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Ann-Kathrin Heinrich e Bruno Jardim, investigadores do NOVA Cidade – Urban Analytics Lab

O NOVA Cidade – Urban Analytics Lab, da NOVA Information Management School, coordenado por Miguel de Castro Neto, Diretor da NOVA IMS, desenvolveu um indicador de caminhabilidade para avaliar em que medida os espaços urbanos são amigos dos idosos.

O indicador foi testado na freguesia do Parque das Nações, em Lisboa e responde a duas grandes tendências globais: envelhecimento da população e urbanização (conhecido como envelhecimento urbano), que têm implicações significativas no bem-estar das sociedades e no desenvolvimento económico no século XXI. À medida que as cidades crescem, a sua percentagem de residentes com 60 e mais anos está a aumentar. De acordo com a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), as cidades acolhem 43,2% de toda a população idosa (65+) na região da OCDE (OECD, 2015). E ao longo dos últimos anos, vários estudos têm apontado que Portugal é um dos países mais envelhecido do mundo. Só no contexto europeu, um relatório do Eurostat publicado em 2020, refere que a população portuguesa está a envelhecer ao ritmo mais rápido de todos os 27 Estados-membros da União Europeia: 4,7 anos (contra a média da UE de 2,5 anos) (Eurostat, 2020).

O Censos 2021 mostra essa tendência: a percentagem da população portuguesa com mais de 65 anos é de 23,5%, enquanto a população jovem (até aos 14 anos) se situa nos 12,9%. Trata-se de dois idosos para cada jovem. 

Compreender a relação entre o envelhecimento da população e as mudanças urbanas e a necessidade de desenvolver comunidades urbanas de apoio são questões importantes para os atuais decisores políticos. Mas a mudança demográfica não apresenta apenas desafios, mas também oportunidades: o envelhecimento das sociedades pode exigir que as cidades revejam a sua conceção urbana para serem atrativas e competitivas, por exemplo, ajustando a oferta de infraestruturas públicas e reavaliando o que constitui uma estrutura urbana desejável.

Medir a caminhabilidade

O conceito de caminhabilidade refere-se ao quão amigável é o ambiente construído para os pedestres, considerando tanto as condições da rua quanto a acessibilidade a serviços essenciais (Jardim et al., 2023). Ganhou atenção significativa nos últimos anos para criar espaços públicos caminháveis e comunidades de vida ativa, dadas as amplas evidências sobre a importância de elementos do ambiente social e físico para a atividade física, mobilidade, saúde, independência e capacidade de envelhecer no local. Existem diferentes abordagens para medir a mobilidade ativa – pode ser medida usando a perceção subjetiva dos cidadãos através de questionários ou pode ser medida objetivamente.

“O indicador de caminhabilidade é desenvolvido com recurso a dados objetivos descritivos que visam captar a presença e/ou qualidade de atributos específicos ao nível da rua”, refere Bruno Jardim, data scientist no NOVA Cidade.

Os dados foram obtidos do Open Street Map (OSM) e consistem em 1.163 caminhos caminháveis divididos em pontos equidistantes de um metro, totalizando 117.638 pontos. Além disso, a equipa recolheu a localização de comodidades, serviços e pontos de interesse geral para um buffer de 1,5 km da área de estudo, bem como características do ambiente construído que caracterizam a rede em cada ponto, nomeadamente largura e declive da calçada. Os dados relativos ao declive das ruas foram obtidos a partir do Portal de Dados Abertos de Lisboa, que disponibiliza um modelo digital de elevação de Lisboa.  

“Embora o indicador tenha margem para melhorias”, sublinha Ann-Kathrin, “é uma ferramenta que fornece um método eficaz para apoiar os decisores políticos e os planeadores urbanos na avaliação dos espaços urbanos e das condições das ruas a um elevado nível de detalhe espacial.

Ann-Kathrin Heinrich, investigadora do NOVA Cidade – Urban Analytics Lab

Mas quais são as características de uma cidade ou ambiente que o tornam amigo dos idosos? Um dos referenciais mais reconhecidos é da OMS (Organização Mundial de Saúde) que determina oito  domínios da vida urbana: Espaços exteriores e edifícios; transporte; habitação; participação social; respeito e inclusão social; participação cívica e emprego; comunicação e informação; e apoio comunitário e serviços de saúde (OMS 2007).

Cada domínio lista vários recursos que são mencionados para serem amigáveis à idade. Com base nessa lista, a equipa ajustou o indicador original de caminhabilidade e apenas teve em conta as serviços que são relevantes para os idosos e para um ambiente urbano amigo das pessoas idosas comida (bares, cafés, restaurantes, gelatarias e bares), faixas para pedestres (travessia de pedestres em estradas), estacionamento (estacionamentos, entradas de estacionamento, pontos de táxi e lugares de estacionamento para bicicletas), transporte público (metro, comboio, camioneta e estações fluviais), saúde (clínicas, dentistas, hospitais e farmácias), espaços verdes (jardins, marinas, parques e parques infantis), água (rios, baias, lagos e fontes) e igrejas (igrejas, capelas).   

Indicador de caminhabilidade no Parque das Nações, em Lisboa.

“Implementámos o indicador na zona do Parque das Nações, uma freguesia de Lisboa na zona leste da cidade que foi usada para estudos semelhantes no passado”, diz Ann-Kathrin, investigadora no NOVA Cidade. Com uma área de 5,44 km2 e 22.382 habitantes (INE, 2021), o Parque das Nações resultou da antiga Expo 98 e está virado para o rio Tejo. Dentro desta área, a equipa pode calcular a acessibilidade a qualquer uma das comodidades a partir de qualquer um dos 117.638 pontos em que foi dividida a área de estudo. Se a comodidade está localizada dentro de cinco minutos de distância a pé (aproximadamente 400m) a pontuação assume o valor máximo de 1, se a distância é de 10 minutos a pontuação assume 0,50, etc. Cada comodidade foi considerada como igualmente ponderada.

A pontuação final de caminhabilidade foi calculada somando todas as pontuações para cada categoria de comodidade, juntamente com a pontuação de largura da calçada, subtraída da pontuação de inclinação que foi considerada como tendo um impacto negativo na caminhabilidade (as inclinações podem ser um grande obstáculo e risco para pessoas idosas). 

A equipa descobriu que o indicador de caminhabilidade revelou valores de caminhabilidade mais baixos em torno dos limites da freguesia, particularmente no extremo leste do Parque das Nações, na área após a ponte Vasco da Gama que, apesar de ter parques e espaços verdes abertos, inclui antigos complexos industriais, bem como uma estação de tratamento de água ativa, e está longe da maioria dos serviços e comodidades. Os maiores valores de caminhabilidade foram obtidos a norte e sul, em torno do Centro Comercial Vasco da Gama, onde muitos serviços estão localizados dentro da referência de 5 minutos, incluindo acesso a transportes públicos e grandes zonas pedonais com muitas árvores e lagos.

Fotografia de destaque: © Shutterstock

Este artigo foi originalmente publicado na edição nº 42 da Smart Cities – Janeiro/Fevereiro/Março 2024, aqui com as devidas adaptações.