Há vários anos que tem uma flor tatuada, como símbolo do “compromisso com a natureza” que traz na pele desde criança, altura em que descobriu os animais e as plantas na liberdade da aldeia natal. A partir daí, esta paixão floresceu, ganhou raízes e fez de Helena Freitas uma das principais especialistas nacionais em biodiversidade. 
 
Foi na pequena aldeia minhota de Mugege, entre montes e riachos, castanheiros imponentes e escaravelhos fugidios, que Helena Freitas ganhou o primeiro assombro pela natureza. Desses tempos de infância na terra natal e dos avós maternos, guarda na memória aquele deslumbramento pelos animais e pelas plantas, mas também um sentido de liberdade que viria a acompanhar toda a vida e carreira da professora catedrática e diretora do Parque de Serralves. “Essas duas coisas estiveram muito presentes em criança e continuaram a influenciar a minha personalidade. Há de facto, uma marca muito forte de liberdade, um afeto, uma zona de sentimentos muito ligada à natureza e à ruralidade, sem esquecer uma perceção de que a desigualdade era inaceitável”, recorda a especialista em biodiversidade.

Esse ímpeto de liberdade acentuou-se na juventude, aguçado pela queda do Muro de Berlim, que aconteceu 15 dias depois de chegar à Alemanha para tirar o doutoramento. “Foi uma altura muito estimulante para mim, porque era um mundo novo que se abria, rodeado de muita excitação, e ao mesmo tempo tive acesso a uma ciência mais experimental”, revela Helena Freitas.

Também passou pelos Estados Unidos, para estudar na Universidade de Standford o impacto do carbono nas alterações globais, mas sempre com a ideia de regressar a Portugal e à Universidade de Coimbra, onde é detentora da Cátedra UNESCO em Biodiversidade e chegou a ser vice-reitora. A mesma instituição que, muitos anos antes, a tinha preterido num concurso, porque “a carreira académica não era para saias”. “Fui, de facto, discriminada numa fase ainda concursal, mas, apesar desses obstáculos, a liberdade prevaleceu e eu nunca deixei de querer ser, também nesse sentido, uma mulher livre”.

Ainda hoje o é, sublinha, e dá como exemplo a saída do Parlamento, onde foi deputada, depois de perceber que “teria de abdicar de alguns valores que trazia da base científica, como a meritocracia e o bem coletivo”. Não se demorou muito pela política, é certo, mas garante que a luta pela coesão territorial e pela biodiversidade é para sempre, como simbolicamente revela a pequena flor que tatuou num braço. Seja qual for o palco, não se cansa de alertar que “estamos a perder natureza a um ritmo sem precedentes, absolutamente ameaçador” e que os “ecossistemas mundiais estão mais ameaçados do que nunca”.

Para a investigadora, é fundamental envolver também as cidades, “porque quando falamos em biodiversidade não estamos só a referirmo-nos a florestas tropicais, e mangais ou a mar profundo, mas igualmente aos meios urbanos”. É também isso que Helena Freitas se propõe a fazer enquanto diretora do Parque de Serralves, “um espaço fantástico no Porto que tem tudo para ser uma plataforma de mobilização da educação e da ciência para o ambiente”. Quando por lá encontrar castanheiros ou escaravelhos, a aldeia de Mugege há de vir-lhe à memória e lembrar-se de como tudo começou.  


Este artigo foi originalmente publicado na edição n.º 45 da Smart Cities – outubro/novembro/dezembro 2024