“Olha que o mar não é um poço sem fundo. Se jogas lixo para lá, amanhã ele vem ter contigo e vais ter de o apanhar outra vez”, diziam-lhe os pais em criança, muito antes de lhes seguir as pisadas e tornar-se a única pescadora da margem norte do Sado. Hoje, com 58 anos, é Sandra Lázaro que não se cansa de o repetir, tanto no mar, para os colegas de profissão, como em terra, sempre que participa nas atividades da Ocean Alive. Afinal, “é para isso que me tornei numa Guardiã do Mar!”, diz com orgulho ao falar do projeto que a ONG portuguesa criou em 2016. Tal como ela, há mais 17 pescadoras e mariscadoras de diferentes idades e recantos do rio que abraçaram a causa de proteger o estuário do Sado. “Como se fosse nosso filho”, garantem.

“A partir do momento em que nos tornámos guardiãs passámos a ter uma responsabilidade maior, porque não é só o facto de fazemos o que está bem, mas tentarmos passar e mostrar aos outros o que é preciso ser feito para melhorar o ambiente”, diz-nos Sandra Lázaro durante uma ação de limpeza ambiental na zona da Carrasqueira que recolheu cerca de três toneladas de lixo.

Cidália Nunes, Guardiã do Mar desde 2018, também passou por lá e recordou os primeiros tempos deste grupo de mulheres, há muito habituadas à “vida de mar”, mas que só ganharam verdadeira consciência da fragilidade do Sado quando se juntaram ao projeto. “Eu não tinha a noção que pudesse haver tanto lixo neste rio. Foi uma loucura, isto estava mesmo em perigo iminente, no vermelho, quando começámos. Foi nessa altura que passámos a ter um pouquinho de força porque era muito bom estarmos a limpar e vermos tudo muto limpo. Deu ânimo e coragem para seguimos em frente”, lembra a mariscadora de 68 anos, residente na Carrasqueira.

Quem sempre acreditou na força e no poder inspirador destas mulheres foi Raquel Gaspar, bióloga marinha e cofundadora da Ocean Alive, uma organização de conservação da natureza que surgiu em 2015 com o propósito de proteger as pradarias marinhas do Sado. O projeto “Guardiãs do Mar” começou um ano depois e partiu de uma pergunta tão simples quanto reveladora: “E porque não chamar as pescadoras e mariscadoras, que tanto sabem sobre o estuário, para nos ajudarem a monitorizar este ecossistema?”. Dito e feito. A partir daí passaram a juntar-se aos biólogos e investigadores nas mais diversas atividades, primeiro em iniciativas de sensibilização junto de escolas e turistas e, mais tarde, em ações no terreno.

“O que o projeto tem de único é o facto de criar novas profissões para as mulheres do mar, como educadoras marinhas, agentes de sensibilização que nos ajudam a mudar comportamento e monitoras das pradarias que ajudam a mapear as pradarias e criar conhecimento científico. Estas profissões valorizam a sua sabedoria, a sua posição na comunidade e trazem um benefício para o estuário do qual elas também dependem”, explica a responsável da ONG.

O facto de serem apenas mulheres é tudo menos um acaso. O objetivo passou mesmo pelo empoderamento das pescadoras e mariscadoras do Sado, valorizando o papel (muitas vezes inato) que desempenham na comunidade. Mulheres, mães, que sabem o que é criar, cuidar e proteger alguém para lhe dar um futuro. Como Sandra Lázaro fez questão de lembrar, “enquanto as Guardiãs do Mar existirem, o Sado terá sempre uma mão protetora”.

Veja também a reportagem vídeo sobre as Guardiãs do Mar:

Fotografia de destaque: © Ocean Alive