Todos os anos, são investidos milhões de euros para repor areais, restaurar praias e dunas, bem como construir paredões e outras estruturas pesadas para proteger localidades que já se encontram ameaçadas pelo avanço do mar. No entanto, cimentar a nossa costa com estruturas em betão como resposta à perda de praias não é solução para o verdadeiro problema que existe a montante: a construção desmedida de barragens.
Existem mais de 8 000 barragens e açudes nos rios portugueses e, segundo um estudo da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), elaborado no âmbito da Rede Douro Vivo, coordenada pelo GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território, mais de 1 200 encontram-se na bacia do Douro. Muitas destas barreiras, não só estão obsoletas, como estimativas da UTAD apontam para que cerca de 25% das existentes na região do Douro estejam abandonadas. É certo que a erosão costeira está relacionada com a subida do nível médio do mar, mas, em grande parte, é também causada pelas inúmeras interrupções no curso natural dos rios, que impedem o transporte de sedimentos até à foz. Mesmo construídas a centenas de quilómetros de distância das praias, as barreiras têm um impacto muito grande no que diz respeito à sua preservação.
Na região do Douro o impacto é direto, com um decréscimo de cerca de 85% dos sedimentos que, naturalmente, iriam afluir à orla costeira. Se tomarmos como exemplo as praias do Furadouro e de Espinho, vemos que há um problema muito significativo de erosão da orla costeira, que pode a prazo levar ao seu desaparecimento. Isto porque a existência de um elevado número de barragens contribuiu para que milhões de toneladas de areia não chegassem à costa ao longo dos anos.
Isto leva-nos a concluir que, em Portugal, existe um grande desconhecimento, não só da sociedade civil, mas também do Estado, acerca dos nossos rios. Nomeadamente, sobre o impacto cumulativo da existência de tantas barragens e dos impactos ambientais que daí decorrem, o que, a longo prazo, não permite garantir uma gestão adequada dos recursos hídricos, nem a sustentabilidade económica, social e ambiental dos empreendimentos. E, quando falamos em impacto ambiental, não falamos apenas do desaparecimento das praias, mas também na descontinuidade dos ecossistemas ribeirinhos, na perda da biodiversidade e da integridade dos habitats, sendo que as barragens são responsáveis por ameaçar de forma direta ou indireta várias espécies nativas, algumas ameaçadas, como a águia-real, o lobo-ibérico, a lampreia ou a enguia.
Neste sentido, é urgente o restauro fluvial dos cursos de água degradados e a suspensão da construção de mais barragens sem utilidade comprovada. É urgente alertar os portugueses para a necessidade de ajudarem a evitar que as praias, onde vão habitualmente com as suas famílias e que são um bem natural único e acessível a todos, desapareçam, dando espaço à construção de empreendimentos exclusivos ou estruturas artificiais de proteção da costa. Como é que as pessoas se sentiriam se perdessem a praia onde mais gostam de ir?
Para combater estes problemas, é fundamental definir um conjunto de medidas. Estas passarão, no plano energético, pela promoção da eficiência energética e de fontes de energia renováveis alternativas, como a fotovoltaica, e, para a produção alimentar, de modos de produção agrícola menos intensivos em água e de sistemas alternativos de armazenamento e utilização de água, como a retenção de água nos solos, a criação de charcos e a utilização de águas residuais tratadas, ao invés da construção de mais barreiras.
Já ao nível da preservação dos habitats e da biodiversidade, seria necessário proceder ao restauro dos ecossistemas ribeirinhos, através da remoção sistemática de barreiras obsoletas, da definição e garantia de caudais ecológicos e, for fim, através da criação de um estatuto de proteção permanente de rios e troços de rios livres, garantindo as funções ecológicas que desempenham.
Neste sentido, estamos neste momento a recolher assinaturas para submissão de uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos ‘Rios Livres’ na página da Assembleia da República, que irá complementar a legislação de ambiente existente.
Tanto o Estado como a sociedade civil têm, assim, um papel fundamental na consciencialização relativamente ao tema das barragens e quais os impactos associados. É por isso que apelamos a que os portugueses participem ativamente na proteção dos rios e das praias portuguesas, intervindo com a assinatura por uma nova lei e impedindo a criação de “novas paisagens” indesejáveis.
As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.