O bambu, o cânhamo e a madeira fazem parte da base para a reflexão sobre “Arquitetura e Sustentabilidade”, seminário internacional que reúne arquitetos, investigadores e industriais da construção civil. Esta sexta-feira e sábado, na Casa da Arquitetura, em Matosinhos, argamassa, pedra e vidro, por exemplo, estarão nos alicerces da discussão sobre materiais, modernos e antigos, que ajudam a mudar a face e a função nas cidades.

“Toda a história da construção e da arquitetura está muito interligada com o desenvolvimento dos materiais, das soluções construtivas”, contextualiza Jorge Branco, investigador da Universidade do Minho e um dos oradores do “Shift – Arquitetura e Sustentabilidade”, dedicado à temática da “Arquitetura Material”. “Quando falamos de novos materiais, devemos fazê-lo entre aspas, porque falamos de reinterpretar materiais tradicionais, como a madeira que é um material antigo. Estamos, agora, a reaprender a utilizá-lo à luz das novas potencialidades, das novas tecnologias”, explica.

Jorge Branco congratula-se por ter com quem partilhar o saber e o entusiasmo acumulado, ao fim de muitos anos de investigação sobre este material. “Como engenheiro que trabalha na área das madeiras, a minha grande aliada sempre foi a arquitetura”, partilha com a Smart Cities, revista parceira de média do seminário da Casa da Arquitetura. “A arquitetura gosta da madeira porque é um material natural e diferente”, acrescenta. “É sustentável e um recurso renovável. Estamos a desenvolver equipamentos mecânicos e eletrónicos para aprisionar de dióxido de carbono, mas temos um material da mãe natureza que faz isso de forma natural: a madeira.”

“É um material que, sendo leve, é muito fácil de trabalhar, adapta-se muito bem aos processos de industrialização”, sublinha Jorge Branco, um dos oradores do painel “Bambu, Cânhamo & Madeira”, com moderação de Cláudia Escaleira, e que conta também com as contribuições de Luís Gama Pereira e Jaime Espinosa, da Associação Ibérica de Bambu, e de César Cardoso, da Natura Matéria.

Nas cidades, a madeira pode ser utilizada na construção de edifícios, como cobertura de piscinas e de pavilhões multidesportivos. “A madeira é uma solução muito competitiva, porque é leve, quimicamente imune e é por isso que se utiliza muito em piscinas”, exemplifica o docente da Universidade do Minho.

A construção modular, por blocos, pode também ajudar a mudar o perfil das cidades. “Há muito essa ideia pejorativa dos módulos, mas trata-se de construção rápida e de qualidade”, diz Jorge Branco, sublinhando, no entanto, que não é só por ser modular ou de madeira que vai ser mais barata e chamando à atenção para a dificuldade de se comparar construções que são diferentes na essência. “A madeira pode ser cara, mas também pode ser extremamente barata. Agora, temos que, obviamente, estar cientes daquilo que estamos a comparar”, sublinha.
“Em determinados países europeus, como França, por exemplo, está regulamentado que 30% da construção tem de ser em madeira. As nossas grandes empresas têm boa parte da faturação em mercados externos. E nesses mercados, já não há uma escolha de não construir em madeira”, partilha o investigador, estimando que no futuro próximo essa seja também uma realidade portuguesa.

Uma fibra vegetal com propriedades térmicas e acústicas

César Cardoso, da Natura Matéria e outro dos oradores do “Shift – Arquitetura e Sustentabilidade”, fala amanhã sobre o cânhamo, material que começou a acompanhar há cerca de 15 anos. Na altura, também foi de França que chegou o maior número de estudos e de aplicações para o cânhamo, nota o engenheiro civil.

O material de que falará na Casa da Arquitetura é o resultado de uma mistura que César Cardoso fez, e experimentou, a partir de aparas de cânhamo e de cal. “O material caracteriza-se, antes de mais, por ser leve. Podemos cumprir todas as questões relacionadas com a térmica e a parte acústica”, adianta César Cardoso.

“Além disso, uma vez que a mistura ligante é feita à base cal, é um material extremamente poroso, que absorve a humidade” e lhe confere “propriedades de permeabilidade ao vapor muito interessantes, superiores a muitos materiais de isolamento térmico conhecidos, mesmo na gama de materiais sustentáveis ou ecológicos, o que garante que as paredes respirem com muita facilidade”, defende. “Além disso, e por estranho que possa parecer, estamos a falar de uma fibra vegetal, quando misturando com a cal e, eventualmente, com os aditivos, confere uma boa, uma excelente reação ao fogo”, acrescenta César Cardoso.

Segundo um estudo europeu recente, a planta do cânhamo, apesar de ser um cultivo de estação curta -, de três, quatro meses -, consegue absorver entre nove a 15 toneladas de CO2 por hectare, valor superior ao do pinho. “A própria mistura, como utiliza cal, que no processo precisa do CO2 para endurecer, continua a absorver CO2 até à aplicação e durante o tempo de utilização. Temos um ciclo, em termos de carbónico, bastante negativo”, explica o engenheiro civil.

A aplicação de blocos de cânhamo no espaço público tem vindo a ser estudada e a Natura Matéria participou na construção de uma casa para um projeto social, em Esposende. “O objetivo era eliminar a utilização de betão armado; usar um material que cumprisse com as exigências do projeto e que fosse competitivo”, conta César Cardoso. “O processo foi muito interessante porque mobilizamos, através de um workshop, algumas equipas que, não estando familiarizadas, puderam aprender a aplicar o material”, recorda.
O custo da matéria-prima é uma das maiores preocupações de César Cardoso, que sublinha o facto de, nos últimos cinco anos, a produção de cânhamo ter vindo a cair em Portugal, quando a maior parte dos países europeus registou uma subida. “O desafio é, em resultado do anúncio da produção de blocos de cânhamo a uma escala gigantesca, conseguir uma maior dinamização do cultivo, para que possamos usar a matéria-prima localmente, com origem local”, explica.

O “Shift – Arquitetura e Sustentabilidade” tem curadoria do arquiteto Paulo Moreira e conta com uma instalação-vídeo na Casa da Arquitetura, visitas guiadas, oficinas para o público infantil e uma sessão de cinema. O seminário, que tem o apoio do Ministério do Ambiente e da Ação Climática.

A participação no seminário, que a Casa da Arquitetura é gratuita, sujeita a inscrição prévia e dá direito a um bilhete para visita às exposições patentes, válido para os dias 29 e 30 de setembro.