Cerca de 70% da perda de biodiversidade terrestre é causada pelos sistemas alimentares e 40% da terra habitável é usada para a produção de alimentos, mas, ao mesmo tempo, 735 milhões de pessoas passam fome em todo o mundo. Estes e outros números levam a WWF (World Wildlife Fund) a considerar que os “atuais sistemas alimentares são a maior ameaça à conservação da natureza e à saúde humana”, embora também possam tornar-se “a principal solução para as múltiplas crises enfrentadas pela humanidade”.
Perante esta realidade, a organização internacional lançou um estudo e uma nova ferramenta, o Great Food Puzzle, onde sugere um conjunto de ações com potencial para transformar os sistemas alimentares em mais de 100 países, incluindo Portugal. Ao mesmo tempo, classificou-os em seis grupos de sistemas alimentares diferentes, tendo em consideração as diferentes características ambientais e socioeconómicas. Por exemplo, no tipo 1 estão os países com maior biodiversidade, mas menor desempenho ambiental, como é o caso do Brasil, enquanto Portugal faz parte do tipo 4, que se distingue dos outros grupos por apresentar um elevado risco hídrico.

Ferramenta Great Food Puzzle identifica as ações prioritárias em mais de 100 países
De acordo com o relatório, a complexa cadeia dos sistemas alimentares, que passa pela produção, transformação, transporte e consumo de alimentos provoca “grandes impactos globais na natureza e nas alterações climáticas, mas só podem ser tornados sustentáveis com soluções locais”.

“Embora não exista um conjunto único de intervenções políticas que devam ser aplicadas globalmente, este estudo revelou também a existência de algumas questões que são centrais em todos os países, como por exemplo, a necessidade de otimizar o uso da terra e restaurar a biodiversidade, melhorar a educação e o conhecimento sobre dietas saudáveis e sustentáveis, e reformular os subsídios e incentivos financeiros”, refere um comunicado da ANPlWWF.
As conclusões deste estudo deram origem a um documento conjunto das duas organizações (a ANP trabalha em Portugal em associação com a WWF) que reúne 10 medidas prioritárias para acelerar a transição alimentar, adaptadas ao contexto nacional. Por exemplo, tem em conta os últimos dados do Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física, segundo o qual os hábitos alimentares dos portugueses são desequilibrados e desadequados face às recomendações nacionais da Roda dos Alimentos Portuguesa.
Em breve, este documento será entregue a diversos órgãos de decisão nacional como forma de alertar para os desafios da transição alimentar no país e no mundo. “Precisamos de transformar o atual sistema alimentar se queremos alcançar os objetivos de proteção da biodiversidade, estabilização do clima e promoção da saúde”, pode ler-se no texto.
As 10 ações prioritárias
Entre a dezena de medidas propostas, surge logo à cabeça a necessidade de restauro da biodiversidade, justificada pela importância de “estimular a adoção de práticas e modos de produção alimentar que restaurem a biodiversidade em áreas agrícolas”. Depois, surgem os apoios aos pequenos produtores e logo a seguir a inclusão de critérios de sustentabilidade nas compras públicas que, defende a WWF, não deve passar apenas pelo preço.
Reforçar a ciência, a investigação e o desenvolvimento é a quarta ação elencada, a que se segue a melhoria da recolha de dados e medição, nomeadamente acerca dos hábitos de consumo dos portugueses e dos impactos ambientais dos sistemas alimentares. A essa associa-se uma sexta prioridade – aumentar a consciencialização do público -, seja através de campanhas de comunicação ou da adoção de boas práticas por organismos públicos e privados.
A sétima medida proposta assenta na promoção de alimentos saudáveis, sustentáveis e tradicionais e a oitava defende uma priorização das inovações sociais em detrimento da alta tecnologia. Desenvolver infraestrutura e cadeia de abastecimento é a nona e, por fim, propõe-se redirecionar subsídios, aumentar os investimentos de redução do risco e apoiar Soluções baseadas na Natureza.
Segundo Ângela Morgado, Diretora-Executiva da ANPlWWF, o documento apresentado esta quinta-feira “lança as bases para a tão necessária transformação da alimentação em Portugal. Se o governo português pretende cumprir os compromissos europeus estabelecidos para todos os estados-membros, o momento para fazê-lo é agora, aproveitando que se discutem as medidas para o Orçamento de Estado de 2025”. “Precisamos de colocar a transformação do nosso sistema alimentar como prioridade nacional”, conclui a responsável.
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