?
Houve também críticas sobre se haveria segundas intenções, mas nem uma, nem outra. Quando uma empresa quer fazer uma iniciativa que, aparentemente e é o caso, é sustentável, parece suspeito, então, levantam-se críticas. Mas não, a ideia não é substituir as árvores! [risos]