#CIDADÃO é uma rubrica de opinião semanal que convida ao debate sobre territórios e comunidades inteligentes, dando a palavra a jovens de vários pontos do país que todos os dias participam activamente para melhorar a vida nas suas cidades. As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.
Há poucos meses, e enquanto andava pelas ruas de Dublin, deparei-me com algo que me fez parar no passeio e olhar com atenção para a fachada de um prédio. Algumas pessoas ficaram algo espantadas com o facto de eu estar a olhar com tanta atenção para aquela singela parede revestida a pedra, outras ignoravam-me. Achei normal, já que o facto de aquelas lajes que embelezavam aquele prédio estarem pejadas de fósseis passava literalmente ao lado da maioria dos peões. Mero pormenor, dirão alguns, contudo, e como de costume, falta ver a questão no seu todo.
O termo “geodiversidade” surgiu no início da década de 90 do século passado e é análogo ao termo “biodiversidade”. De forma muito abreviada, a geodiversidade é a diversidade de rochas, fósseis, solos, entre outros, os quais suportam a vida na Terra.
“Não conhecer a geodiversidade tem impactos muito negativos e permanentes, desde o desperdício de materiais geológicos, à destruição de paisagens naturais, a descaracterização da(s) nossa(s) identidade(s) e, não menos importante, uma gestão e ordenamento deficientes por parte dos governantes”.
Alguns já terão ouvido esta palavra, muito por culpa dos geoparks portugueses (Naturtejo, Arouca, Açores e Terras de Cavaleiros) e do Aspiring Geopark Estrela, outros nem por isso, contudo todos vivemos literalmente em cima desta geodiversidade e fazemos uso dela todos dias, mesmo que não estejamos conscientes do facto. A geodiversidade é omnipresente em todas as sociedades e tem influência directa nos mais variados domínios, sendo parte integrante da nossa identidade. Acordamos de manhã e começamos a utilizar uma diversidade incrível de materiais geológicos, através dos instrumentos e matérias-primas que utilizamos, seja a pasta de dentes, seja o telemóvel, a bicicleta, o carro e outros mais. E, claro, a nossa casinha, que é construída com… materiais geológicos.

Imaginam o que é viver num mundo onde há uma dimensão da qual dependem, mas que, estranhamente, desconhecem? É isso mesmo que acontece, daí ser, infelizmente, natural, não sabermos gerir devidamente a nossa existência neste belo planeta. Conhecer a geodiversidade é um imperativo civilizacional e nem sequer precisam de sair de casa e ir para o monte para conhecer a geodiversidade, pois ela vê-se em todo o lado, tem cheiro, é palpável e tem sabor.
Não conhecer a geodiversidade tem impactos muito negativos e permanentes, desde o desperdício de materiais geológicos, à destruição de paisagens naturais, a descaracterização da(s) nossa(s) identidade(s) e, não menos importante, uma gestão e ordenamento deficientes por parte dos governantes.
Há alguns anos, aquando das obras de requalificação da minha vila, aconteceu isto mesmo, quando colocaram um piso de granito numa região onde o calcário é quem mais ordena. Senti-me desenraizado e isso é grave em termos de identidade. O urbanismo em Portugal ainda não chegou a um patamar de excelência. Pena que assim seja, já que o urbanismo é também identidade local, sendo esta sensível a especificidades únicas e intransmissíveis.
Da mesma forma que um agricultor conhece a terra que semeia, um gestor ou um político deve conhecer o território na sua plenitude, pois só assim conseguirá gerir e retirar dele todo o seu potencial. E, já agora, geodiversidade rima com criatividade…