O CineEco, festival internacional dedicado à temática ambiental, que decorre em Seia, na Serra da Estrela, vai este ano para a 30ª. edição. Para além de uma ampla seleção de filmes nacionais e internacionais – este ano foram a seleção cerca de 1700 obras – o evento promove sessões de debate, um mercado de cinema, e várias exposições sobre a temática ambiental.
A pouco mais de dois dias do arranque do festival, Tiago Alves, um dos curadores do evento, esteve à conversa com a Smart Cities. O jornalista, divulgador e programador de cinema falou sobre uma nova temática ambiental, que surge no âmbito da programação deste ano.
Ao traçar o trabalho desenvolvido na preparação desta edição, lembrou a importância do programador histórico Mário Branquinho que ajudou a concretizar a 30ª. edição do festival.
Que principais temáticas ambientais serão abordadas nesta edição?
Este ano coloca-se uma nova questão que, em boa verdade, é a primeira vez que ela surge com relevância, que é o estatuto jurídico das entidades naturais: dos oceanos, do mar, mas também dos rios. Depois, temos problemas ecológicos relacionados com o modo de vida das cidades. A paleta é muito diversa. Permite-nos ir ao México, ao Alasca ou à Nova Zelândia. Todos os continentes estão representados, com uma maior presença de narrativas europeias, que nos são mais próximas.
Nas 64 obras cinematográficas de 27 países, há uma outra preocupação, a de procurar que espécies animais sejam relevantes em determinadas narrativas. Existem filmes onde a baleia, o urso, o lobo e o leopardo das neves são verdadeiramente protagonistas. Temos neste CineEco filmes que observam os lobos em habitat selvagem de uma forma que nunca vimos. Há surpresas que podemos descobrir através de abordagens muito particulares e muito específicas, mas que constrói um mosaico que pretendemos que seja o mais global possível.
Que surpresas foram preparadas para esta edição ?
Esta edição tem dois filmes, na abertura e no encerramento, que são propostas muito radicais quando falamos de problemáticas ambientais. Uma do ponto de vista filosófico e onírico, que é a Pedra Sonha dar Flor, do Rodrigo Areias, um filme que está em exibição nos cinemas e que vai ser apresentado na noite de abertura do CineEco, em cineconcerto. É uma obra muito interessante no actual momento do cinema português porque propõe-nos uma visão cinematográfica sobre toda a escrita de Raul Brandão. Raul Brandão é um escritor que percebeu no seu tempo, em meados do século passado, uma série de problemas relacionados com as classes mais pobres, com o capital, que hoje são muito presentes. É uma forma de, através de um filme visualmente espantoso, olharmos para este pensamento de Raul Brandão. É também uma forma de olharmos um território, porque ele é filmado na Laguna de Aveiro, Murtosa, Estarreja e Ovar, que tem uma dimensão cénica muito relevante na história.
No final, vamos estrear em Portugal o Nuclear Now que é um documentário de Oliver Stone, que chegará aos cinemas dentro de dois meses. É um filme com uma visão sobre a energia nuclear totalmente radical, inclusive desafiando muitos dos pressupostos que sustentam uma visão mais ecológica ou uma agenda mais ambientalista. É um filme que nos diz que a energia nuclear é a melhor energia que temos à nossa disposição para encarar os problemas de sustentabilidade do planeta. Acho que são duas apostas de programação muito fortes nesta trigésima edição.

Tiago Alves, um dos três curadores do festival
A temática ambiental tem feito parte de novas produções nacionais ?
Nos últimos anos, há cada vez mais realizadores, sobretudo nas curtas metragens de língua portuguesa, que refletem isso. É mais evidente no Brasil, obviamente, porque há todo um pensamento cinematográfico que desde há vários anos se aproxima das comunidades nativas, que reflete também sobre as questões da colonização, pós-colonização e descolonização, que nos dizem muito respeito.
O que acontece muitas vezes nesta seleção de filmes de língua portuguesa é que encontramos filmes estreados em grandes festivais. Temos aqui, entre as curtas e longas, filmes que já fizeram um percurso, ou no Festival de Cannes, ou no Festival de Veneza, e esse também é um critério de seleção.
Nem só de cinema se faz este festival. Que outras atividades vão fazer parte da programação deste ano?
Uma grande novidade é o primeiro mercado de filmes na história do CineEco. É um mercado que vai reunir universidades e trazer alunos que filmaram curtas metragens académicas, focadas nesta agenda ambiental que interessa ao CineEco. Vai permitir uma partilha de experiências, filmes, narrativas, encontros entre professores, alunos e convidados do CineEco, para desvendar o pensamento e a visão artística desses jovens realizadores.
Depois, as conversas de Jardim são uma novidade recente que vamos aprofundar nesta trigésima edição. São encontros em momentos chave em que nos agrupamos três, quatro, cinco convidados que naquele momento estão no festival. O objetivo será fazer uma reflexão mais livre, nestas conversas de jardim, que não passam apenas pelo debate sobre um filme, mas ter uma conversa mais transversal a diversas temáticas ou a diversos pontos de interesse.
De que forma a atual equipa de curadores conseguiu dar continuidade ao trabalho deixado pelo programador histórico, Mário Branquinho ?
É muito adequado lembrá-lo na trigésima edição. O Mário foi decisivo na história do CineEco porque sustentou o festival desde que ele existe, mas foi também decisivo na orientação que nos deu, nos ensinamentos que nos transmitiu em relação àquilo que se pretendia. Acho que hoje estamos a fazer um trabalho que tem outras dimensões, tem novas dinâmicas, tem o nosso dedo e a nossa marca, mas é uma consequência daquilo que o Mário Branquinho já tinha pensado há dois, três anos para uma edição 30 do CineEco.
“A longevidade do CineEco traduz-se numa visão que foi original e que foi sendo reforçada pelas piores razões ao longo do tempo. Há um lado muito pioneiro no CineEco, a nível nacional, mas também a nível internacional, porque é dos primeiros mundialmente dedicados à temática ambiental, a questões de sustentabilidade. ”
O CineEco é um festival que consegue comunicar para fora e sair do meio em que está inserido ?
É um trabalho que estamos a querer aprofundar. O CineEco tem uma boa tradição de levar a sua programação a outras cidades, mas o que pretendemos é comunicá-lo para o país e tentar mobilizar outros espectadores a Seia. Diria que esse é um trabalho em progresso, portanto não está concluído. Não estamos num lugar satisfatório, queremos atrair mais pessoas, despertar a curiosidade de espectadores de cinema para esta temática.
O que explica a longevidade do CineEco?
A longevidade do CineEco traduz-se numa visão que foi original e que foi sendo reforçada pelas piores razões ao longo do tempo. Há um lado muito pioneiro no CineEco, a nível nacional, mas também a nível internacional, porque é dos primeiros mundialmente dedicados à temática ambiental, a questões de sustentabilidade.
A grande questão que se colocava há 29 anos, quando o CineEco começou, era a reciclagem. Hoje, a diversidade de problemas é extremamente complexa. Por más razões, o CineEco ganhou relevância, abordando os piores problemas com os quais lidamos, com uma perspetiva muito interessante, ou porque as reflete, documenta, ou porque propõe claramente uma outra visão e uma outra forma de viver. Muitos dos filmes que propomos, e essa é a chave na nossa programação, são filmes que também têm pistas, sugestões ou propostas transgressoras de mudança do nosso comportamento e da nossa forma de viver.
O que é que o público pode esperar desta edição?
Acho que pode esperar a edição mais completa do ponto de vista das propostas artísticas que vamos apresentar. A trigésima edição, no fundo, celebra este tempo do CineEco com uma diversidade maior de propostas que cabem dentro de uma semana de cinema. Depois vai, obviamente, contar com uma cidade como Seia, que tem uma escala humana e que sabe receber. Isso torna o festival muito mais especial em relação a outros que acontecem num espaço urbano, que não tem a mesma proximidade ou a mesma serenidade.