A circularidade está na ordem do dia, mas Portugal ainda está numa fase inicial e os primeiros sinais de mudança só são visíveis em pequenos negócios. O que se sabe é que o potencial é enorme e já há quem se dedique, a tempo inteiro, a tentar desbloqueá-lo. É o caso de Lindsey Wuisan, que veio directamente da Holanda para fundar a Circular Economy Portugal, com o propósito único de alavancar esta mudança de paradigma. A Smart Cities falou com a embaixadora da economia circular em Portugal para perceber do que trata e como podemos chegar lá. Lindsey Wuisan vai marcar presença como oradora no próximo ZOOM Smart Cities, que terá lugar no Grande Auditório da Universidade Nova de Lisboa, nos dias 7 e 8 de Junho.
O que é a economia circular? Por que é tão importante?
Hoje, as pessoas agem como se fosse algo novo, mas claro que não é. Uma economia circular é algo que existe há muito tempo. É como uma mímica da natureza, dos processos naturais, quer não haja desperdício, quer o desperdício seja input para novos processos, nova vida. Estes princípios existem há séculos e, desde os anos 60 e 70, os académicos ambientais pensam em integrá-los na nossa economia, é por isso que temos ecologia industrial e simbiose industrial. Uma economia circular é basicamente construída com base nesses conceitos mais antigos, mas leva o melhor de todas as teorias e integra-o num modelo macroeconómico.
Como é que isso se materializa, no mundo real?
Tudo se resume a fabricar os produtos da forma mais amiga do ambiente possível, pelo que esse princípio tem de ser levado em conta durante a primeira fase do processo produtivo, o design dos produtos, com a qualidade dos materiais, a utilização de energia renovável, um cuidado com a biodiversidade, etc. Na segunda fase [do processo produtivo], os fabricantes têm de considerar o tempo útil de vida dos produtos, pelo que o objectivo deve ser permitir que um produto possa ser utilizado durante o maior período de tempo possível, em vez de nos encontrarmos perante uma situação de obsolescência planeada. Empresas como a Apple fabricam os seus produtos de tal forma que duram dois anos e depois estragam-se, não podemos repará-los e temos de comprar um novo. Isso é, obviamente, linear. Numa economia circular, os produtores fabricam os seus produtos para que estes durem mais. Numa terceira fase, os fabricantes podem tentar atingir circularidades, ou modelos de negócio circulares, ou modelos de negócio inovadores, sendo que, em vez de vender um produto, podem vender um serviço ou uma performance, tal como fazer leasing de máquinas de lavar roupa – não precisamos verdadeiramente de uma máquina de lavar roupa em si, precisamos da função, de roupa lavada – ou carsharing. (…) Para sumariar, uma economia circular é um modelo macroeconómico para desenhar a nossa sociedade de modo a que haja menos desperdício ou desperdício zero, baseado na produção e consumo sustentáveis.
Como é que uma economia circular pode ser atractiva para os modelos de negócio tradicionais, de modo a que estes queiram efectuar a transição?
Bem, empresas são empresas, precisam de apresentar lucros aos accionistas. Portanto, é importante mostrar que é possível reduzir o consumo material, por forma a utilizar os recursos de uma forma mais eficiente e a não produzir desperdício e provocar emissões e, ao mesmo tempo, manter ou até melhorar a quota de mercado e oferecer melhores serviços aos consumidores. Estas são motivações económicas para as empresas investirem na economia circular, porque dizer-lhes que é bom para o ambiente não vai convencê-las, infelizmente.
Há interesse por parte da economia portuguesa e das empresas nacionais em fazer a transição?
Penso que a situação é difícil aqui, por causa da crise. Há muitas empresas a tentar sobreviver e não há um grande orçamento para investir em sustentabilidade, mas é por isso que é importante mostrar que investir numa economia circular não custa só dinheiro, mas também pode gerar receitas extra, de diferentes formas.
Mas qual é a situação por cá?
[Portugal] ainda se encontra numa fase muito inicial, as empresas ainda têm dificuldades em alcançar, em compreender, em investir na sustentabilidade tradicional. Há um longo caminho a percorrer e é importante começar com pequenos passos. As empresas não têm de tornar-se completamente circulares de uma só vez, pois isso é uma mudança demasiado grande para muitas que ainda têm um carácter muito tradicional. É por isso que cooperamos, maioritariamente, com empreendedores pequenos e criativos. São mais flexíveis, mais abertos, mais inovadores, são os líderes que mostram que é possível, mas, claro, estão num segmento diferente, em relação às grandes empresas industriais.
*Esta entrevista resultou de duas conversas realizadas com Lindsey Wuisan, a primeira em Outubro de 2016 e a segunda em Janeiro de 2017.