Dar vida ao oceano e, ao mesmo tempo, viver para ele tornou-se a razão de ser de Raquel Gaspar, bióloga e fundadora da Ocean Alive, uma ONG dedicada à proteção das pradarias marinhas. Se em menina ficava deslumbrada com as aventuras de Jacques Costeau, hoje é ela que inspira gerações para a defesa dos mares. 

Imersa em pensamentos, provavelmente relacionados com o oceano, Raquel Gaspar tinha acabado de participar numa conferência quando, subitamente, foi abraçada por uma mulher. Queria dar-lhe os parabéns pelo trabalho em prol das pradarias marinhas, mas também dizer-lhe que a filha, de 16 anos, sonha ser bióloga marinha e já a encara como um exemplo. “Ser uma inspiração, tal como me aconteceu com os documentários do capitão Costeau, enche-me de orgulho”, conta, enquanto recorda as histórias do explorador francês que lhe ditaram o destino em menina, quando ainda vivia nos arredores de Leiria. “Foi graças a ele que percebi o que queria fazer e desde então nunca mais larguei essa ideia”, revela.

Outros momentos e geografias marcantes se seguiram, como o dia em que viu o filme “Vertigem Azul”, durante um estágio em França, ou a temporada que passou nos Açores a bordo de um veleiro dedicado à proteção das baleias. Mas foi o Sado que lhe moldou a vida para sempre, primeiro quando fez o doutoramento sobre os golfinhos do estuário e, mais tarde, ao fundar a Ocean Alive, faz agora 10 anos. “Foi quando percebi que para salvar os golfinhos tinha de recuperar pradarias, sempre com a intuição de envolver as pescadoras e mariscadoras locais”. Chamou-lhes Guardiãs do Mar e ajudou a fortalecer um empoderamento feminino numa atividade dominada por homens, mas garante que também recebeu muito. “Uma das maiores recompensas que tive foi a sabedoria que aprendi com estas mulheres, ao ajudaram-me a entender como a natureza fala través dos seus sons”, explica.

Tanto Raquel Gaspar como a Ocean Alive ganharam vários prémios, mas o sonho da bióloga marinha esteve prestes a afundar quando a pandemia lhe deixou oito euros no banco e um mar de lágrimas. “Chorei muito, mas percebemos que nunca devemos desistir de lutar, agarradas ao lema que ainda hoje seguimos: juntos podemos reflorestar o mar”. Na última década, começou por descobrir o estuário de máquina fotográfica na mão, depois quis mergulhar para ver as pradarias, e hoje diz que gosta de “sobrevoar o Sado com olhos de águia”. Em breve, o projeto vai chegar às rias de Aveiro e Formosa e também já inspira mariscadoras da Galiza, mas, enquanto isso, procura novos modelos de financiamento para as Guardiãs do Mar e um raio de ação mais alargado. “Além das pradarias marinhas, também nos queremos dedicar aos sapais e aos recifes naturais de ostra, ou seja, aos três grandes motores deste avião, o Sado, que fazem dele o estuário do país mais rico em biodiversidade”. 

E que futuro vê para os oceanos? “Acredito que as comunidades locais serão guardiãs do mar de que dependem. Tenho a visão de que as profissões do mar irão restaurar o mar. Numa escala maior, o futuro do oceano vai precisar da mão da natureza para alavancar grandes mudanças na ação do homem”, revela. Do que depender de Raquel Gaspar, nunca faltará um grupo de mulheres, de mangas arregaçadas e olhos no Sado, decididas a protegê-lo.


Este artigo foi originalmente publicado na edição n.º 46 da Smart Cities – janeiro/fevereiro/março 2025