#CIDADÃO é uma rubrica de opinião semanal que convida ao debate sobre territórios e comunidades inteligentes, dando a palavra a jovens de vários pontos do país que todos os dias participam activamente para melhorar a vida nas suas cidades. As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.
Era uma vez uma família que vivia numa cidade que muitos conheciam como sendo a cidade das bicicletas em Portugal. Esta família achava estranho esse reconhecimento, pois, ao deslocar-se de bicicleta pela cidade, nunca tinha muita companhia, excepto um ou outro resistente ou alguns turistas que a visitavam.
A cidade tinha sido uma das primeiras com projectos pioneiros e na criação de algumas infraestruturas, o que ajudava ao tal reconhecimento, dando visibilidade à bicicleta. No entanto, actualmente, o automóvel já tomava conta da cidade e ocupava os vestígios das poucas ciclovias ainda existentes. Os automóveis facilmente circulavam em todo o centro urbano, com velocidades excessivas por vezes, o que fazia com que não fosse convidativo utilizar a bicicleta no dia a dia.
Um dos grandes desafios para esta família aconteceu quando nasceu o seu primeiro filho e a experiência de andar de bicicleta começou a ser ligeiramente diferente. A percepção de segurança mudou e começou a ser avaliada de forma mais cautelosa. Mesmo sendo utilizadores frequentes e experientes, o sentido crítico em relação à necessidade e urgência de melhorar o espaço público ficou mais desperto. Com uma criança, a sensibilidade na avaliação do “risco” são inevitavelmente diferentes.

Se uma cidade não está preparada para que uma criança possa desfrutar dela e, desde pequena, utilizar facilmente a bicicleta, como poderá esta mesma criança considerar normal deslocar-se de bicicleta no seu dia a dia quando crescer, e sentir que cidade é sua (nossa) também?
“Não são formas que substituam, nem diminuam, nem anulem as responsabilidades de quem gere os territórios. Mas são importantes e complementares. São iniciativas que partem de vários lados, no sentido de preparar uma geração mais consciente e crítica para a construção de uma cidade melhor, mais próxima e resiliente”.
Alertar para a questão séria da ausência de políticas públicas e da criação de infraestruturas no sentido de devolver a cidade às pessoas e de melhorar as condições para andar a pé e utilizar a bicicleta é urgente, mas esta mudança demora e as crianças crescem rápido e com elas crescem os hábitos de viver a cidade e de se deslocarem nela. Estarão estas crianças condenadas a conhecer a cidade através do vidro do automóvel, paradas e presas à cadeira nos seus curtos percursos diários, sem contacto com o exterior, sem noção espacial da cidade, sem sentirem de facto a cidade?
Haverá formas de minimizar o impacto negativo desta ausência de condições enquanto se trabalha no sentido de melhorar a cidade?
Sim, há. Não são formas que substituam, nem diminuam, nem anulem as responsabilidades de quem gere os territórios. Mas são importantes e complementares. São iniciativas que partem de vários lados, no sentido de preparar uma geração mais consciente e crítica para a construção de uma cidade melhor, mais próxima e resiliente.
Há várias iniciativas por todo o país. Há pais que se organizam em grupo e levam os seus filhos à escola de bicicleta ou a pé e que despertam vontades noutros pais para fazerem o mesmo; escolas que incorporam iniciativas de promoção da utilização da bicicleta; associações com iniciativas de sensibilização de crianças e famílias para os benefícios das deslocações activas para a escola e a utilização da bicicleta no dia a dia; escolas onde semanalmente se assinala o dia da bicicleta com actividades de incentivo; empresas que trabalham com os municípios, criando programas para integrar a bicicleta nos programas escolares; escolas que criam oficinas de bicicleta com os alunos, que integram projectos sobre a utilização da bicicleta nos seus conteúdos curriculares e famílias que se juntam e organizam viagens de bicicleta com crianças.
Há vontades que despertam e, sobretudo, há cidadãos mais conscientes de que somos também nós que precisamos de mudar as cidades e de que esta mudança pode começar com pequenas pedaladas para a construção de grandes mudanças.