Os incêndios urbanos sempre fizeram parte da história das cidades e o debate sobre como reconstruir o espaço urbano serviu, em grande medida, para as moldar (estivesse a escrever um artigo académico e teria de colocar uma referência ao livro Flammable Cities). Este problema tem pouco de novo e já afectou no passado Lisboa (1755), Londres (1666), São Francisco (1906) e até a Roma Antiga (64).

Actualmente, a construção com novos materiais, técnicas e normas de segurança levou a que os incêndios urbanos mais significativos estejam restritos a eventos singulares e a espaços fechados. Nas últimas semanas, a questão dos incêndios urbanos voltou a estar na ordem do dia, após a tragédia da torre Grenfell, nos subúrbios de Londres, que levou à morte de cerca de oito dezenas de pessoas. O caso da torre Grenfell é peculiar, pois a génese do edifício é de habitação social, tendo sofrido, ao longo das últimas décadas, com as vicissitudes do declínio do Estado Social.

“O incêndio da torre Grenfell faz parte da história de desinvestimento que acompanha as políticas de habitação promulgadas no Reino Unido nas últimas quatro décadas, em que as condições de segurança são negligenciadas em prol da poupança, não sendo, sequer, a primeira tragédia com vítimas que envolve este tipo de edificado”.

Terminada em 1974, a torre Grenfell faz parte da fase final do esforço do Reino Unido – após a II Grande Guerra – de potenciar o acesso a habitações baratas e decentes para a população mais carenciada. Pouco depois, em 1980, durante o período de governação de Margaret Thatcher, viria a ser promulgada a política right to buy, que permitiu a paulatina venda das habitações das autoridades locais para os inquilinos e outras entidades. A par da transferência do “Estado Social habitacional” da esfera pública para a privada, deu-se também uma transformação na forma como a sociedade encara a habitação social, cada vez mais estigmatizada, menosprezada, marginalizada e destinada a grupos sociais minoritários e excluídos.

O incêndio da torre Grenfell faz parte da história de desinvestimento que acompanha as políticas de habitação promulgadas no Reino Unido nas últimas quatro décadas, em que as condições de segurança são negligenciadas em prol da poupança, não sendo, sequer, a primeira tragédia com vítimas que envolve este tipo de edificado. A questão que agora se coloca no Reino Unido é a de saber quantas situações de desmazelo, potencialmente mortais para milhares de cidadãos, não existirão espalhadas pelos subúrbios das grandes cidades.

Em Portugal, país que tem nas áreas metropolitanas um parque habitacional social significativo a necessitar de intervenção, interessa igualmente olhar com atenção para estes incidentes. Os programas recentemente anunciados para a reabilitação de bairros sociais, com fundos do Portugal 2020, pressupõem a recuperação do edificado e a integração de novas tendências, nomeadamente o combate à pobreza energética por via de intervenções na envolvente térmica das estruturas (tal como ocorreu, aliás, na torre Grenfell). No futuro, será necessário não cometer os erros do passado e aproveitar as novas oportunidades de financiamento para dar condições de habitabilidade, conforto, segurança e qualidade de vida aos arrendatários sociais.

#CIDADÃO é uma rubrica de opinião semanal que convida ao debate sobre territórios e comunidades inteligentes, dando a palavra a jovens de vários pontos do país que todos os dias participam activamente para melhorar a vida nas suas cidades. As opiniões expressas são da responsabilidade dos autores e não reflectem necessariamente as ideias da revista Smart Cities.