Os impactos sociodemográficos da actual revolução do conhecimento vão sentir-se com mais intensidade nas cidades e é também a estas que se exigirá uma maior e mais rápida capacidade de resposta. Elaborar e implementar uma agenda digital urbana pode ser a solução.

É hoje reconhecido que a humanidade está a atravessar uma das maiores transformações da sua História. Estudos vários indicam que se esperam mudanças mais profundas nos próximos 20 anos face às ocorridas nos últimos 300 e que a grande maioria das profissões que os nossos jovens terão ainda não foi sequer inventada. Pela primeira vez na História da humanidade, vivem e trabalham em simultâneo quatro gerações de pessoas com hábitos e perspetivas de vivenciar o mundo muito diferentes, criando hiatos intergeracionais cada vez mais pronunciados. As redes de comunidades e formas de associativismo de base local perdem capacidade de renovação e intervenção territorial à medida que as novas gerações preferem interagir através de redes e comunidades virtuais de base global e organizadas por estilos de vida, gostos e orientações pessoais.

Neste quadro, serão as cidades, e nomeadamente os grandes centros urbanos ou áreas metropolitanas, que irão observar mais drástica e rapidamente os impactos sociodemográficos desta revolução do conhecimento e, consequentemente, a quem se exigirá uma maior e mais rápida capacidade de resposta para salvaguarda a qualidade de vida das suas populações.

Mas quantas cidades estão, verdadeiramente, preparadas para esta revolução? Quantas possuem uma visão e uma estratégia claras, assumidas ao mais alto nível sobre como se pretendem posicionar nos próximos anos? Para além de projetos pontuais e de algumas experiências piloto no domínio das smart cities, quantas possuem uma verdadeira agenda política digital, discutida e aprovada pelos seus diferentes órgãos de representação eletiva?

É fácil antecipar que a governação de uma cidade inteligente, cosmopolita e humana deverá assentar, cada vez mais, no conhecimento profundo e permanentemente atualizado das idiossincrasias, comportamentos e necessidades das respetivas comunidades e territórios, o que permitará assegurar com maior eficácia os dois eixos fundamentais da sua ação executiva: 1) facilitar a vida aos cidadãos e; 2) antecipar e estar presente nos seus momentos de fragilidade.

Uma agenda digital urbana não é a digitalização dos serviços públicos, não é investir em tecnologia e modernizar o funcionamento interno. Isso são apenas instrumentos. Uma agenda digital urbana é, sobretudo, uma mudança comportamental e cultural transversal a toda a organização da cidade.

Facilitar a vida aos cidadãos é saber capitalizar as novas tendências e inovações tecnológicas para permitir modelos de gestão urbana mais eficientes, sustentáveis e que assegurem melhor qualidade de vida às pessoas, independentemente do seu nível de literacia digital. É ser uma cidade ágil, e não burocrata, que constrói pontes e elimina barreiras para oferecer aos cidadãos uma rede de serviços e equipamentos integrados e de fácil acesso. É possuir uma visão pedagógica e aberta que se preocupa em educar e preparar os seus territórios para os desafios do futuro, estimulando bons hábitos de vivência e assegurando que o desenvolvimento se faz de forma coesa e integradora. É ser uma cidade transparente que promove a comunicação com os seus cidadãos, tornando o processo de decisão um ecossistema vivo de participação e interação permanente. É saber liderar e estimular os vários eixos da sociedade civil para o trabalho cooperativo e em rede e para a convergência de esforços e atuações que maximizem o interesse coletivo. É estudar padrões e a dinâmica permanente da cidade e ter a capacidade e flexibilidade para reorientar e adequar tempestivamente a sua oferta.

Mas uma cidade desenvolvida não olha apenas em frente, ela preocupa-se, sobretudo, em estar preparada para ajudar aqueles que ficam para trás. A velocidade da evolução tecnológica acelera também o aparecimento de novos problemas e exigências a que as cidades devem saber dar resposta, nomeadamente junto dos que têm maior dificuldade em se adaptar à mudança. Antecipar e estar presente nos momentos de fragilidade é saber que a cidade é uma realidade heterógena com enormes assimetrias de competências, capacidades e níveis de dependência da ação pública. É assegurar que a transformação e evolução do modelo de funcionamento urbano respeita a identidade e especificidade dos diferentes territórios e salvaguarda as necessidades e características intrínsecas dos diferentes grupos populacionais. É saber descentralizar e priorizar investimentos e ter a coragem de rejeitar medidas que perturbem ou condicionem maior integração e a igualdade de oportunidades no acesso aos respetivos benefícios.

Assegurar estes dois eixos torna-se cada vez mais difícil tendo por base as receitas tradicionais. Para mudar o comportamento das pessoas, é necessário mudar o contexto em que elas vivem. E também é assim nos modelos de governação pública. As cidades são um ecossistema dinâmico e gigante de informação viva e hoje não é só necessário como também já é possível utilizar essa informação para seu próprio beneficio. Tal como as empresas, também as cidades têm de ter uma agenda digital que transforme a sua forma e maneira de atuar.

Apostar numa agenda digital urbana é assumir que os dados são um instrumento poderoso e a sua utilização na decisão política uma mudança de atitude e de mentalidade que se orienta pela transparência, objetividade, inovação e adequabilidade. Uma agenda digital é ouvir as pessoas, é fomentar e facilitar participação, a interação e o permanente escrutínio, mas é também sentir a cidade, medir e monitorar, de forma automática e permanente, o seu pulsar e os seus padrões de funcionamento e planear e simular, através de modelos preditivos, o impacto de decisões alternativas.

Uma agenda digital urbana é incorporar como pilar da estratégia política a utilização dos megadados, da Internet das Coisas, dos dados abertos e da cultura de integração de dados, da aprendizagem automática, não porque são a tendência do futuro, mas porque são realmente úteis e podem ajudar a melhorar a decisão política.

Uma agenda digital urbana não é a digitalização dos serviços públicos, não é investir em tecnologia e modernizar o funcionamento interno. Isso são apenas instrumentos. Uma agenda digital urbana é, sobretudo, uma mudança comportamental e cultural transversal a toda a organização da cidade. É mudar processos de trabalho e as formas tradicionais de tomada de decisão, é abrir e integrar “quintas” internas e incentivar a cooperação multissectorial, é querer ser disruptivo e orientar soluções à experiência e envolvimento do cidadão.

E, neste âmbito, não pode haver tibiezas! Uma agenda digital urbana só existe quando é claramente assumida e declarada ao mais nível da governação da cidade, quer externa, quer internamente. Ela deve ter objetivos claros e um plano estratégico para a sua implementação bem discutido e igualmente interiorizado. Deve ser transversal, com planos de ação definidos em todos os setores e áreas da governação da cidade. Deve ser publicitada e ter visibilidade, acompanhamento e escrutínio externo, e os seus responsáveis serem publicamente conhecidos e permanente avaliados. Deve ser robusta, perene e suportada numa estrutura independente e flexível para poder acomodar alterações do ciclo político ou outras mudanças conjunturais. Deve ser aberta, cooperante e articulada com o sistema educativo e cientifico e com as restantes agendas da área metropolitana onde se insere.

Em 2015, em Bogotá, capital da Colômbia, tive a oportunidade de conhecer de perto uma visão política com esta vontade, patrocínio e ambição. Uma cidade a 2600 metros de altitude com 8 milhões de habitantes e enormes assimetrias sociais e que aposta numa agenda digital para se transformar e humanizar. Para tal, criaram uma entidade independente, a Alta Consejeria Distrital de TIC, cuja visão “responderá a los desafíos de la ciudad del futuro, …., para materializar los principios del Estado Social de Derecho y alcanzando los más altos estándares de satisfacción ciudadana, siendo modelo para América Latina y el mundo”. “Bogotá es Tic” e “Tic para mietas humanas” tornaram-se slogans conhecidos pela maioria dos bogotanos e que vi bem afirmados em muitos pontos da cidade.

É uma agenda como esta que defendo para a minha cidade. A transformação que o mundo está a vivenciar é irreversível e acelerada. Facilitar a vida aos cidadãos e estar presente quando necessitam de apoio é uma missão cada vez mais complexa e exigente. Não há tempo a perder. Como afirmou J.F.Kennedy, “a mudança é a lei da vida. Aqueles que apenas olham para o passado ou para o presente irão, com certeza, perder o futuro”.

As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.