A tecnologia tem ajudado a melhorar a mobilidade nas cidades e a reduzir os problemas causados pelo excesso de tráfego, atuando tanto no fluxo dos carros particulares, como no transporte público, nos modos suaves e na bilhética. De Lisboa ao Porto há exemplos de inovações que promovem a intermodalidade e procuram tornar os sistemas mais eficientes. 

A mobilidade pode gerar muitas “externalidades” e tem custos a nível de segurança, emissão de gases, perdas de tempo, entre outros. Mas a tecnologia pode eliminar muitos desses problemas. “Se combinarmos a máquina a funcionar melhor e as tenologias ao serviço da gestão do espaço, do habitat urbano, dos fluxos, então a mobilidade, que é uma necessidade absoluta, pode ser um aspeto positivo nas cidades”, considera José Mendes, professor catedrático de Sistemas Regionais e Urbanos na Universidade do Minho e antigo Secretário de Estado Adjunto e da Mobilidade. 

Radares, sensores, carros georreferenciados, informação recolhida ou enviada para os telemóveis. A informação existe “abundantemente, o que ainda não há suficientemente é a capacidade para a processar”, de forma a se tirar dela o melhor partido para agilizar a mobilidade, acrescenta José Mendes, que atualmente assume funções como diretor-executivo da Fundação Mestre Casais, que tem como missão a promoção da sustentabilidade humana e ambiental. A “chegada da Inteligência Artificial”, acredita, poderá ajudar a mudar este cenário, pois vai permitir “dar um salto, ao aceder a toda a informação, e transformar o monte de dados em informação útil para a decisão quotidiana imediata”. 

Ainda, assim, considera o especialista, será necessário reduzir o número de veículos automóveis que circulam nas cidades, pois há um problema físico, de espaço. “Qualquer dia não temos cidades, temos parques de estacionamento, e as cidades são para as pessoas”, diz.  O recurso ao transporte público e a modos suaves, que não devem competir mas sim complementar-se, pode dar um contributo importante nesta tarefa. “Temos de fazer uma metamorfose das cidades e dos modos de vida, compatibilizando diferentes formas de deslocação. É preciso encontrar um ponto de equilíbrio, no qual consigamos conviver, reduzindo a escala do meio motorizado, que é muito elevada e dificulta o funcionamento das cidades. É preciso compatibilizar – e a tecnologia é muito facilitadora disto. Qualquer estratégia que seja ‘ou utilizamos uma coisa ou utilizamos outra’ é claramente perdedora”, explica José Mendes. 

 Intermodalidade é fundamental 

Em Lisboa, aempresa de mobilidade e estacionamento EMEL implementou um novo sistema de gestão de mobilidade, o SIM.Lx, que “vem possibilitar num futuro próximo a gestão de tráfego da cidade de forma integrada e dinâmica”. Atualmente a empresa já consegue “centralizar a gestão de todos os cruzamentos semaforizados da cidade” e está a implementar um “sistema de monitorização constante dos dados enviados pelos equipamentos instalados nos semáforos”, promovendo o ajuste do funcionamento dos vários cruzamentos às solicitações de cada momento. Simultaneamente será possível antecipar cenários de tráfego decorrentes situações de congestionamento, possibilitando prioridades a transportes públicos e de emergência. 

A EMEL tem, também, procurado facilitar a intermodalidade entre o transporte público e modos suaves, de que são exemplo as bicicletas partilhadas GIRA, o BiciPark para estacionamento de bicicletas particulares e os Parques Navegante, que permitem deixar a viatura particular num parque de estacionamento de forma segura e gratuita, para os clientes seguirem viagem de transporte público. 

“A implementação de estações GIRA próximo de hubs intermodais de transporte permite a utilização das bicicletas GIRA no first mile e last mile das deslocações. Esta proximidade facilita a transição entre diferentes modos de transporte, como o comboio, o metro ou o autocarro, tornando as viagens mais acessíveis e confortáveis, promovendo uma mobilidade mais sustentável e integrada em Lisboa”, explica a EMEL. A GIRA, especifica, tem colhido o interesse da população. Tem havido um aumento de utilização, tendo-se atingido, no ano passado, 2,77 milhões de viagens, que correspondem a 10,49 milhões de kms percorridos. Destas viagens, 94% foram realizadas por utilizadores que adquiriram passes anuais. “A elevada adesão demonstra que as bicicletas Gira desempenham um papel importante na mobilidade suave da cidade. Sendo este sistema um pilar fundamental na estratégia de descarbonização do ambiente em Lisboa”, escreve a empresa. 

Atualmente aEMEL está a avaliar soluções tecnológicas que permitam a gestão e fiscalização de locais de estacionamento, incluindo bolsas de cargas e descargas, através da instalação de sensores de estacionamento e desenvolvimento de um sistema de verificação da ocupação e controlo dos tempos de paragem. 

Descomplicar bilhética 

A bilhética é um fator importante para facilitar a utilização do transporte público. Na invicta, o TIP – Transportes Intermodais do Porto inova desde o início do século, altura em que criou o andante, um cartão reutilizável sem contacto. Em 2019, o sistema – que interliga diferentes meios de transporte na Área Metropolitana do Porto – conheceu um novo avanço significativo, com a criação da aplicação telefónica ANDA, disponível para Android e, em breve, também para iOS. Um dos aspetos “pioneiro a nível mundial” é o facto de as validações “recorrerem a um algoritmo e o tarifário ser sempre otimizado”, pelo que, no final do mês, o que o cliente paga é “a solução mais económica de utilização”, frisa o administrador-delegado, Manuel Paulo Teixeira. Em abril, foi lançada uma nova funcionalidade da aplicação, esta disponível também para iPhone, o TOP UP, que permite fazer a leitura e carregamento dos cartões diretamente no telemóvel. Em ambas as situações, houve uma procura enorme. “Havia uma sede deste tipo de soluções e uma grande apetência”, refere.  

Aplicação ANDA está disponível para Android e, em breve, também para iOs

Com a digitalização, a bilhética, a porta de entrada nos transportes públicos, tornou-se mais simples e rápida. Segundo Manuel Paulo Teixeira, “toda a experiência de viagem tem de ser vista de forma integrada. A bilhética é um denominador comum a todos os operadores desde 2003 na Área Metropolitana do Porto”, nomeadamente na Metro do Porto, STCP (autocarros) e CP, que representam cerca de 90% das validações. 

O TIP funciona como um “laboratório no campo da digitalização” e já tem em andamento novos projetos. Está a trabalhar para abrir o leque a revendedores digitais e quer acrescentar novos meios de transporte no sistema andante. A ideia é que, para além dos cinco modos de transporte já existentes (comboio, metro, autocarros, carro elétrico e funicular), possa vir a incorporar modos suaves e táxis. Queremos trazer “mais pessoas para o sistema e a possibilidade de cumprirem nele a última milha, usando o andante para desbloquear bicicletas, trotinetes ou outros veículos de aluguer”, conta Manuel Paulo Teixeira. 

A nível nacional, a caminhada para um sistema de bilhética único já começou, com o projeto umbilhete.pt. Sob a chancela do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, está a ser criada uma base tecnológica que seja facilmente disponibilizada para os operadores e autoridades de transportes. 

Antecipar riscos 

Às cidades continuam a chegar, diariamente, milhares de pessoas, muitas vezes através das autoestradas. De acordo com a Brisa Concessão Rodoviária, os dados de tráfego junto dos sublanços de autoestadas concessionadas mais próximos dos limites dos concelhos de Lisboa e Porto apontam nesse sentido. 

No ano passado, pelos sublanços Lisboa A1 Sacavém – S. João da Talha e Lisboa A5 Miraflores (A5/IC17) – Linda-a-Velha passaram, em média, 100 679 e 150 291 veículos por dia (dois sentidos), respetivamente. No sublanço Porto A3 EN12 – Águas Santas (A3/A4) foram 137 005 veículos/dia. 

Para facilitar as deslocações, a Brisa tem investido em tecnologia, o que permite ganhos a nível de tempo, segurança e até de produtividade para o grupo. Na prática, isto traduz-se em “aplicações que nos permitem gerir a infraestrutura de uma forma inteligente, desde a monitorização das autoestradas, com deteção automática de incidentes e das condições do piso utilizando IA e laser (LIDAR), bem como soluções que nos permitem antecipar situações de risco, efetuar intervenções de uma forma preditiva, entre outras ações mais especificas”, descreve Frederico Vaz, responsável da empresa A-to-Be. “Existem ainda aplicações utilizadas pelas nossas equipas e parceiros para operar ou intervir nas nossas infraestruturas de uma forma mais segura e eficiente, por exemplo, em atuação remota, digitalização dos processos de obra, etc.”, acrescenta. 

Entre as várias soluções desenvolvidas, está a App Via Verde Estacionar. “O estacionamento em parques já era um serviço-chave da Via Verde e a extensão para o estacionamento de rua foi um passo natural, que aproxima a Via Verde dos municípios e melhora, de uma forma universal, a mobilidade dos cidadãos dentro das cidades em Portugal”, afirma Pedro Mourisca, administrador-delegado da Via Verde. 

A App Via Verde está disponível em 58 municípios, de norte a sul do país. No ano passado, 570 mil pessoas utilizaram o serviço e este ano, até 30 de junho, 540 mil utilizadores usaram a app. 

Otimizar estacionamento para evitar emissões de CO2 

O estacionamento inteligente pode “proteger as cidades de emissões de CO2”, acredita a empresa sueca de tecnologia EasyPark, que ajuda os condutores de 25 países a gerir os seus estacionamentos e carregamentos de veículos elétricos. No caso de Lisboa, calcula, se os condutores não dessem tantas voltas para encontrar um sítio onde deixar o carro, seria possível reduzir “a emissão de 8,19 toneladas de CO2 anualmente”. 

Para mudar cenários como este, os “dados” são essenciais, pois só através da avaliação correta das situações e do seu impacto é que as cidades poderão avançar para as soluções adequadas, diz Jennifer de Sousa, diretora para Portugal do EasyPark Group, explicando que ainda há muitas decisões a serem tomadas baseadas em “opiniões” em vez de dados rigorosos e objetivos. 

Há muitas cidades, continua, que “falam em ampliar o estacionamento, mas primeiro é preciso otimizar o que temos. E, a nível europeu, isto ainda não está otimizado, ainda temos de trabalhar sobre isto”, refere. É aqui que a tecnologia pode ajudar, pois permite uma “visão global” sobre o problema. 

Segundo a diretora para Portugal do EasyPark Group, existem várias ferramentas que ajudam as cidades a gerir o estacionamento. As informações que recolhem vão desde as receitas ao mapeamento dos lugares existentes, a sua ocupação e rotatividade. Outra tecnologia, que está a ser usada noutros países, mas ainda não em Portugal, está instalada em viaturas que percorrem as ruas a “scanear” as matrículas, para saber quais os veículos que não têm o estacionamento pago. “É importante, porque sabemos que existe uma forte ligação entre a fiscalização do estacionamento e a rotatividade”, nota Jennifer de Sousa. 

Em Portugal, a EasyPark tem projetos nas cidades de Lisboa, Tavira, Chaves, Macedo de Cavaleiros, Loures, Lagos, Sintra, Portimão, Faro, Mafra, Albufeira, Porto Oeste, Almada e Pombal. Seguem-se Olhão e Mangualde. Perspetiva-se que até ao final do ano esteja presente em 30 cidades portuguesas. 

 


Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 44 da Smart Cities – julho/agosto/setembro 2024.