A diversidade é a “grande força em tudo”, mas é necessário “redefinir a mobilidade” e garantir a segurança rodoviária e a eficiência das infraestruturas. As palavras são do presidente da Federação Europeia de Ciclistas (ECF), Henk Swarttouw, um dos oradores que estiveram presentes na sessão de abertura da Velo-City 2021, a conferência mundial que traz para cima da mesa o debate sobre a mobilidade em bicicleta e que decorre até dia 9 de Setembro, na FIL, no Parque das Nações.  

O arranque da conferência internacional Velo-City 2021, um evento organizado pela EMEL – Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa e pela ECF, teve lugar ontem, na capital portuguesa. A sessão de abertura focou-se no tema da diversidade em bicicleta e foram várias as vozes internacionais que partilharam as suas experiências e ideias. As figuras presentes, do panorama político, uniram-se neste debate para partilhar conhecimentos e ideias sobre como promover a mobilidade activa, com vista a cidades mais verdes, sustentáveis e resilientes.  

O painel de debate foi constituído por Miguel Gaspar, vereador da Economia e Inovação, Mobilidade, Protecção Civil e Socorro e Segurança da câmara municipal de Lisboa, Will Norman, comissário da Mobilidade Ciclável e Pedestre de Londres, Anni Sinnemäki, presidente da câmara municipal da cidade de Helsínquia, na Finlândia, Erion Veliaj, presidente da câmara municipal de Tirana, em Albânia, e Manuel de Araújo, presidente da câmara municipal de Quelimane, em Moçambique. A moderação do debate ficou a cargo de Jill Warren, CEO da ECF.  

Antes de se iniciar o debate, Miguel Gaspar garantiu que Lisboa está comprometida com os objectivos de desenvolvimento e pronta para enfrentar os desafios nesta “guerra” com as alterações climáticas. Já que 43% das emissões de gases de efeitos estufa em Lisboa provêm dos transportes, dar um passo em frente para combater as alterações climáticas, diz o vereador, não será possível sem a bicicleta e sem se alterar o espaço público. A par deste objectivo, serão aplicadas quatro tácticas, nomeadamente a nível da criação de mais redes seguras, lugares de estacionamento seguros, apoios financeiros e mudanças comportamentais. 

Segundo Henk Swarttouw, presidente da ECF, actualmente, os cidadãos procuram cada vez mais a bicicleta enquanto modo de transporte, e existem cada vez mais bicicletas diversificadas e ciclistas de diferentes géneros, com diferentes backgrounds e idades. Para o presidente, a diversidade é a “grande força em tudo”, pelo que, enquanto comunidade, “seremos mais fortes quanto mais diversificados”. Por isso, e nas palavras do responsável, é necessário que as mudanças positivas temporárias que se observaram durante a pandemia se tornem “permanentes”. Da mesma forma, é também essencial haver “mais investimento nos planos de recuperação pós-pandemia”, “redefinir a mobilidade” e garantir a segurança rodoviária e a eficiência das infraestruturas, já que o uso da bicicleta se tem tornado um factor premente na forma como os governos vão implementar o Green Deal. Em última instância, é crucial, explica o presidente, centrar as cidades à volta das pessoas e não dos veículos.  

Já em debate, Miguel Gaspar reitera que é fundamental perceber o comportamento dos cidadãos. Tendo por base os dados disponíveis, está provado que existem menos mulheres a utilizar a bicicleta como modo de transporte do que homens. Assim, é necessário não só construir infraestruturas seguras, mas também “garantir a segurança” para qualquer pessoa que escolha este meio de transporte. A chave está em tornar as palavras em acções e “agir hoje”. A nível de diversidade, e segundo o autarca, existe uma lacuna geracional, sendo que o típico utilizador de bicicleta português se situa entre os 30 e os 40 anos de idade. Para Miguel Gaspar, o desafio passa por dar acessos adequados a todos os cidadãos, mas também por educar as crianças para a mobilidade activa. 

Aprender com outros exemplos

Erion Veliaj, presidente da câmara municipal de Tirana, concorda com a ideia de que alterar mentalidades é primordial, e de que formar as crianças é um passo em frente, já que estas se podem tornar “embaixadoras” da mobilidade activa. Para garantir o acesso de todos a este tipo de mobilidade, o autarca acredita que os incentivos são indispensáveis e que é essencial promover a mobilidade entre os jovens, ainda que estes sejam os que mais utilizam a bicicleta como modo de transporte. 

Já em Quelimane, Manuel de Araújo, presidente da câmara municipal, garante que, durante o seu mandato, a bicicleta se tornou uma “prioridade”. Por esse motivo, foram introduzidos semáforos – diminuindo, consequentemente, a quantidade de acidentes na cidade -, foi dada “formação adequada” às forças policiais e foram criadas ciclovias. O governante garante que estas medidas vieram originar uma participação mais activa da comunidade, mas também acredita ser necessário apostar mais em segurança e na construção de infraestruturas. Segundo Manuel de Araújo, são os jovens, homens e cidadãos com baixos rendimentos que utilizam a bicicleta como modo de transporte. 

Anni Sinnemäki, presidente da câmara municipal da cidade de Helsínquia, confirma que, embora a situação da sua cidade não seja tão “dramática” como noutras regiões, ainda há um “grande caminho” a percorrer para atingir o objectivo de uma quota de 20% na mobilidade com bicicleta, seja a nível da segurança, seja a nível da manutenção ou dos estacionamentos. No que respeita à diversidade, a presidente revela que existe o mesmo número de homens e mulheres a utilizarem a bicicleta, e que são os cidadãos com rendimentos mais altos que optam por este modo, pelo que é necessário “fazer mais” pelos cidadãos com diferentes backgrounds de rendimentos, pelos mais velhos e pelas crianças. Para melhorar as condições de segurança, Sinnemäki acredita que introduzir limites menores de velocidade para carros na cidade pode ser uma solução, e que, a nível local, é essencial ter orçamentos razoáveis e defender as construções anuais, com vista à progressão deste tipo de mobilidade. De acordo com a responsável, em Helsínquia, cerca de 80% da mobilidade na cidade é feita a pé, de bicicleta e de transportes, e o objectivo é atingir os 20% de ciclistas até 2025.  

Já em Londres, Will Norman, comissário da Mobilidade Ciclável e Pedestre, nota que houve uma “enorme transformação”, uma vez que a rede de utilizadores de bicicleta se tem expandido. Aqui, cerca de 64% das viagens são feitas a pé, de bicicleta ou de transportes públicos, mas o objectivo passa por chegar aos 80% e duplicar o número de cidadãos que optam pela bicicleta. Da mesma forma, os dados mostram que mulheres, pessoas com deficiência, cidadãos com rendimentos baixos e minorias não optam, geralmente, por este tipo de mobilidade. Durante a pandemia, e sendo que o trânsito diminuiu devido às restrições, os londrinos passaram a sentir-se mais seguros a utilizar a bicicleta. Para o comissário, o trabalho a ser feito passa por garantir que esta tendência se mantém, impedindo a recuperação dos carros. Por forma a garantir o acesso de todos a este tipo de mobilidade, o comissário acredita ser importante formar as crianças, alterando, desde cedo, o comportamento e a mentalidade dos jovens. 

Esta é a primeira vez que Lisboa recebe a conferência internacional da mobilidade urbana em bicicleta. A Velo-City 2021 decorre até dia 9 de Setembro e reúne, por estes dias, na capital portuguesa, mais de 200 especialistas internacionais para mais de 50 sessões de debate dedicadas não só ao uso da bicicleta nas deslocações em cidade, mas também ao planeamento e desenho urbanos e melhoria dos espaços públicos.