A associação Zero divulgou um estudo elaborado pela iniciativa internacional sobre cidades sustentáveis Clean Cities Campaign, em que 36 cidades europeias são avaliadas e comparadas em termos de mobilidade urbana das crianças. Trata-se de um tipo de mobilidade fundamental, pois promove a saúde física e mental da criança, desenvolve autonomia e confiança, e facilita o acesso à escola, ao lazer e à vida em comunidade. Permitir que as crianças se desloquem de forma segura e ativa — a pé, de bicicleta ou em transporte público — ajuda a combater o sedentarismo, cria hábitos sustentáveis, reduz a dependência do automóvel e melhora a qualidade do ar e os níveis de ruído. Além disso, cidades pensadas para crianças são geralmente mais inclusivas, seguras e acessíveis para todos, tornando a mobilidade infantil um verdadeiro indicador de qualidade urbana e justiça social.

Lisboa aparece em penúltimo lugar, sendo das piores cidades em termos de mobilidade infantil, apenas à frente de Sofia, na Bulgária. Em Lisboa, e noutras cidades mal classificadas, as crianças estão hoje menos livres para se deslocar e menos ativas do que no passado, especialmente as raparigas.

No topo, aparece Paris como a cidade mais bem classificada, um resultado que se deve principalmente aos esforços do atual executivo para impulsionar a transição da cidade, com medidas como o corte ou condicionamento do trânsito automóvel nas ruas à volta das escolas, ciclovias protegidas e a introdução de um limite de velocidade generalizado de 30 km/h.

No restante top 6 de cidades estão Amesterdão, Antuérpia, Bruxelas, Lyon e Helsínquia, umas já conhecidas enquanto pioneiras de longa data nestes indicadores, mas outras com evoluções positivas muito recentes, o que mostra que a mudança e o progresso não precisam de muito tempo para poder ocorrer – mas para isso é preciso visão, liderança e investimento.

A Zero e as organizações que fazem parte da iniciativa apelam a que os governos e as autarquias – em particular a Câmara Municipal de Lisboa – adotem uma abordagem centrada nas crianças no que respeita à mobilidade urbana – se o fizerem para as crianças estão a fazê-lo para todos.

Estudo avalia três indicadores chave: ciclovias, velocidade máxima e ruas escolares

A iniciativa Cidades Limpas passou cinco meses a recolher dados junto das administrações municipais e outros organismos públicos. As 36 cidades escolhidas representam uma amostra abrangente de localizações geográficas, tamanho e abordagens à mobilidade. Avaliou as cidades com base em três indicadores de adoção recomendada pelas Nações Unidas e pelo Observatório Europeu da Segurança Rodoviária:

  1. Existência de ciclovias segregadas, i.e., fisicamente separadas dos automóveis, onde as crianças estão e se sentem mais seguras;
  2. limite de velocidade máxima de circulação automóvel de 30 km/h de forma alargada na cidade, o que contribui para reduzir a poluição, ruído e os acidentes — uma opção óbvia, segundo a Organização Mundial de Saúde, a OCDE e o Conselho Europeu de Segurança nos Transportes.
  3. implementação de ruas escolares, i.e., ruas à volta das escolas com trânsito automóvel cortado ou condicionado, nomeadamente nas alturas de entrada e saída das crianças nos estabelecimentos de ensino, melhorando a segurança rodoviária, o ruído e a qualidade do ar, fazendo aumentar as deslocações a pé e o uso de bicicleta pelas crianças.

Mudança rápida é possível com empenho de autarcas e da comunidade

  • Para o indicador sobre ruas escolares, Londres surge no topo, com 525 ruas deste tipo implementadas. Existem atualmente cerca de 1.000 ruas escolares em 26 das cidades avaliadas. Pelo menos um quinto das escolas primárias têm-nas em Londres, Milão, Paris, Turim e Antuérpia. As ruas escolares contam com forte apoio da comunidade, sendo comuns em cidades onde pais, alunos e professores fizeram campanha por elas. Atualmente, Lisboa tem zero ruas escolares.
  • Em relação à limitação de velocidade a 30 km/h, Paris é a cidade mais progressista, limitando a esta velocidade quase toda a extensão da sua rede viária (89%), seguida de Bruxelas e Lyon. As cidades com mais de 80% da sua rede viária nestas circunstâncias são Paris, Bruxelas, Lyon, Amesterdão, Bristol e Madrid. Atualmente, Lisboa tem apenas 5,1% das suas ruas com limite de 30 km/h.
  • Na avaliação do indicador sobre ciclovias segregadas, o estudo mostra que Paris e Helsínquia dispõem de uma rede de ciclovias protegidas em quase metade (48%) da extensão da rede viária. Lisboa tem apenas 6% das suas ruas com ciclovias deste tipo.
  • Mudança rápida é possível: cidades há muito na vanguarda da mobilidade urbana progressista, como Amesterdão e Copenhaga, continuam entre as mais bem classificadas, enquanto Paris, Bruxelas e Londres registaram melhorias rápidas que lhes permitiram subir na classificação. Isto demonstra que é possível uma mudança significativa num período de tempo relativamente curto, diz o relatório.
  • A chave está em autarquias ambiciosas: as cidades líderes no ranking devem em grande parte o seu sucesso a autarcas comprometidos, e não a fatores sociais, geografia ou níveis de rendimento. As políticas públicas nacionais são menos determinantes, com cidades do mesmo país a apresentarem classificações muito distintas.
  • Em cidades com um elevado número de ruas escolares, uma forte mobilização popular de pais, alunos e professores desempenhou um papel crucial na condução da mudança.

Ruas para a Criançada estão cheias de vantagens

Como evidenciado no relatório, iniciativas como a Ruas para a Criançada levam a maior segurança rodoviária na envolvência das escolas, levando alunos a irem para a escola a pé ou de bicicleta, e a menos carros na envolvência. Esta mudança traz vários benefícios:

  1. Crianças mais saudáveis: As Ruas para a Criançada incentivam crianças e famílias a irem a pé, de bicicleta ou de trotinete, promovendo a atividade física diária e a interação social. Isto é fundamental, pois uma em três crianças em Portugal vive com excesso de peso ou obesidade(5).
  2. Melhoria da qualidade do ar e da saúde respiratória: A redução do tráfego automóvel junto às escolas diminui as emissões de dióxido de azoto (NO₂) e partículas finas. A falta de qualidade do ar é particularmente prejudicial para as crianças e adolescentes, os quais têm o sistema respiratório ainda em desenvolvimento e consolidação, contribuindo para doenças respiratórias que se podem prolongar pela vida toda e cerca de 1.200 mortes prematuras por ano na Europa.
  3. Redução de acidentes rodoviários: Menos carros à porta das escolas significa mais segurança rodoviária e menos estacionamento abusivo.
  4. Valorização e humanização do Espaço Público: As ruas transformam-se em locais mais seguros, agradáveis e convidativos, promovendo a convivência e fortalecendo os laços entre vizinhos, crianças e famílias, contribuindo para a construção de comunidade.

O caso de Lisboa

Lisboa tem o programa municipal Comboios de Bicicletas, uma iniciativa de mobilidade escolar em que os alunos vão de bicicleta para a escola acompanhados por monitores da cooperativa BiciCultura. O programa conseguiu que no ano letivo 2022/2023 240 crianças fossem para a escola desta forma. No entanto, sem mais intervenções e ambição, não será possível haver uma mudança substancial e estrutural.

De acordo com o último inquérito (de 2023), a maioria das crianças em Lisboa desloca-se para a escola de carro: 43,9% das viagens escolares são feitas de carro, 27,6% a pé ou de bicicleta e 25,7% de transporte público. Entre 2019 e 2023 esta repartição modal manteve-se praticamente inalterada, com melhorias inexpressivas.

Os níveis de qualidade do ar recolhidos nas estações monitorização da Qualar revelam valores muito acima dos recomendados pela Organização Mundial de Saúde, e em alguns casos acima dos valores-limite legalmente em vigor. Estes valores sugerem que muitas escolas poderão ter níveis de qualidade do ar preocupantes, sobretudo durante as alturas de maior tráfego automóvel.

Nma ação coordenada pela Zero com a participação da Kidical Mass, Lisboa Possível e Ecomood, os resultados desta classificação e a avaliação específica da cidade de Lisboa foram divulgados e comentados no Colégio Pestalozzi, em Lisboa. Durante a ação , a Zero realizou medições da qualidade do ar junto à entrada da escola, um dos fatores estreitamente ligados aos problemas de mobilidade urbana infantil e ao elevado tráfego automóvel que se verifica normalmente nas imediações dos estabelecimentos de ensino nos horários de largada e recolhida dos alunos.

O texto acima é da responsabilidade da entidade em questão, com as devidas adaptações.