Num livro publicado no último ano (The new urban crisis), Richard Florida, conhecido teórico de economia urbana, aborda as superstar cities. A reflexão de Florida não é necessariamente sobre Lisboa, mas, num momento em que a capital portuguesa ganha cada vez maior projecção internacional, não será estranho fazer referência à ascensão de uma Lisboa superstar.

As superstar cities são, no fundo, todas as cidades com (grande) capacidade de atracção e que monopolizam o investimento, a riqueza, a alta finança, o emprego, a indústria, a inovação, a cultura, as artes, as empresas de alta tecnologia e a maioria dos serviços de maior especialização na sua região metropolitana, deixando o restante território na sua sombra, em particular, as cidades com menor capacidade de competição no mundo globalizado. À sua escala, este fenómeno não será grande novidade para a cidade de Lisboa, que desde sempre agregou (de forma voluntária ou involuntária) parte substancial do progresso nacional.

“Num momento em que Lisboa se coloca cada vez mais como cidade e metrópole bem-sucedida na sua projecção internacional, não se deverá acreditar que será uma excepção e que conseguirá fugir ao crescimento da desigualdade”.

Contudo, se, à primeira vista, parece que estamos a fazer referência a metrópoles de sucesso, na verdade, nem tudo são boas notícias para as superstar cities. A experiência dos últimos anos aponta que à medida que as grandes cidades se tornam mais bem-sucedidas economicamente, existe, também, a tendência para o crescimento da desigualdade, que hierarquiza o espaço urbano conforme os interesses circunstanciais do mercado. Esta categorização urbana é sobretudo visível na desigualdade geográfica, ou seja, numa maior fragmentação da região metropolitana, promovendo a concentração habitacional de grupos étnicos, de classes sociais, dos mais e menos instruídos, etc., em determinados locais da cidade.

Estas asserções e reflexões de Florida não são totalmente inovadoras – já tendo sido apontadas por outros autores de renome nestas matérias (Thomas Piketty, Joseph Stiglitz) –, mas têm a particularidade de vir de alguém que, até recentemente, era considerado o guru do crescimento económico das cidades mais criativas e competitivas. Convém não esquecer que Florida foi um dos principais teóricos e impulsionadores da ideia da competição global entre as grandes cidades, que deveriam disputar a atracção de profissionais altamente qualificados em sectores especializados da economia, dos serviços, das artes e da tecnologia.

Defendia-se, então, que quanto maior fosse a concentração da célebre creative class, maior seria o potencial de crescimento e projecção das cidades. Acontece, agora, que o desenvolvimento económico promovido nas superstar cities resultou em diversos desafios para as cidades, sendo que o progresso não está a estender-se de forma homogénea nem por todos os cidadãos nem por toda a cidade.

Num momento em que Lisboa se coloca cada vez mais como cidade e metrópole bem-sucedida na sua projecção internacional, não se deverá acreditar que será uma excepção e que conseguirá fugir ao crescimento da desigualdade (na verdade, Portugal é um dos países mais desiguais da União Europeia e da OCDE). Os sinais de tensão estão, aliás, bem à vista, com a explosão da especulação imobiliária; com o aumento do preço do metro quadrado e, por consequência, das habitações para compra e para arrendamento; na gentrificação, realizada não por um movimento trendy e endógeno de “voltar ao centro da cidade”, mas por investimento estrangeiro de fundos imobiliários e de classes de elevado rendimento que substituem o tecido social existente; na transformação das estruturas urbanas para a acomodação de turistas; na privatização de espaços públicos; no impedimento dos residentes locais usufruírem da sua cidade; e, no final, como tem sido apontado por diversos pensadores sobre a sociedade urbana contemporânea, na ascensão de populismos em resultado da desigualdade social, que podem colocar em causa a sociedade e a própria democracia.

#CIDADÃO é uma rubrica de opinião semanal que convida ao debate sobre territórios e comunidades inteligentes, dando a palavra a jovens de vários pontos do país que todos os dias participam activamente para melhorar a vida nas suas cidades. As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.