O município da Amadora foi um dos primeiros a nível nacional a dinamizar a pintura mural enquanto arte urbana. Hoje, mais de 100 obras podem ser encontradas pela cidade, que usa estas telas a céu aberto como ferramentas para melhorar a paisagem urbana, requalificar o edificado e reforçar os laços de uma comunidade multicultural.

Pelo quinto ano consecutivo, a cidade da Amadora organizou mais uma edição do Conversas na Rua. Entre os dias 30 de Agosto e 10 de Setembro, foi possível conhecer cinco novas intervenções artísticas espalhadas pelo espaço urbano. Odeith, Pantónio, Daniel Eime, Estúdio Altura, Frederico Draw & Contra foram os nomes dos artistas escolhidos em 2019 para deixar a sua assinatura nas telas da cidade.

Nestes cinco anos, o projecto já dinamizou 22 intervenções, mas, por toda a Amadora, é possível encontrar mais de 100 obras que reflectem as várias facetas da identidade deste território. Das paisagens rurais, aos rostos africanos ou à história da aviação nacional, passando por ícones da cultura portuguesa, como Fernando Pessoa ou Vasco Santana. “O conjunto dos murais reflecte a cidade e a nossa diversidade. Nós somos isto tudo”, afirma José Agostinho Marques, vereador da Cultura da câmara municipal da Amadora (CMA).

A CMA foi uma das primeiras autarquias em Portugal a dinamizar a pintura mural no espaço urbano. A relação da cidade com a arte urbana tem raízes profundas e que se prendem com as características do próprio território. Com uma área de apenas 23,8 quilómetros quadrados e mais de 179 mil habitantes, este é o município com mais densidade populacional do país. “E temos mais de 100 nacionalidades”, acrescenta o governante. “No contexto nacional, a Amadora era considerada um território desqualificado em termos urbanos, o que resulta também do seu posicionamento geográfico em relação à capital. Foi nestes contextos suburbanos que apareceram os graffitis, a partir da expressão ‘getting up’, ‘levanta-te’”, explica José Agostinho Marques, “é uma questão de afirmação, mais social, e, por isso, é natural que surja aqui com muita intensidade”.

A primeira experiência para “organizar” este tipo de manifestação artística deu-se em 2010, numa parceria com a, então, Estradas de Portugal e teve como alvo os muros da via CRIL/IC17. Cinco anos mais tarde, o município organizava a primeira edição do Conversas na Rua, que viria a integrar definitivamente os graffitis na política cultural do município. Desde então, esta forma de arte urbana “tem contribuído para desenvolver uma melhoria da paisagem urbana, requalificar o edificado e, por via disso, tornar o território mais sustentável, pois permite que as pessoas, ao estarem nas ruas, dialoguem com os espaços de outra forma”. Segundo José Agostinho Marques, é também “uma forma de valorização do património colectivo e individual de cada um e de aumentar a auto-estima das pessoas”.

O vereador da Cultura assegura que esta é uma abordagem ganhadora e que as diferentes obras têm mudado a percepção e a experiência de vários locais da cidade. O êxito do Conversas na Rua é um exemplo disso, mas há mais evidências. Com o turismo crescente a fazer-se sentir também no município, há, segundo o governante, relatos dos comerciantes locais que dizem haver mais pessoas nas ruas e que esta é uma cidade mais viva. “Estas pessoas ficam muito agradadas quando presenciam arte urbana e esta está, de facto, em todo o lado”, assume.

Ao dar “o estatuto de cidadania ao graffiti”, outra das consequências positivas foi o facto de terem deixado de aparecer pinturas em locais não previstos. Sempre que há a intenção de realizar uma obra, o artista contacta a CMA. “Um espaço, mesmo que esteja abandonado e degradado, tem potencial e merece tanto respeito como uma tela em branco. Foi uma forma de legalizar o procedimento”, refere.

Uma galeria no espaço público

Embora o Conversas na Rua decorra durante apenas alguns dias, enquadrado nas Festas da Cidade, o trabalho que envolve prolonga-se pelo resto do ano. “As obras são pintadas no Verão, por causa das condições atmosféricas, o resto do tempo é de selecção”, conta o vereador. Para essa missão, a CMA dispõe de uma curadoria em permanência que identifica os artistas emergentes e que podem dialogar com os espaços. De seguida, é feita uma análise, em conjunto com outros departamentos municipais, como a habitação, o ambiente ou o urbanismo, para perceber onde podem ser feitas as intervenções artísticas.

O diálogo não se esgota entre as paredes da câmara municipal e, para avançar, é preciso a autorização dos donos dos edifícios. Se, hoje, são os proprietários e os gestores de condomínios que procuram a CMA para disponibilizar os locais para receber os graffitis, no início do processo, as coisas não eram tão fáceis. “Tínhamos muita resistência, houve proprietários e condomínios que se recusaram a ceder as suas empenas, algumas delas degradadas e com infiltrações, porque tinham na memória os primeiros graffitis, com a fama da paisagem suburbana”, recorda José Agostinho Marques. O que mudou? Segundo o governante, é hoje claro que a presença destas obras “traz um valor acrescentado, não só ao nível da valorização do património, mas também para as pessoas que se cruzam com estes espaços e que reflectem, se interrogam sobre o que ali está e, em muitos casos, isto é algo que, até, os retira da solidão. Passou-se da fase da agressividade, que é natural, para, de facto, a fase da arte, e a arte comporta beleza!”.

Cada artista é livre de trabalhar o espaço à sua maneira, não havendo qualquer imposição de temas da parte da CMA. “Cada artista interpreta os locais de forma diferente. É arte e isso é que torna as coisas mais belas e permite que as pessoas reajam de forma diferente. Encomenda só se for um retrato e não é isso que entendemos”, diz, entre risos.

Em termos económicos, José Agostinho Marques considera que este é um bom negócio para a CMA, isto porque o investimento no Conversas na Rua é reduzido – “entre cinco mil a dez mil euros” – e o retorno “enorme”, com os inúmeros benefícios indirectos. “Quando uma empena está muito degradada, tentamos que o condomínio faça o isolamento”, refere, explicando o mérito dos custos repartidos e das parcerias, como acontece com o fornecimento das tintas, a cargo da Dyrup. “Os parceiros percebem que é importante participar nestas coisas porque têm uma dimensão social”, afirma. Como não podia deixar de ser, o trabalho dos artistas é pago, mas, segundo o vereador, é um “valor quase simbólico”.

A última edição do Conversas na Rua incluiu, pela primeira vez, uma sessão com os artistas, na qual estes exemplificaram o trabalho que fazem até chegar à tela ao público. “Houve um diálogo com as pessoas, acrescentámos a proximidade”, diz o responsável, que se prepara para organizar a edição de 2020. “Há ainda muitas empenas para trabalhar!”.