Neste último mês, fui confrontado, em duas ocasiões distintas, com dois mitos populares que, a meu ver, explicam a nossa frustração perante problemas complexos.
1 – o mito de que os problemas complexos podem ser resolvidos;
2 – o mito de que essa solução pode ser imposta por decreto.
O ano de 2018 vai ficar guardado na nossa memória colectiva como o ano em que os efeitos das alterações climáticas se tornaram visíveis a todos. Desde as ondas de calor que batem recordes de temperatura até à primeira travessia do mar do Ártico por um cargueiro, parece que todas aquelas previsões quase apocalípticas se começam a tornar realidade. As conversas de rua, de acordo com uma amostra tomada no mercado do Bolhão no Porto, já reflectem essas consciência colectiva de que algo está a mudar a um ritmo acelerado. E com esta consciência, vêm as perguntas legítimas: Como podemos resolver isto e quem é o responsável por encontrar e implementar esta solução?
“(…) Quem faz das cidades inteligentes somos nós. Aqueles que nelas habitam. Portanto, em última instância, somos nós os responsáveis por manter este ciclo a funcionar e somos nós os responsáveis pela sua transformação em pequenos actos do nosso dia-a-dia”.
Ora, esta pergunta faz tanto sentido como tentar encontrar uma forma de “desfritar” uma batata frita ou “descozer” um ovo cozido. Um sistema complexo não anda para trás.
Nas narrativas mainstream, existe ainda uma ilusão de que é possível parar o processo das alterações climáticas, reduzindo CO2 da atmosfera. De que esta é uma questão técnica/tecnológica que pode ser resolvida com métodos de “problem solving” e com um acordo internacional. Claro que tudo do que se fala hoje em dia no que diz respeito a veículos menos poluentes, energias renováveis, mobilidade mais eficiente, etc., deve ser feito. Da mesma maneira que um doente que sofre de hipertensão deve ter cuidados com ingestão de sal e simplesmente deixar o tabaco. Mas isto não é suficiente se não for feito um processo de adaptação à sua nova circunstância de vida. A condição está lá e ela vai definir o resto da nossa vida.
No caso das nossas cidades, elas são alimentadas por ciclos económicos de consumo, que ainda estão fortemente alicerçadas na extracção de petróleo, nos seus derivados e, fundamentalmente, no modelo de “usar e deitar fora”, que mantém o sistema a funcionar. Tal como eu disse no primeiro episódio desta série, quem faz das cidades inteligentes somos nós. Aqueles que nelas habitam. Portanto, em última instância, somos nós os responsáveis por manter este ciclo a funcionar e somos nós os responsáveis pela sua transformação em pequenos actos do nosso dia-a-dia. O mais importante deles todos, a meu ver, é o simplesmente parar para reflectir no que vamos comprar.
Nesta curta série de crónicas sobre Cidades Inteligentes, Cidades Complexas, tentei levantar o véu sobre alguns temas que fazem parte de todo um novo corpo de conhecimento sobre teoria da complexidade e caos. O que me fascina neste tema é o facto de ser o pensamento e o método científico que nos leva ao abismo do paradoxo dos nossos tempos: ansiamos encontrar uma solução para os nossos graves problemas mas o que encontramos são centenas de pequenas soluções, cada uma, individualmente, com pouco impacto mas que, colectivamente, criam as condições para a emergência de uma sociedade menos destrutiva e mais criativa.
#CIDADÃO é uma rubrica de opinião semanal que convida ao debate sobre territórios e comunidades inteligentes, dando a palavra a jovens de vários pontos do país que todos os dias participam activamente para melhorar a vida nas suas cidades. As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.