Entrevista do Ponto de Contacto Urbano nacional da EUI (Direção-Geral do Território) a Jorge Almendra (VITRUS Ambiente) e Susana Falcão (Laboratório da Paisagem de Guimarães), sobre a experiência de intercâmbio da cidade portuguesa de Guimarães com a cidade maltesa de Rabat, no âmbito da Iniciativa Urbana Europeia (EUI).
A cidade de Guimarães está a reforçar o seu compromisso com a transição climática urbana através da cooperação europeia, apostando na aprendizagem entre pares como uma via concreta para transformar políticas e práticas. No âmbito da Iniciativa Urbana Europeia (European Urban Initiative, EUI), Guimarães participou recentemente num intercâmbio com a cidade de Rabat, na Região Ocidental de Malta, centrado no desafio da mobilidade urbana sustentável. Esta troca de experiências revelou não só pontos comuns — como os constrangimentos dos centros históricos ou o uso excessivo do automóvel —, como também oportunidades de evolução a partir de abordagens complementares.
Mais do que partilhar soluções, Guimarães procurou, neste intercâmbio europeu, sobretudo aprender. Aprender com um contexto diferente, com dificuldades semelhantes, e testar novas formas de melhorar o envolvimento dos cidadãos, das escolas e das instituições no caminho da sustentabilidade. A cidade levou consigo a experiência do seu modelo de ecogovernance e do envolvimento das comunidades locais em projetos como o Bairro C, mas regressou com a certeza de que há muito a construir em rede. Este espírito de colaboração mútua está no centro dos Intercâmbios entre Cidades promovidos pela Iniciativa Urbana Europeia.

A EUI é um instrumento essencial da Política de Coesão da União Europeia, para apoiar as cidades na resposta aos desafios urbanos, promovendo a inovação, a integração e o reforço de capacidades. Entre as oportunidades de capacitação disponibilizadas no atual período de programação (2021-2027), destacam-se os Intercâmbios entre Cidades (City-to-City Exchanges, ou C2C), uma modalidade de aprendizagem entre pares que aproxima autoridades urbanas de diferentes Estados-Membros da UE, proporcionando-lhes a oportunidade de colaborar, partilhar conhecimento e cocriar soluções nos domínios do desenvolvimento urbano sustentável.
A lógica destes intercâmbios é simples e eficaz: uma ‘cidade requerente’, que enfrenta um desafio concreto, liga-se a uma ‘cidade par’, com experiência comprovada nesse domínio, para uma ou mais visitas técnicas de curta duração. As visitas podem ter entre dois a cinco dias e envolver até três rondas, ao longo de cinco meses. Os temas são definidos pelas próprias cidades e refletem os seus contextos locais — desde a mobilidade urbana à regeneração de bairros históricos, da adaptação climática à inclusão social.
Perante o interesse crescente demonstrado por autoridades urbanas de toda a Europa, a EUI optou por manter este concurso permanentemente aberto. As candidaturas podem ser submetidas em qualquer momento do ano, sendo avaliadas de forma contínua. Desta forma, as cidades podem alinhar a sua participação com os seus calendários estratégicos, aumentando a pertinência e o impacto dos intercâmbios.
Para facilitar este processo, a EUI criou já este ano um novo Serviço de Assistência, que acompanha estreitamente as autoridades urbanas em todas as fases de preparação da sua candidatura às City-to-City Exchanges. Este apoio é particularmente recomendado para cidades de menor dimensão, de regiões em transição ou que estão a dar os primeiros passos na cooperação europeia.
O apoio inclui verificação de elegibilidade, orientação metodológica, revisão técnica e, sobretudo, apoio ao matchmaking entre cidades — um aspeto crítico do processo. Esta componente de emparelhamento entre cidades é facilitada pelo Urban Matchmaker na plataforma Portico, mas também com o apoio direto da equipa de capacitação da EUI e do Ponto de Contacto Urbano nacional (UCP Portugal).
Portugal tem demonstrado um forte interesse nestes intercâmbios, com várias cidades ativamente envolvidas. Braga, Cascais, Lousada, Beja, Coimbra e a freguesia de Fânzeres e São Pedro da Cova, no município de Gondomar, são alguns exemplos. Estas participações cobrem uma vasta gama de temas e formatos de intercâmbio: Braga e Avellino (Itália) partilharam experiências em turismo sustentável; Cascais e Tampere (Finlândia) trocaram abordagens em adaptação climática; Beja colaborou com Novo Mesto (Eslovénia) sobre regeneração urbana; Coimbra trabalhou com Murcia (Espanha) e Perugia (Itália) na área da gestão de resíduos.
É neste contexto que se enquadra o intercâmbio entre Guimarães e Rabat. A definição do desafio, a estratégia de cooperação e a organização das visitas contaram com o apoio de Maria João Rauch, perita com mais de 30 anos de prática no apoio a cidades e regiões europeias. Atualmente gestora da United Nations Sustainable Development Solutions Network (SDSN) Portugal, no CEiiA – Centro de Engenharia e Desenvolvimento, é também perita da EUI e do Programa URBACT. Com profundo conhecimento da realidade de Guimarães e Rabat — fruto da sua experiência de três anos em Malta como assessora governamental —, a sua vasta experiência em redes de cidades e desenvolvimento local integrado reforçou a qualidade e o impacto deste intercâmbio.
À medida que novas oportunidades da EUI se abrem, os municípios portugueses têm hoje uma excelente janela de oportunidade para reforçarem a sua ação estratégica, aprenderem com outras realidades urbanas e estabelecerem colaborações com impacto. A participação nos Intercâmbios entre Cidades não exige projetos complexos nem grandes equipas técnicas: exige vontade, clareza nos desafios a enfrentar e abertura para cooperar. O exemplo de Guimarães demonstra que estas iniciativas podem ser adaptadas à escala de qualquer autoridade urbana portuguesa e transformadas num processo de capacitação com resultados concretos. Candidatar-se é simples, o apoio é dedicado e personalizado, e os benefícios são duradouros — para o território, para as equipas e para os cidadãos.
Nesta entrevista conduzida pelo Ponto de Contacto Urbano nacional da EUI, da Direção-Geral do Território, a Jorge Almendra, da VITRUS Ambiente, e Susana Falcão, do Laboratório da Paisagem de Guimarães, partilham as motivações, as aprendizagens e a ambição com que a cidade participou neste processo. O intercâmbio com Rabat revelou desafios e afinidades entre cidades aparentemente distantes, e confirma que a cooperação europeia pode ser um motor essencial para a inovação urbana, assente em redes e parcerias, conhecimento partilhado e soluções ancoradas no território.
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Guimarães e Rabat: construir alianças para a neutralidade climática
Como surgiu a oportunidade de Guimarães participar neste intercâmbio com Rabat no âmbito da Iniciativa Urbana Europeia (EUI)? Que motivações estiveram na origem da candidatura e como é que esta se alinhou com os objetivos estratégicos da cidade, nomeadamente no quadro da Missão Cidades Climaticamente Neutras?
Jorge Almendra e Susana Falcão: A candidatura foi motivada pelo firme compromisso de Guimarães com a ação climática e pela convicção de que a cooperação internacional é essencial para acelerar a transição das cidades rumo à neutralidade carbónica.
Esta participação alinha-se de forma clara com os objetivos estratégicos de Guimarães, em particular no quadro da Missão das 100 Cidades Climaticamente Neutras até 2030, promovida pela Comissão Europeia. Sendo Guimarães uma das cidades selecionadas para esta missão, a criação de sinergias com outras realidades urbanas é vista como uma via essencial para testar soluções, inspirar políticas públicas e reforçar a capacidade de resposta da cidade aos desafios da sustentabilidade urbana.
Mais do que partilhar aquilo que já foi feito, este intercâmbio tem permitido a Guimarães aprender com contextos diferentes, explorar abordagens alternativas e reforçar a sua própria capacidade institucional. A troca de experiências com Rabat, por exemplo, revelou-se particularmente rica no domínio da mobilidade urbana, permitindo reconhecer não só as semelhanças estruturais entre ambas as cidades — como os centros históricos com malhas urbanas estreitas e o elevado uso do transporte individual —, mas também identificar oportunidades para adaptar e implementar medidas que promovam modos de mobilidade mais sustentáveis e inclusivos.
Projetos como este reforçam a dimensão colaborativa da transformação urbana, permitindo criar redes de confiança entre cidades, fortalecer o diálogo entre stakeholders e potenciar soluções inovadoras através da partilha de conhecimento.
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Reflexões cruzadas: o que Malta ensinou a Guimarães sobre mobilidade urbana
Quais foram os principais desafios e aprendizagens resultantes da visita a Rabat, em Malta? Que aspetos da realidade maltesa tiveram maior impacto na equipa de Guimarães e de que forma essa experiência foi relevante para a reflexão sobre a própria mobilidade urbana local?
Após a visita a Malta fica a noção de que Guimarães tem sabido dialogar e criar sinergias para crescer, mesmo ao nível de um dos seus indicadores mais complexos – a mobilidade, algo que ainda não acontece na realidade maltesa. Rabat tem inúmeros desafios a ultrapassar, porém o desafio maior, e talvez o mais urgente, seja o desenvolvimento de um trabalho colaborativo entre todos os stakeholders. Todos são capazes de identificar o que é melhor para a cidade, mas fica a sensação de não estarem a conseguir trabalhar de forma articulada.
Para além disso, Rabat é uma cidade com um vasto património histórico, cuja malha urbana é marcada por ruas e estradas bastante estreitas. A oferta de estacionamento é extremamente limitada e, de acordo com as autoridades locais, não é viável a construção de novos parques de estacionamento, devido ao seu passado milenar e às restrições associadas a possíveis escavações em áreas de valor arqueológico.
Uma das principais preocupações manifestadas pelas autoridades de Rabat, e que foi possível constatar durante a nossa visita, é a utilização massiva de veículos particulares tanto por residentes como por turistas. Isto acontece mesmo com a gratuitidade dos transportes públicos rodoviários, revelando a dificuldade em incentivar a adoção de modos de transporte mais sustentáveis.
De forma semelhante, Guimarães, especialmente no seu Centro Histórico e zonas envolventes, apresenta uma rede viária composta por ruas estreitas que continuam abertas ao tráfego automóvel, sem quaisquer restrições significativas. Apesar dos esforços e investimentos realizados pelo Município de Guimarães na melhoria da rede de transportes públicos nos últimos anos, o automóvel particular continua a ser a principal escolha de mobilidade dos cidadãos.
Durante as visitas e trocas de experiências, foi sugerido que a cidade de Rabat deveria considerar a implementação de medidas e restrições ao tráfego, com o objetivo de promover a adoção de modos suaves de mobilidade, como o uso da bicicleta e as deslocações a pé.
De salientar, que tanto os representantes de Guimarães como a perita da EUI envolvida no projeto, Maria João Rauch, sublinharam a importância de envolver todos os agentes relevantes no processo de decisão. Destacaram ainda a necessidade de fomentar a participação e corresponsabilização da comunidade, tomando como exemplo a abordagem de ecogovernance adotada no desenvolvimento do Bairro C, em Guimarães.
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Educação ambiental e participação cidadã: práticas de Guimarães que inspiram
Que elementos do modelo de Guimarães considera terem gerado mais interesse ou impacto junto dos parceiros malteses durante a visita de intercâmbio? Houve alguma solução, ferramenta tecnológica ou prática de governança participativa que tenha suscitado particular entusiasmo ou que esteja já a ser considerada para replicação?
Da visita à Guimarães foi possível compreender que ferramentas como o Programa de Educação Ambiental nas escolas e o sistema de governança em que os cidadãos são envolvidos nas tomadas de decisão e na criação de planos de ação foi o que suscitou maior interesse pela comitiva maltesa. A preocupação constante de Guimarães em mobilizar e envolver os cidadãos nas questões da cidade e através dessa participação conseguir uma maior consciencialização ambiental e uma efetiva alteração de comportamentos foi percecionada pela comitiva maltesa como a chave para o sucesso das mudanças territoriais.
Durante a estadia em Rabat, o CEiiA, nas diversas reuniões que foram promovidas, realizou, também, a demonstração e aplicação da plataforma AYR, que despertou o interesse das autoridades locais e do Conselho Regional de Rabat. O principal foco da aplicação seria promover o uso da bicicleta, especialmente nas escolas e entre os jovens da comunidade.
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Mobilidade sustentável: a força da colaboração entre sectores
Na vossa perspetiva, que papel desempenhou a abordagem participativa e a articulação entre entidades públicas, privadas e da sociedade civil no sucesso desta troca de experiências? Que conselhos dariam a outras cidades interessadas em promover intercâmbios semelhantes no domínio da mobilidade sustentável?
A abordagem participativa e a articulação entre entidades públicas, privadas e da sociedade civil foram absolutamente centrais para o sucesso desta troca de experiências. Em Guimarães, temos vindo a consolidar um modelo de governança colaborativa, onde os cidadãos, as instituições e o tecido empresarial são parte ativa no desenho e implementação de soluções para os desafios da cidade. Esta cultura de participação permitiu que, no contexto do intercâmbio com Rabat, apresentássemos uma visão integrada da mobilidade sustentável — não apenas enquanto plano técnico, mas como um processo social e inclusivo.
Durante a visita da comitiva de Rabat, foi precisamente esta articulação que mais despertou interesse: o envolvimento direto das escolas através de programas de educação ambiental, os mecanismos de escuta ativa à população, e o trabalho conjunto com associações e empresas na construção de planos de ação locais. Esta abordagem gera confiança, facilita a aceitação das mudanças e assegura que as soluções implementadas respondem às reais necessidades da comunidade.
A mobilidade sustentável é um desafio transversal que não pode ser enfrentado isoladamente por uma única entidade. Exige um esforço coletivo, um diálogo constante e uma visão partilhada. E isso só é possível quando se cria espaço para que todos os atores tenham voz — desde os decisores políticos aos utilizadores quotidianos das infraestruturas urbanas.
Para outras cidades interessadas em promover intercâmbios semelhantes, o principal conselho seria: comecem por dentro. Construam primeiro um ecossistema local forte, baseado na confiança mútua, na partilha de responsabilidades e na valorização do conhecimento local. Só assim é possível beneficiar plenamente das oportunidades de intercâmbio internacional — não apenas para mostrar o que já foi feito, mas para aprender, adaptar e evoluir em conjunto com outras cidades.
Recomendamos igualmente que estes projetos sejam encarados como processos contínuos e não como eventos pontuais. O verdadeiro valor está na continuidade das relações, na criação de redes duradouras e na capacidade de transformar a aprendizagem mútua em ações concretas com impacto no território.
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Horizontes europeus: novos caminhos para a cooperação entre cidades
Que tipo de cooperação futura está a ser equacionada entre Guimarães e Rabat/Região Ocidental de Malta? Há planos concretos para dar continuidade a esta colaboração, por exemplo no quadro de um novo projeto europeu como o LIFE?
A experiência de intercâmbio com Rabat e com a Região Ocidental de Malta demonstrou o enorme potencial da cooperação internacional para a promoção de soluções sustentáveis e adaptadas aos contextos locais. A forte sintonia entre os desafios enfrentados — nomeadamente no domínio da mobilidade urbana e da valorização do património cultural e ambiental — abriu caminho a uma vontade partilhada de aprofundar esta relação.
Neste momento, estão a ser equacionadas formas de dar continuidade à colaboração através de novas candidaturas a programas europeus. A complementaridade entre as cidades é um ativo valioso, permitindo desenhar projetos-piloto que possam ser testados em contextos diversos, com transferibilidade de resultados e impacto alargado.
Está também a ser explorada a possibilidade de desenvolver ações conjuntas no âmbito da capacitação técnica das equipas municipais, da replicação de boas práticas (como a plataforma AYR ou os programas de educação ambiental) e da realização de novos encontros presenciais e online que reforcem a construção de uma agenda comum.
Guimarães acredita que estas relações devem ser estruturadas com uma visão de médio e longo prazo, baseadas na confiança e na aprendizagem mútua. Mais do que ações pontuais, o objetivo é construir uma rede sólida de cidades que, embora com realidades distintas, partilham a ambição de transformar os seus territórios com base em soluções sustentáveis, inovadoras e centradas nas pessoas.
Este artigo resulta de uma parceria com a DIREÇÃO-GERAL DO TERRITÓRIO
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