As soluções para um mundo melhor estão no Espaço, muitas ainda por descobrir em áreas novas de conhecimento científico e tecnológico. A convicção de Manuel Heitor, partilhada na aula inaugural do Sustainable Living Innovators, foi deixada aos jovens a indicar um vasto caminho de exploração: “Não há limite para a imaginação, para observar e para encontrar soluções”.

Na primeira aula do programa Sustainable Living Innovators (SLI), promovido pelo CEiiA, em Matosinhos, Manuel Heitor, professor catedrático do Instituto Superior Técnico, apontou cinco grandes áreas novas de desenvolvimento de conhecimento a partir do espaço. O cenário foi deliberadamente desenhado em traços largos para que os 23 jovens participantes, do ensino secundário e do ensino superior, percebam a vastidão da área de desenvolvimento e negócio do espaço.  “Ficaram agora com a ideia geral, para depois focarem”, explicou Manuel Heitor à “Smart Cities”. “O projeto SLI é importante porque fazem experimentação. Promove a cultura científica… Tem de se fazer, não se faz só com os livros”, acrescentou. “Têm aqui a possibilidade de pensar o futuro, criar cenários especulativos”.

Em mais de duas horas de aula, o antigo ministro da Ciência e do Ensino Superior levantou questões, desafiou a audiência a deixar um mundo melhor às próximas gerações e explicou as cinco áreas do espaço nas quais pode haver desenvolvimento.

Caminhos elencados na sessão inaugural do SLI que respondem ao maior desafio que o Mundo enfrenta: o do desequilíbrio causado pelas emissões de CO2. Muitas das respostas a este problema que ameaça a humanidade encontram-se no Espaço. E tal como na missão Apollo, há 50 anos, adotamos os inovadores sensores de fogo, atualmente de uso geral, e da primeira foto tirada da Terra a partir da Lua surgiu a ideia de registar em contínuo o planeta azul, há agora que procurar novas respostas no Espaço. “Os sistemas de observação da Terra estão a entrar numa primeira fase de desenvolvimento, esta é uma área verdadeiramente nova”, sublinhou o investigador.

Prova disso são as imagens divulgadas, na semana passada, pela NASA que modelam as emissões de CO2 na Terra, invisíveis ao olho humano. “Sistemas de observação do espaço permitiram registar o ciclo de carbono de janeiro a dezembro e perceber que este varia ao longo do ano”, explicou Manuel Heitor.

São as técnicas espaciais que nos dão ideia do que se passa na Terra, insiste o cientista, contando que apenas no ano passado ficou demonstrado que a floresta amazónica não se comporta de forma homogénea. “Estamos a descobrir a complexidade dos ciclos de carbono da terra. No oceano, ainda se sabe menos”, afirmou.

É preciso muito pensamento criativo. Como se pode pensar o futuro de coisas que não sabemos. É preciso observar, pensar em cenários especulativos, fazer e colaborar com vários atores para resolver problemas”, concluiu Manuel Heitor, partilhando dados da consultora Euroconsult, segundo os quais, até 2030, o mercado do espaço aumentará 74%.

Do Outer Space à observação do nosso quintal

A primeira área, o Outer Space, deu os primeiros passos há 25 anos, quando se começou a explorar o universo. O James Webb, o maior telescópio que já foi produzido, pensado em 1999, penetrou no universo para perceber de onde vêm os elementos. “Deu-nos a ver a molécula de carbono que não sabíamos que existia, deu-nos a base do carbono”, explicou Manuel Heitor. O telescópio, desenvolvido pelos EUA, pela Europa e pelo Canadá, fez a descoberta de novas luas, as luas geladas, a partir das quais é possível tentar perceber a origem da vida. A informação recolhida pelo James Webb a mil milhões de quilómetros da terra permitiu também a deteção dos anéis de Neptuno.
“As soluções nascem a partir da resolução de problemas”, sublinhou o investigador, mostrando como a busca de respostas para a crise de emissões de CO2 que o mundo enfrenta levou os cientistas a procurar e a estudar o carbono.

Outro dos caminhos para a descoberta de conceitos e soluções é a observação da terra a partir de satélites no Espaço. Apelando à criatividade, o professor do Técnico explicou como a observação da Terra a partir de sensores estacionados a 400 quilómetros de distância serve fins tão díspares como “a gestão de parques de estacionamento, serviço usado por grandes operadores de retalho dos EUA, para perceber tudo o que se pode querer saber com o crescimento das cidades, a gestão das florestas ou para detetar fugas de gás”.

Manuel Heitor na sessão inaugural do SLI falou sobre o que há de novo no Espaço

As aplicações da informação recolhida são variadas e esta é uma área em grande desenvolvimento. A ESA, a NASA e a Maxar recolhem atualmente imagens de baixa resolução, em que um pixel equivale a 10 metros. Começam, no entanto, a surgir empresas capazes de recolher imagens de alta resolução, entre os 30 e os 50 centímetros, que permitem ver uma planta ou um carro. “Difícil é gerir este ciclo de informação, processar para se conseguir fazer algo com a informação. É uma área de negócio importante”, destacou Manuel Heitor. “É preciso identificar e trabalhar imagens até chegar à resolução de problemas críticos”, acrescentou.

Uma terceira via é a gestão de tráfego espacial, algo impensável há 50 anos e que ainda não é feita. Mas é cada vez mais uma necessidade. “Todas as semanas as empresas de telecomunicações lançam centenas de satélites para o ar”, contextualizou o investigador. No futuro, pode haver duas formas de controlar o tráfego espacial: ou a partir de radares na terra, algo dispendioso, ou colocar sensores nos satélites para darem informações sobre os outros satélites, o que tem implicações militares.

Produzir no Espaço para evitar emissões

A produção de materiais a baixa gravidade, designadamente na indústria farmacêutica, é outro das fronteiras do espaço. As fábricas espaciais tornam a produção mais eficiente, com zero emissões, e podem ser aproveitadas pelas ciências da vida, para a produção de próteses ou de medicamentos relacionados com a atividade muscular. “Há um projeto europeu em curso, que é uma espécie de avião que pode voar para zonas de baixa gravidade para produzir”, exemplificou Manuel Heitor.
As fábricas podem funcionar numa lua, mas também podem ficar em órbita, como explicou o docente. “É tudo possível. Há muitas luas, mas as fábricas espaciais podem estar no espaço, não têm de estar numa lua. É o caso da Estação Espacial. Pode até haver muitas estações em órbita”, disse, dando o exemplo da Estação Espacial Internacional que atualmente tem um concurso para testar a produção de produtos de baixa intensidade energética e sem emissão de CO2. “Podem apresentar ideias de produtos para serem testados na estação”, desafiou Manuel Heitor.

Outro dos caminhos a trilhar pelos cientistas é o de reutilizar os lançadores de satélites, disse, referindo o projeto a nível europeu com a participação do CEiiA, de um novo lançador com materiais recicláveis. “É preciso levar instrumentos para o espaço a um custo aceitável”, enquadrou Manuel Heitor. “A Apollo foi pensada para fazer uma viagem, atualmente pensa-se em fazer mais lançamentos, pensa-se na aterragem e na reutilização”, explicou, avançando a evolução dos custos no último meio século. “Há 50 anos, um quilo em órbita custava 200 mil dólares, enquanto hoje custa 1500 dólares. Em 2040, custará 100 dólares”, precisou, desafiando os jovens na sala a fazer um foguetão e a lançarem-no, no projeto EuRoC. “Sejam ambiciosos, inovadores, procurem fazer coisas novas. Invistam nas ideias, trabalhem, errem”, desafiou Manuel Heitor.

Durante esta terça-feira, segundo dia do LSI, os jovens innovators terão uma sessão de “Dinâmicas de grupo”, seguida de uma aula do diretor da Agência Espacial Portuguesa, Ricardo Conde, sobre a “Democratização do Espaço”. À tarde, ficarão a saber como se desenvolve um satélite e um lançador, com Rui Magalhães, do CEiiA. A “Regulamentação e Governação do Espaço” é o ponto de partida para o módulo a cargo de Magda Cocco, sócia responsável pelas áreas de Comunicações, Proteção de Dados & Tecnologia e Digital Frontiers e pelo setor Aeroespacial da sociedade de advogados VdA. A forma como o Espaço está a ser governado e os desafios dessa regulamentação são os ensinamentos desta sessão.