Uma fotografia capturada pela sonda Voyager 1 imortalizou a Terra como um pálido ponto azul na vastidão do sistema solar. A imagem foi usada por Ricardo Conde, presidente da Agência Espacial Portuguesa, para falar aos estudantes do Sustainable Living Innovators sobre a importância de se usar a tecnologia para cuidar do nosso planeta e para tomada de consciência para as questões da sustentabilidade.

A foto foi capturada a pedido do astrónomo Carl Sagan, em 1990, a 6,4 mil milhões de quilómetros de distância: “A Terra surge como uma pequena partícula de pó. Dá-nos a noção da nossa fragilidade e a importância de usarmos a tecnologia para cuidar da nossa casa”, disse o presidente da Agência Espacial Portuguesa, conhecida como PT Space. “O Espaço encerra sempre a perspetiva de algo que nos inspira. Vão encontrar-se aqui com o vosso futuro”, sentenciou, frente aos 23 estudantes, do ensino secundário e do superior, em formação no programa do CEiiA Sustainable Living Innovators (SLI), em Matosinhos. “A sustentabilidade é algo que vos preocupa, mas a que o Espaço dá resposta”, avisou, no início da sessão.

Foto tirada da Voyager 1 na qual se vê a Terra, um pálido ponto azul

Olhando para o futuro é preciso perceber a nova corrida espacial, já em aceleração. “A grande ambição do homem no programa Apollo era pisar a Lua. A ambição continua a ser voltar à Lua, talvez com umas cores diferentes e em permanência”, precisou o presidente da PT Space.

Objetivo: permanecer em órbita

De acordo com Ricardo Conde, conseguiremos mover uma boa parte dos recursos para o Espaço até ao final desta década, marco para o qual concorrem algumas dimensões já em desenvolvimento e que permitirão a permanência em órbita.

O primeiro desses aspetos é o do acesso ao Espaço, cujo sucesso está condicionado pelo custo “É cada vez mais acessível”, lembrou o presidente da agência espacial portuguesa, apontando a capacidade da nave da empresa norte-americana SpaceX, a Starship, colocar 100 toneladas de material em órbita.

“Lançar um satélite vai estar ao nível de mandar hoje uma encomenda. Vai mudar as rotinas”, estimou. Sucederá no Espaço o mesmo que aconteceu quando os negócios da internet surgiram, no início do século, e toda a gente pensou que seria um El dorado: apenas sobreviveram umas dez empresas.

A logística orbital e suborbital é o futuro do transporte expresso e essencial para aumentar a permanência no Espaço. “Há uma perspetiva de desenvolvimento de muitas dimensões até ao final de 2030”, enfatizou Ricardo Conde. Quando a Estação Espacial Internacional (EEI), “o maior símbolo da cooperação internacional entre Europa, EUA, Rússia, Japão e Canadá”, for descontinuada, surgirão estações espaciais privadas. “Empresas que terão tecnologia no Espaço capaz de tornar o sonho que foi a EEI numa maior capacidade de permanecer em órbita”, explicou.

Hospitais em órbita serão também uma realidade, atestada pelos estudos que indicam a evolução de algumas doenças de forma positiva com a ajuda da gravidade zero. “As células do cancro comportam-se de forma diferente em ambientes sem gravidade, o que leva a eventuais tratamentos em órbita, por exemplo”, disse.

O fabrico em órbita, garantido o transporte e a permanência, é também uma dimensão que não pode ser descurada. “A manufatura em órbita já é uma realidade e, na próxima década, vamos ver cada vez mais a fabricação em órbita”, afirmou o presidente da PT Space.

O reabastecimento em órbita é também uma necessidade antecipada. “Muitos satélites chegam hoje ao fim da vida devido à falta de combustível. Com o reabastecimento em órbita diminuirá o lixo espacial”, objetivou Ricardo Conde, colocando ênfase na questão crítica dos detritos espaciais. “O que fizemos ao nosso oceano estamos a fazer no Espaço. Lançaram-se coisas para cima como se fosse infinito, sem política para reentrar”, lamentou, lembrando que nos próximo três anos serão lançados mais satélites do que nos últimos 60 anos. Ricardo Conde recorre novamente às palavras de Sagan: “Não há ninguém que nos venha salvar de nós próprios”.
A política de zero detritos até 2030, que implica a obrigatoriedade de haver uma política de reentrada a cada lançamento deverá travar o flagelo.

Continuando a traçar os desafios para a permanência que alterará a realidade tal como a imaginamos, o presidente da Agência Espacial Portuguesa considera que hotéis no Espaço e turismo espacial é algo que pode perfeitamente ser feito.

A maior permanência exigirá abastecimento e armazéns em órbita. “Vai haver novos negócios e serviços que nem imaginamos que existem”, referiu, concluindo os desafios para lá da linha de Kármán, o início do Espaço, com duas das motivações da corrida ao Espaço: a mineração para extração de minerais raros e a militarização do Espaço, “verdadeira motivação da Space Race 1.0. “Quem dominar o Espaço, domina a terra. É determinante para a economia do Espaço”.

Definidos os vários patamares de desenvolvimento, Ricardo Conde enumera quatro cenários possíveis no futuro. Um espaço acessível a todos, autorregulado, com milhares de satélites. “Teremos 100 mil satélites em órbita até ao final da década”, avançou o perito. Neste cenário, para lá da atmosfera terrestre, haverá paz e oportunidades.

Ricardo Conde deu uma aula a partir da Democratização do Espaço

Outro cenário possível é o do domínio do Espaço pelas grandes empresas de titãs. “Já marcaram o território e vão marcar a economia do Espaço”, caracterizou o especialista, ligado ao sector aeronáutico e espacial desde 1993, com participação em vários programas nacionais e internacionais.

Segundo aquele especialista, um outro cenário é o de potencial não realizado, frustrando as grandes expectativas para o setor. “A regulamentação impõe regras que podem ser condicionantes ao negócio”, explicou Ricardo Conde.

A militarização do Espaço é um fim de que “pouca gente fala”, mas pode ser uma realidade futura e que poderá condicionar os outros cenários todos. “Teremos no Espaço o que temos na Terra”, alertou o engenheiro eletrotécnico e de computadores.

Arranca eixo da aplicação da tecnologia espacial

Esta quarta-feira arranca a quarta linha de formação pensada para os “Innovators”, ligada à Aplicação de Tecnologia Espacial, do ponto de vista do negócio na resolução de problemas do planeta e na resposta a necessidades das pessoas. As técnicas de observação da Terra para análise da informação geoespacial a partir de sensores espaciais, diversas aplicações ligadas à agricultura e à gestão florestal, do mapeamento de carbono e biomassa à monitorização do oceano e zonas costeiras, até à fiscalização de infraestruturas críticas e energéticas são algumas das tecnologias que Nelson Pires, do CEiiA, vai partilhar com a assistência, a partir das 9.30 horas.

Como se desenvolve um lançador e para que serve são alguns ensinamentos da sessão a cargo Pedro Meireles, do CEiiA, pelas 11.15 horas.

Explorar a cadeia de valor de fornecedores, integradores, operadores e utilizadores das tecnologias do Espaço é o objetivo da quarta sessão do eixo “New space: desafios e oportunidades”, que fecha a agenda do SLI esta quarta-feira.