#CIDADÃO é uma rubrica de opinião semanal que convida ao debate sobre territórios e comunidades inteligentes, dando a palavra a jovens de vários pontos do país que todos os dias participam activamente para melhorar a vida nas suas cidades. As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.

Eu não sou uma pessoa de causas, mas, se tivesse de escolher uma, e apenas uma, à qual me dedicar com todas as minhas forças, seria a de traduzir e introduzir nos currículos do ensino obrigatório o livro “A Evolução da Cooperação” de Robert Axelrod.

O livro foi originalmente publicado em 1984 e estende-se por umas meras 240 páginas. Nessas 240 páginas, o autor tenta responder a uma pergunta muito simples mas, por isso mesmo, de imensa importância para a vida em sociedade e nas cidades: “Quais são as condições para que a cooperação possa emergir, sem comando central, num mundo de egoístas?”. Este é o enunciado de um problema de teoria dos jogos chamado o Dilema do Prisioneiro (vídeo com legendas em português).

Numa altura em que as palavras Colaboração e Cooperação estão nas bocas do mundo (basta visitar o escaparate da secção de gestão da FNAC para encontrar vários títulos actuais sobre o tema), não fará sentido perdermos algum tempo a perceber melhor os seus fundamentos? O tema central do livro de Axelrod é um caso particular do dilema do prisioneiro: o dilema do prisioneiro iterado. Aqui, o jogo simples é repetido várias vezes e os jogadores têm, portanto, oportunidade de adaptar as suas estratégias de cooperação ou traição, consoante as jogadas anteriores dos restantes jogadores. A pergunta que Axelrod fez no seu famoso estudo foi simples: existe uma estratégia ideal para jogar este jogo? E se sim, qual é?

A resposta, surpreendentemente ou não, é “sim, a estratégia ideal existe”. A regra é extraordinariamente simples: começar com cooperação e, a partir da segunda jogada, repetir a opção que o oponente tomou na jogada anterior. Esta estratégia foi baptizada pelos seus criadores de TIT FOR TAT (em português, seria algo parecido como “OLHO POR OLHO”, mas, como eu não gosto do carácter violento da expressão portuguesa, prefiro adoptar a inglesa).

O Dilema do Prisioneiro Iterado pode ser reconfigurado e iluminar os sérios problemas que nós, enquanto sociedade, temos pela frente. Se dermos aos jogadores a hipótese de comunicarem entre si e combinar estratégias sobre como explorar um recurso de utilidade comum aos dois, encontramos a Tragédia dos Comuns. Ou seja, enquanto no Dilema do Prisioneiro Iterado, nenhum dos jogadores sabe de antemão qual vai ser a jogada do seu oponente e não têm hipótese de comunicar para concertar estratégias, na Tragédia dos Comuns, ambos os jogadores podem conferenciar para acordarem taxas de utilização de recursos que sejam sustentáveis e suficientes para os dois. Pode ser visto como um caso particular do Dilema do Prisioneiro Iterado na medida em que o que está em jogo é a cooperação (ou não) na exploração sustentável de um recurso: cooperar significa manter a exploração a níveis acordados sem ganância de querer ficar com o “bolo todo”. Não cooperar significaria não cumprir com o acordado, aproveitar a boa vontade do outro jogador e ficar arrecadar uma porção maior do recurso.

A colaboração entre agentes é um fenómeno emergente, não pode ser imposta, mas induzida; nem sempre é boa e tem de ser condicional“.

O grave problema das alterações climáticas e a necessidade de se encontrarem compromissos de larga escala com todas as nações são exemplos extremos da Tragédia dos Comuns. Mas é possível encontrar exemplos mais palpáveis bem perto de cada um de nós. Veja-se, por exemplo, o jardim à frente de minha casa. É um pequeno jardim público, relvado e sem bancos que tem pouca utilidade prática a não ser a de servir como WC gigante para o melhor amigo do Homem. Aqui, o recurso comum é um jardim limpo de “presentes”. Recurso este que só pode ser mantido com a colaboração de todos os donos de cães que o usam regularmente como WC. Sempre que atravesso o jardim para ir ao ecoponto, sou frequentemente lembrado do problema da Tragédia dos “Cãomuns” de uma forma muito pouco agradável.

Se estamos realmente na era da colaboração e se olharmos para as nossas cidades inteligentes como espaços sociais comuns, então, parece-me de extrema importância perceber as regras naturais que regem o fenómeno na cooperação:

A colaboração entre agentes é um fenómeno emergente, não pode ser imposta, mas induzida; nem sempre é boa e tem de ser condicional.

A crítica, porventura, fácil que faço aos modelos actuais de governação (nos quais incluo os modelos de governação locais e excluo algumas nobres excepções) é de que estes não contemplam a dimensão natural, evolutiva e adaptativa dos agentes que supostamente governam. São modelos que se assumem top-down e que, na minha opinião, contam mais com o wishful thinking do que com os conhecimentos que hoje temos da teoria de jogos, biologia evolutiva e ciências cognitivas, aplicadas a um sistema adaptativo complexo que é uma cidade (smart ou não).