Contrariando a interioridade, o Fundão foi reconhecido, no Portugal Smart Cities Summit, como “o município mais inovador e smart” do país. Paulo Fernandes, presidente da câmara municipal, reforça como as políticas públicas de inovação social têm sido determinantes para alcançar o objectivo de tornar o Fundão numa “casa para as tecnologias de informação e comunicação” (TIC).
Em 2017, o Fundão afirmou querer ser “uma casa para as TIC”. Em que ponto estamos relativamente a esse objectivo?
Essa nossa visão está, neste momento, ainda mais consolidada. Nestes dois anos, o nosso hub na área das tecnologias foi reforçado. Caminhamos a passos largos para ter cerca de 700 profissionais a trabalhar nessa área. À volta das empresas de maior dimensão, começamos a ser atractivos para as start-ups, sobretudo, nos sectores agrotécnico e agricultura 4.0. Atraímos empresas de corporação tecnológica nessas áreas, que também é bastante importante, e, simultaneamente, reforçámos as vertentes formativas, com formação avançada em bootcamps e também ao nível da formação social, no âmbito da comunidade, com a entrada dessa agenda de inovação tecnológica na educação. Somos o primeiro concelho do país que tem toda a escola pública com programação para crianças, a partir do primeiro ciclo. Olhando para a cadeia de valor, temos vários processos e projectos de interface em investigação e desenvolvimento, área em que nos estamos também a posicionar fortemente, fazendo a triangulação entre os politécnicos, as universidades e as empresas em sectores muito relevantes. Em fase de candidatura está a possibilidade de ter laboratórios de primeiro nível associados a vertentes importantes, como o 5G, a inteligência artificial ou a automação, que são grandes tendências e que se ligam a outras, como a segurança e o blockchain. Estamos a consolidar esse nosso ecossistema com uma taxa de crescimento de postos de trabalho que anda muito próxima de 25%, o que é explosivo e que nos vai trazendo alguma dor de crescimento.
Como se consegue tornar um concelho do interior num território tão atractivo para as novas tecnologias?
Num mundo global, não há Portugal do interior. Olhamos para o mundo como um todo e, nas novas tecnologias, o importante, em termos técnicos, é haver conectividade. Há outros factores importantes, como ter uma comunidade atractiva para o talento e um custo de qualidade de vida compatível e, aí, já estamos a tirar partido do que é o Portugal do interior. Quando olhamos para o custo de vida nos grandes centros urbanos de Portugal, percebemos que é uma oportunidade para pequenas e médias cidades do interior do país se posicionarem, atraindo jovens.
Esse é um factor que está a contribuir para atrair mais pessoas para o Fundão?
É verdade que há uma grande tendência para a concentração nas grandes cidades, mas o contraponto também é real, isto é, as pessoas procuram um estilo de vida mais sustentável, menos pressionados, numa ecologia humana mais adequada. Há muita gente que procura zonas de menor densidade para desenvolver projectos tradicionais e crescer com a sua família. As duas tendências são perfeitamente compatíveis e saber jogar com elas é hoje muito importante. Mais de 80% dos profissionais que estão neste nosso hub não têm qualquer ligação à região e há uma comunidade estrangeira crescente – temos 20 nacionalidades. Há pessoas vindas de vários continentes e que escolheram o Fundão. No mundo global, com a mobilidade de talento, o importante é que haja uma oferta integrada de serviços de proximidade, habitação a um preço competitivo, formação avançada, serviços sociais muitíssimo adequados para o que é o desenvolvimento das famílias. Tudo isto são motivações e é nesse quadro que estamos a jogar. Haverá outros municípios também muito competitivos, mas nós somos diferentes e estamos a ter bastante aceitação. As famílias e os jovens estão a vir para o Fundão com cada vez mais naturalidade.
A diferença prende-se com a aposta na inovação?
A inovação é transversal ao concelho. Quisemos trazer a inovação para as políticas públicas locais. A nossa estratégia de desenvolvimento tem a inovação como factor central, e não só a tecnológica, também a inovação social e na governança, ao abrir muito do que é o modelo de gestão autárquica. Tudo isso encaixa muito bem no posicionamento de um concelho que é conhecido por ter produtos de referência agrícola, como a famosa marca da cereja do Fundão, mas também pelo trabalho e criação de valor nas áreas tecnológicas. Para além da inovação e das marcas que aqui se criam, o Fundão é também uma terra de inclusão, sem preconceitos e onde qualquer pessoa, independentemente da sua nacionalidade, religião ou língua que fala, pode desenvolver o seu projecto de vida. É um tema muito interessante em termos de políticas públicas mais apelativas, de apoio à imigração, à inclusão, ao acolhimento de pessoas, etc., e de forma a que essa abordagem possa criar sinergias e seja ganhadora para todas as entidades envolvidas.
“Para além da inovação e das marcas que aqui se criam, o Fundão é também uma terra de inclusão, sem preconceitos e onde qualquer pessoa, independentemente da sua nacionalidade, religião ou língua que fala, pode desenvolver o seu projecto de vida”.
Considera que é mais importante esse tipo de políticas públicas do que outro, vindo do poder central, para a valorização do interior?
Quando, há seis anos, colocámos na agenda a nossa actuação, foi como puxar de um novo paradigma do que era a actuação do poder local nas regiões de baixa densidade. Fizemo-lo, claro, com algum apoio da administração central, mas não foi a partir de uma política nacional que surgiu essa oportunidade. Foi um posicionamento local e que conseguiu agregar os diferentes níveis de administração e a multiplicidade de entidades públicas e privadas, que se juntaram a esse living lab, demonstrando que é possível fazer diferente. A forma de fugir à dicotomia litoral-interior é olhar para o mundo. É o mesmo que Portugal fugir à condição de ser um país periférico na Europa – a forma de o fazer é abrir-se mais ao mundo. Podemos [escolher] ser um país periférico ou um país charneira. A forma como as regiões podem ultrapassar essas questões não é na luta dentro dessa dicotomia, mas jogar num campeonato maior, olhar para o que é o mundo e onde o nosso factor pode internacionalizar-se, o que é que temos que pode ser atractivo. Temos de olhar para o mundo como o espaço de interface das diferentes oportunidades, sendo mais competitivos ou atraindo novas actividades, como, ao fim e ao cabo, fizemos no Fundão nas TIC.
O vosso ímpeto tecnológico está a levar à implementação de soluções inteligentes na gestão municipal?
Também acelerou algumas questões ligadas à modernização administrativa. Investimos muito na vertente de inovação social, já que muitas coisas têm a ver com os modelos e processos e não tanto com a solução mais tecnológica. Nesse sentido, concentrámo-nos nalgumas coisas de modernização e lógica de gestão de dados, mas, neste momento, estamos muito virados para sectores como as políticas de saúde de proximidade ou de educação, nos quais as tecnologias de informação e os modelos organizativos têm de ser alterados. O nosso foco é inovar com as pessoas e com algumas actividades ditas tradicionais. Vejo muitos municípios muito capazes de o fazer e nós estamos atentos para, depois, aproveitar esse trabalho. Mais do que vermos o próprio município enquanto entidade administrativa para criar soluções, queremos complementar isso com o que possam ser soluções de proximidade com as pessoas e soluções para as empresas e os sectores tradicionais do país e, sobretudo, da nossa região, e na economia social, onde podemos fazer a diferença.
Foram reconhecidos, em Maio do ano passado, como o município português mais inovador e smart. Qual é o impacto desse prémio?
Costumamos brincar com a figura do smart rural, aplicando as smart cities a esta forma de criar valor com um território mais rural. Todos esses prémios são importantes porque criam um incentivo e ajudam no marketing, o que torna o nosso farol intenso para muitas empresas e muitos projectos inovadores, quer a nível nacional, quer internacional. Há uma contaminação muito positiva que nos aproxima de cumprir a nossa visão de trazer a inovação a todos os sectores, até aos mais tradicionais.