Por estes dias, vários decisores públicos andam por feiras e conferências de todo o país a serem entusiasticamente contagiados pelas maravilhosas oportunidades que as novas soluções tecnológicas podem oferecer às suas cidades. As novidades são imensas e em todas as áreas. Produtos e soluções perfeitas capazes de resolver problemas crónicos ou até outros que se desconhecia ser importantes. A pressão é enorme, desde os vendedores que querem colocar a sua tecnologia, aos seus assessores e dirigentes deslumbrados e ansiosos em afirmar uma imagem de inovação e modernidade. E quem decide dificilmente não deixará de ser influenciado. Até porque os seus pares também o estão a fazer e até é politicamente errado ser percebido como estando a ficar para trás. E, assim, nascem projetos smart cities made by impulse.

A desilusão vem a seguir. Sem uma liderança firme e consistente e uma estratégia clara que defina e enquadre os objetivos e os resultados a atingir, estes projetos acabam normalmente em experiências pontuais, desarticuladas e com pouca utilidade e visibilidade entre as populações que pretendiam servir. Esta realidade tem particular importância nas cidades com forte autonomia estratégica sectorial entre os membros de executivo, onde é maior o risco de surgirem iniciativas verticais que, na ausência de um pilar integrador comum, rapidamente são esquecidas ou desvalorizadas. E o ciclo repete-se, com o lançamento de novos projetos para problemas semelhantes. Mas este ciclo não é “Smart” e comporta vários riscos.

De que vale investir na automatização de tarefas e de processos de trabalho, sem primeiro contextualizar o impacto social interno dessa medida e a consequente necessidade de reciclar profissionalmente a mão-de-obra instalada? De que vale montar um sofisticado sistema de medição de parâmetros ambientais, sem primeiro estruturar um plano intersetorial de objetivos de politica ambiental? De que vale disponibilizar um serviço móvel de gestão de ocorrências, sem primeiro melhorar e articular as capacidades internas de resposta às interações dos munícipes? De que vale adquirir uma plataforma de participação cívica, sem uma estratégia de transparência e prestação de contas de base contínua? De que vale equipamentos complexos de medição de padrões de mobilidade, se subsistirem deficiências básicas no funcionamento das redes de circulação em uso? De que valem programas de inovação social sem primeiro garantir que não redundam com ofertas locais já instaladas? Concordarão todos que são passos incompletos. E se depois os resultados não forem os esperados, é cómodo culpar a tecnologia, o projeto e os seus executores, quando o real problema pode estar na estratégia e na liderança. Ser “smart” é mais governança do que tecnologia, é mais reposicionamento do que investimento.

 Para se criar uma cidade inteligente de forma consistente, é necessário começar por partilhar uma visão, identificando os riscos e os benefícios esperados, e enquadrando as motivações e as razões para a necessidade de mudança.

A governação inteligente das cidades pressupõe o acompanhamento permanente das tendências e dinâmicas sociais para permitir quer respostas flexíveis, próximas e centradas nas prioridades dos cidadãos, quer respostas eficientes e sustentáveis em termos operacionais. E, neste quadro, já não há lugar a tibiezas ou indefinições, os projetos “Smart-City” não devem ser experiências tecnológicas de base setorial, mas antes serem instrumentos integrantes de uma estratégia de governação inteligente de base transversal definida, institucionalizada e liderada ao mais alto nível de decisão hierárquica. Ser “smart” é começar por priorizar escolhas e conceber planos de implementação baseados nas especificidades e necessidades intrínsecas de cada território. E, para tal, é mais eficaz começar por investir em competências de integração e cooperação multissetorial, do que ceder de imediato à tentação de implementar tecnologias genéricas do tipo “chave na mão” que, normalmente, possuem utilidade limitada e reduzida alavancagem ou complementaridade. E, neste quadro, saber procurar opiniões externas independentes e com comprovada experiência e capacidade crítica, quer no diagnóstico das idiossincrasias de cada território, quer na adequação das diferentes soluções tecnológicas disponíveis, é uma opção que deve ser tida em conta.

Estudos demonstram que a grande maioria dos projetos de inovação tecnológica falha por razões de natureza não técnica, nomeadamente, como resultado de insuficiente envolvimento da gestão de topo, falta de enquadramento estratégico, e planeamento e comunicação deficientes. A construção projetos “smart-city” não é uma realidade diferente. Para se criar uma cidade inteligente de forma consistente, é necessário começar por partilhar uma visão, identificando os riscos e os benefícios esperados, e enquadrando as motivações e as razões para a necessidade de mudança. Nestes termos, e porque, na grande maioria dos casos, a implementação de novas tecnologias aplicadas às smart cities está ainda num estágio inicial de evolução e a sua prioridade não é suficientemente compreendida ou valorizada cidadãos, é prudente começar por numa estratégia holística, mas com etapas e resultados intercalares que se podem ir implementando, medindo e corrigindo no próprio território, do que desenhar projetos ambiciosamente grandes e complexos mas cuja implementação se perpetua no tempo e sem benefícios visíveis que possam ir satisfazendo as expectativas que foram criadas nas pessoas.

Definidos com clareza o caminho e a direção, é necessário saber envolver e empoderar as pessoas em torno dessa visão. Em termos internos, é muito importante o processo de nomeação e comunicação das equipas responsáveis pelos projetos e a sua missão, escolhendo pessoas com níveis de autonomia, influência e atitude que sejam indutores entusiastas da construção de mudança, da eliminação de barreiras e do alinhamento permanente face aos objetivos estratégicos. Em termos externos, o fator crítico de sucesso passa por conseguir o envolvimento a alinhamento dos stakeholders da cidade com os próprios objetivos e evolução dos projetos. Educar os cidadãos para as “smart cities” é a tarefa mais complexa, mas também mais nobre e importante no processo de construção de cidades inteligentes. E porque as cidades são ecossistemas assimétricos de hábitos, interesses, necessidades e competências, este processo deve possuir diferentes abordagens de implementação no terreno.

Uma vez em curso, é necessário acompanhar a transformação, apoiando a mudança de comportamentos e a institucionalização de conceitos e processos, e continuar a medir, a avaliar e, sempre que necessário, corrigir e redirecionar o alinhamento do projeto. E, este ciclo não deve parar, pelo contrário. Sabemos que é um trabalho exigente, moroso e autocrítico, mas de que se não deve abdicar, pois esse foi o caminho percorrido pelos líderes das cidades que hoje todos querem copiar. Como dizia Winston Churchill, “aqueles que planeiam obtém melhores resultados do que aqueles que não planeiam, ainda que raramente alinhados com o planeado”.

As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.