A MUBI – Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta aproveitou o Dia Mundial da Bicicleta, celebrado a 3 de Junho, para exigir uma maior aposta na mobilidade ciclável, de modo a que se torne uma prioridade em Portugal. Em conversa com a Smart Cities, a nova presidente da associação, Vera Diogo, defende que o Governo deve multiplicar por 200 o actual investimento na promoção da bicicleta.

Depois das entrevistas com dirigentes da Braga Ciclável e da Ciclaveiro (publicadas na passada sexta-feira) é agora a vez da MUBI abordar os temas relevantes do sector, como a Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável, as medidas mais importantes a tomar ou o papel desempenhado pelos municípios. Oportunidade ainda para Vera Diogo falar da experiência enquanto Bicycle Mayor do Porto, cargo atribuído pelo movimento BYCS, que já deu origem a várias iniciativas de defesa e promoção da mobilidade ciclável.

Será possível cumprir as metas da Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável, como uma quota modal de viagens em bicicleta de 10% nas cidades e 7,5% a nível nacional? A MUBI tem-se revelado bastante crítica, desde logo a nível da dotação orçamental atribuída pelo Governo.

Parece-nos muito difícil cumprir essas metas, sobretudo tendo em conta os recursos disponíveis. Os recursos humanos, que envolvem unicamente duas pessoas e uma coordenadora, e os financeiros, uma vez que apenas se alocou um milhão de euros à Estratégia. Só multiplicando por 200 ou mais! Ou seja, o Estado deve investir, pelo menos, 200 milhões de euros por ano na promoção do uso da bicicleta. Esse tipo de investimento está a acontecer noutros países, como a Irlanda ou a própria Bulgária, que investe 10 vezes mais que nós. É bastante grave o que está a acontecer em Portugal neste âmbito e a isso acresce o facto de o Governo ter decidido integrar a Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável com a Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Pedonal. Isto com a mesma escassez de recursos.

Que medidas e investimentos são necessários para o país passar a andar mais de bicicleta?

Primeiro é fundamental investir na infraestrutura, de modo a garantir segurança a quem anda de bicicleta e a atrair novos utilizadores. Também já sugerimos a realização de uma campanha de sensibilização a nível nacional que alerte para os benefícios dos modos activos, procurando normalizá-los, bem como a aposta na educação para crianças e jovens, como o alargamento do ensino da bicicleta a todos os alunos do primeiro e segundo ciclos. Mas convém que isso seja articulado com oportunidades de utilização da bicicleta em contexto real, ou seja, que não se trate apenas de uma formação em contexto hermético e fechado. Pretende-se que as crianças passem a usar a bicicletas no dia-a-dia e se criem condições e oportunidades para tal, nomeadamente os comboios de bicicletas, que a Câmara de Lisboa já apoia e muitas outras câmaras do país podiam fazer o mesmo.

Qual é o papel dos municípios na mudança de paradigma da mobilidade, nomeadamente no que diz respeito à mobilidade ciclável?

Os municípios têm um papel importantíssimo porque eles têm a possibilidade de conceber, desenvolver e implementar projectos a nível do urbanismo e da mobilidade. Além disso, também passaram a ter mais responsabilidades no âmbito educativo e podem começar a liderar esta mudança tão necessária e urgente.

Quais são os principais argumentos que sustentam uma prioridade da bicicleta nas políticas de mobilidade do país?

Desde logo a questão ambiental, obviamente, não só por evitar a poluição atmosférica, mas também a sonora, além da vertente económica, porque é um meio de transporte bastante eficiente, fácil de reparar e capaz de gerar novos negócios. Também reduz custos a nível de saúde pública porque, obviamente, quem anda de bicicleta faz exercício no seu quotidiano. E depois, o uso da bicicleta dá origem, igualmente, a uma maior consciência do espaço público e da sua utilização, combatendo o domínio do automóvel.

Além de ser presidente da MUBI, também foi nomeada Bicycle Mayor do Porto pelo BYCS, um movimento criado na Holanda para a troca de experiências e incentivo à mobilidade activa. Como é que está a ser essa experiência e que mais-valias poderá trazer ao seu trabalho em prol das bicicletas?

Tem sido uma experiência muito interessante, entusiasmante mesmo, por conhecer pessoas de outras cidades, por exemplo de Nicósia, no Chipre, com quem partilhamos interesses comuns. Temos reuniões mensais com o restante grupo da nossa região – Europa, Médio Oriente e África – e, por vezes, são organizadas apresentações de membros da rede e de outras pessoas, caso de Leszek Sibilski, o polaco que liderou a campanha para promover uma Resolução da ONU para o Dia Mundial da Bicicleta, em 2018. Por ele ter estado numa dessas reuniões, convidei-o para uma acção que fizemos na MUBI, em parceria com a Escola Superior de Educação do Porto, onde trabalho, para divulgar este dia, bem como um estudo da Rede Campus Sustentável sobre as práticas de mobilidade no ensino superior em Portugal. Além de ter sido muito útil para fazer networking a nível internacional, quando me tornei Bicycle Mayor também propus a várias escolas do Grande Porto a ideia dos comboios de bicicletas [iniciativa que possibilita a deslocação de grupos de crianças para a escola, utilizando a bicicleta] e daí resultou um dos primeiros no Porto, mais propriamente na EB1 de São João da Foz.