Em Março, Portugal viu nascer um índice que mede o grau de preparação dos municípios para a utilização da bicicleta enquanto modo de transporte. Através da análise de cinco dimensões, entre as quais a infra-estrutura ciclável, o compromisso político ou o declive do território, o Bike Friendly Index (BFI) revelou o primeiro ranking nacional de “amigabilidade” dos municípios portugueses com a bicicleta. Em 2018, o município “mais amigo” das bicicletas foi a Murtosa, mas, no mapa das capitais de distrito, é Lisboa a liderar e Vila Real aparece na última posição.
A Murtosa é o município português mais amigo da bicicleta. Com uma classificação de 6,1 (num máximo de dez), o município do litoral de Aveiro destaca-se, sobretudo, no capítulo da utilização da bicicleta como modo de transporte, representando 16,9% do total de todas as deslocações – a maior taxa de utilização de todo o país. Destaca-se, ainda, pela sua topografia, caracterizando-se pela ausência de declives, resultando num ambiente natural que propicia a utilização da bicicleta.
Para chegar à classificação final, o índice leva em consideração cinco dimensões chave: o declive, o ambiente construído, as infra-estruturas, o compromisso político e a utilização da bicicleta. Dentro destas, cabem ainda 12 indicadores recolhidos individualmente. A título de exemplo, na dimensão que diz respeito à utilização dos velocípedes, é tido em conta o peso da bicicleta na repartição modal do concelho, o peso das mulheres na quota de utilizadores de bicicleta e o peso dos modos activos e transportes públicos na repartição modal concelhia. Dentro da dimensão relativa ao compromisso político, são tidas em conta a despesa por área urbana e a despesa per capita.
Logo depois da Murtosa, aparece Lisboa, com uma classificação de 5,6. Segundo o Bike Friendly Index, na capital, a bicicleta representava apenas 0,19% das deslocações em 2018, mas o facto de contar com 67,3 quilómetros de ciclovias construídas e de, no período compreendido entre 2015 e 2017, ter registado um investimento próximo dos 25 milhões de euros em projectos de mobilidade sustentável, valeu-lhe o segundo lugar no ranking.
A existência de sistemas de partilha de bicicletas também foi outro dos factores ponderados na classificação final. No caso de Lisboa, existem as Gira, da EMEL, e as Jump, da norte-americana Uber. A Murtosa disponibiliza, igualmente, velocípedes de uso partilhado e contava, em 2018, com 16,3 quilómetros de ciclovias, tendo registado neste período um investimento de, aproximadamente 280 mil euros em infra-estrutura orientada para a mobilidade sustentável.
Entre a Murtosa e Lisboa, regista-se uma outra diferença assinalável: entre as pessoas que escolhem a bicicleta como meio de transporte na Murtosa, mais de metade são mulheres (53,2%), enquanto, em Lisboa, apenas 18,1% dos utilizadores de bicicleta são do género feminino.
Compromisso com a mobilidade ciclável ainda é pequeno
“Ainda há muito a fazer” para promover a utilização da bicicleta enquanto modo de transporte nas cidades portuguesas – esta é uma das principais conclusões apontadas pelos promotores do novo índice. Elaborado por David Vale e António Pedro Figueiredo, do grupo de investigação BEAM, do Centro de Investigação em Arquitectura, Urbanismo e Design (CIAUD) da Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa (FAUL), o BFI apresenta-se como uma ferramenta que avalia a “amigabilidade” dos concelhos nacionais para com a utilização da bicicleta e é o primeiro indicador deste género em Portugal.
Com a publicação do primeiro ranking, referente ao ano de 2018, o índice conclui que o país ainda tem um longo caminho a percorrer e que o investimento na criação de infra-estrutura ciclável realizado durante os últimos três anos, de aproximadamente 46 milhões de euros a nível nacional, é “francamente insuficiente”. Significa “menos de cinco euros por habitante”. Lisboa destaca-se, contudo, neste capítulo, com vários compromissos políticos assumidos com a mobilidade ciclável e com um investimento no período observado (de 2015 a 2017) superior a 50% do montante total investido em todo o território nacional. A maior cidade do país é, de resto, um oásis ao nível do compromisso político assumido em relação à mobilidade ciclável. Em 2020, a cidade deverá alcançar os 200 quilómetros de ciclovias e prepara-se para receber, em 2021, a maior conferência mundial de mobilidade ciclável do mundo, a Velo-city, organizada pela Federação Europeia de Ciclistas (ECF).
Segundo o índice, a extensão total de ciclovias urbanas em Portugal é referida como “muito baixa”, contabilizando cerca de 360 quilómetros de um total de 990 quilómetros. Isto explica-se, segundo os promotores do BFI, pelo facto de a maioria das ciclovias em Portugal servir “fundamentalmente funções recreativas e não utilitárias”.
Capitais de distrito: Lisboa à frente, Vila Real atrás
Na tabela que ordena as capitais de distrito portuguesas pela sua boa relação com as bicicletas, Lisboa lidera, destacada. Vila Real, por seu turno, ocupa a última posição das capitais de distrito, ficando-se pelos 1,87 (contra os 5,6 alcançados por Lisboa). A média nacional situa-se nos 2,7. As cidades do Porto, com 3,94, e de Aveiro, com 3,9, completam o pódio do índice, aparecendo no segundo e terceiro lugares, respectivamente. Para além de apresentar a classificação das capitais de distrito, o índice também classifica os concelhos com mais de 100 mil habitantes. Neste caso, a seguir a Lisboa e Porto, respectivamente, aparece o concelho de Cascais, com a classificação de 3,76.
Com apenas 12,1 quilómetros de ciclovia construídos em 2018 e um investimento, nos anos analisados em projectos de mobilidade sustentável de apenas 23 mil euros, a cidade do Porto figura bem atrás de Lisboa na lista por municípios, apesar de a repartição modal da bicicleta ser idêntica à da capital (0,22%).
O Bike Friendly Index deverá apresentar uma periodicidade anual de publicação, com o objectivo de “avaliar a evolução do panorama nacional e ainda quais os concelhos que se estão a destacar anualmente na promoção da bicicleta”, revelam os promotores.
10 mil quilómetros de ciclovias e 7,5% de deslocações em bicicleta até 2030
O compromisso do país com a bicicleta pode estar prestes a ser alavancado. No início de Julho, foi aprovada a Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável (ENMAC) 2020-2030, uma estratégia a dez anos que conta, entre outros, com 300 milhões de euros do programa Portugal Ciclável para a construção de novas ciclovias.
Para a próxima década, a estratégia nacional, aprovada em Conselho de Ministros, prevê a construção de mais oito mil quilómetros de ciclovia, chegando aos dez mil quilómetros em todo o país. Adicionalmente, é objectivo da estratégia alcançar 7,5% de deslocações em bicicleta a nível nacional, um valor idêntico à actual média europeia e largamente superior ao valor nacional actual de 1%.
Segundo o Conselho de Ministros, a ENMAC, que contou, no seu processo de construção, com a participação da sociedade civil, procura “retirar carros das ruas, devolver espaço público, aliviar o congestionamento urbano, baixar os níveis de ruído e reduzir a poluição atmosférica”.
Copenhagenize Index: o índice global
O Copenhagenize Index é um índice global bianual, realizado desde 2011 e dedicado a ordenar cidades de todo o mundo pelo seu grau de “amigabilidade” com a bicicleta. Os resultados de 2019 já estão disponíveis e voltam a coroar Copenhaga como a cidade mais amiga da bicicleta em todo o mundo, à semelhança das últimas edições. Na capital da Dinamarca, 62% de todas as viagens para o trabalho ou para a escola são realizadas com recurso à bicicleta. Seguem-se Amesterdão (Holanda) e Utrecht (Holanda), na segunda e terceira posições, respectivamente. Entre as 20 cidades mais amigas da bicicleta, encontram-se, ainda, Barcelona (Espanha), Paris (França), Bogotá (Colômbia), Taipé (Taiwan) e Vancouver (Canadá).